quinta-feira, 27 de maio de 2010

A propósito da ablação...



A propósito da ablação e das variadas mutilações genitais infligidas nas mulheres e crianças do sexo feminino por esse mundo... Pergunto-me; quando ouvirei que os homens por detrás dessas tradições são alvo de "carinhos" equivalentes e de iguais propósitos...

Submeter uma criança com menos de um ano a "ablação faraónica", com o pretexto de que se o não fizer ela não pára de chorar com comichão... É... uma estupidez de uma dimensão, ela sim, faraónica!

Há vidas mais "caras"! São é muito estúpidas...


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Cinema Paraíso (Reedição)


Cinema Paraíso

Há já muito que tenho a sensação de ser o menino, “cinema paraíso”. Por detrás dos cordames que sustentam os cenários de um palco vital, vou espreitando... Ora curioso, ora envergonhado, ora indignado... De quando em vez, chamam-me ao palco. São necessários aplausos para que se encha um qualquer ego, insaciável... Os actores, esses representam uma comédia trágica que os contem em si mesma. De fora tenho a sensação de ser espectador único! Mas não! Vou encontrando outros...

© Mário Rodrigues - 2009

Tu foste...


Tu foste a merda da esterqueira da minha vida
Tu foste a pessoa que eu gostava nunca ter conhecido
Tu foste o ser asqueroso que me enoja
Tu foste um bajulador repugnante
Tu foste o azar da minha sorte
Tu foste quem jamais quero voltar a ver
Tu foste o tempo que perdi
Tu foste o ser que julga que o universo conspira contra si
Tu foste uma coisa que me fez muito mal...ou não...
Tu foste o chato alojado na pele do testículo do cão que era amigo do cão que conhecia o meu gato
Tu foste o estilhaço de esperma que apodrece no cortinado do quarto depois de saltarem as últimas gotículas provenientes do vigoroso sacudir do pénis
Tu foste uma coisa sem denominação que eu não consigo esquecer só porque me deste muitos problemas...mas com os quais aprendi a ser um homem melhor...

Por isso, meu monte de merda, asqueroso, repugnante e nojento, obrigado...


© Mário Rodrigues - 2010

Vem comer terra, que isso ajuda...


Vem comer terra, que isso ajuda
Vem-te arrastar, que isso arranha
Vem sangrar, que isso purga
Vem-te cortar, que ninguém estranha
Vem chorar, que isso traz uma ruga
Vem copular, que isso emprenha
Vem-te ferir, que isso castiga
Vem obedecer como uma formiga
Vem-te revoltar que isso rasga
Vem gritar que isso abre
Vem-te rir, que isso afronta
Vem-te gabar, que isso é mentira
Vem-te entregar, que isso conta
Vem comer, que isso alimenta
Vem alimentar, que isso mata
Vem admirar, que isso subjuga-te
Vem aprender, que isso inferniza-te
Vem esquecer, que isso anula-te
Vem ser grande, que isso escraviza-te
Vem ser pequeno, que isso mutila-te

Vem comer terra, que isso ajuda...


© Mário Rodrigues - 2010

domingo, 16 de maio de 2010

Pisco


Nestes últimos dias andei pelo bosque. Por lá, cada minuto que passa pelo meu corpo é uma hora perdida que recupero!... E a alma já mo reclamava...

Desta vez, e durante alguns dias, tive um companheiro incessante que sem qualquer receio privou comigo segredos daquela floresta que eu já mais saberia de outra forma. Ter durante várias horas, a distâncias que muitas vezes eram inferiores a dois metros, a presença de tão belo animal, foi para mim, sem qualquer dúvida, um enorme privilégio.

Muito obrigado senhor Pisco

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 10 de maio de 2010

- Nada! Não é nada!...


Hoje, pela manhã vejo alguém, a quem com um olhar pergunto:

- Então como estás?

Esse alguém me responde:

- Por aqui vou estando! Acordei antes do toque do relógio. Esperei um pouco e levantei-me, apesar de ainda cedo e de nada ter para fazer... Saí porque...porque se tivesse algo para fazer, sairia àquela hora. Não corro porque não tenho para onde... Simulo algum trabalho e...regresso já depois de serem reduzidas as hipóteses de perguntas. Perguntas que nunca sei responder de outro modo que não seja...um trejeito de boca acompanhado do respectivo encolher de ombros...o que em simultâneo faz com que sinta um moderado enrugamento do estômago acompanhado de pressão sobre o externo...

Com alguma preocupação pergunto:

- Mas então o que tens tu? Que se passa?

Esse alguém me responde:

- Nada! Não é nada!

Insistindo pergunto:

- Nada? Mas que tens? Que se passa?

Esse alguém me responde:

- Tenho quase tudo o que preciso! Incluindo coisas que não preciso! Há coisas que ainda não tenho, mas tenho tempo, para as ter! Há coisas que sempre ansiei, mas temo que já mais algum dia as tenha! Mas...acima de tudo lamento! Lamento muito as durezas dos corações! Corações que outrora moldados por mãos frias em pedra dura, amputados de quente ternura, não saibam pedir perdão! Que tantas vezes, nem tal careciam! Houvesse simplesmente um pegar de mão na mão... Mas ternura sei eu que têm! Apenas penas tenho, que tal amor e doçura, de paredes grossas seja refém! O que custa a muita gente, não é verdadeiramente o gesto de estender a mão! Fosse ele certamente, para em vez de pedir...conceder o perdão...


© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 8 de maio de 2010

...Tinha uma pequena cerca...




...Tinha uma pequena cerca. Feita com alguns pequenos troncos espetados no chão e com umas varas mais compridas...presas com arames apodrecidos...
Nos pequenos troncos, havia fungos brancos que, silenciosamente, os iam decompondo.
Havia um pequeno prado que mais não tinha que o tamanho de um olhar...uma tília perto da estrada, um esguio choupo branco e...
...Aos pés, o prado tinha um riacho por onde escorriam as lágrimas de um menino. Por entre seixos do leito do riacho cresciam, pequenas e frescas bétulas, cujos troncos delgados serviam de esconderijo às pequenas trutas...o guarda-rios tinha pequeninos que reclamavam algo nos biquinhos...mas...
...O menino estava sentado com as suas pernitas cruzadas na erva molhada do prado. Encostara-se ao tronco de um freixo que...aquele freixo já muito lhe sabia das tristezas. Muitas vezes corria para junto dele. Abraçava-se-lhe ao tronco enquanto lhe escorria a dor e alimentava as águas frescas e saltitantes do riacho...deixava-se escorregar pelo tronco até prostrado nas ervas verdes e molhadas...
O menino gostava de um dia ter na sua mão um guarda-rios. Um guarda-rios em todo o seu esplendoroso azul e laranja de bico longo...vivaz...belo...
Ultimamente ia vendo apenas melros...grandes melros do tamanho de corvos, com os bicos negros como os corvos e que berravam como os corvos e a que todos chamavam corvos...mas o menino tinha esperança que eles fossem melros...melros que por capricho, não lhe queriam assobiar, nem saltar à frente com os seus bicos vermelhos...
Um dia destes o menino apanhou amoras, cerejas e framboesas que deixou numa covinha delicada no prado junto do riacho para que os seus melros as comessem... Mas os melros, depois de espezinharem os belos frutos, em frenesim esfarraparam a carniça apodrecida de um coelho que, velho, ali abandonou a vida...
Os guarda-rios... A cada mergulho renasciam das águas, como pequenos espíritos de vida das águas correntes...
O menino imaginava aventuras que formigas embarcadas nas pequenas folhas de bétula caídas nas águas, seguiam na direcção do longínquo oceano...

"Como será o oceano? Dizem que é muito largo! Mas eu, que já sou grande, de certeza que lhe vejo a outra margem..."

Por agora, o menino pouco mais via que os borrões de cor escorrida a cada lágrima caída nas asas de uma borboleta...


© Mário Rodrigues - 2010

Houve um dia...


Houve um dia que quis ser grande...mas caí...
Houve um dia que quis rir...mas chorei...
Houve um dia que quis chorar...mas não consegui...
Houve um dia que quis esquecer...mas enlouqueci...
Houve um dia que quis ser compreendido...mas magoei-me...
Houve um dia que pedi desculpa...mas enfureci...
Houve um dia que quis explicar...mas não quiseram ouvir...
Houve um dia que tive dores...mas um ataque sofri...
Houve um dia que gostei...mas triste me arrependi...
Houve um dia que caí...mas o direito de me levantar me negaram...
Houve um dia que fui feliz...mas com ódio me invejaram...
Houve um dia que quis desaparecer...mas na torre da igreja me colocaram...
Houve um dia que quis ser grande...mas deitado no chão me pisaram...
Houve um dia que achei ser lixo...mas com carinho e uma mão me levantaram...
Houve um dia que nada de bem fiz...mas que alguém me agradeceu...
Houve um dia que não prestei atenção...mas alguém se comoveu...
Houve um dia que nada fiz...mas que tudo me acharam...
Houve um dia que me arrependi...mas ainda assim me crucificaram...
Houve um dia que tudo fiz...mas que com nojo me pontapearam...
Houve um dia que quis viver...mas desprezado morri...

Houve um dia que de morte me apunhalaram...mas para desespero sobrevivi...



© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Gyachung Kang ao longe...



A montanha esculpiu-lhes cada detalhe dos rostos. Ela mesma, levara-lhes os progenitores há já vinte invernos, quando tinham apenas doze anos. Irmãs gémeas, ficaram sós e entregues a si mesmas desde então.
O nascer do Sol era o momento em que com as mãos unidas olhavam a Gyachung Kang, de onde a brisa gélida da aurora lhes trazia as recomendações maternais lá dos lados do Nepal. A força que as unia, apesar de invisível, era inquebrável. Ambas eram tudo o que as duas tinham.
A distância da localidade mais próxima era tanta que, de longe a longe, uma delas a fazia numa alternância que doía prantos e clamores à outra.
Numa das viagens, um dia, uma delas por lá encontrou um rapaz bom e lutador. Na dureza das atitudes os gestos se demonstraram, alguns defeitos sem importância e umas tantas virtudes se notaram. Enamorados se amaram e algo se modificou...
Chegada junto da irmã, um pouco atrasada, a pergunta surgiu num olhar de cumplicidade que desde logo tudo explicou. As viagens começaram a ser um pouco mais amiúde, bem como um pouco mais demoradas...
A irmã da irmã enamorada, numa das últimas duras viagens feitas, por lá encontrou um rapaz bom e lutador. Na dureza das atitudes os gestos se demonstraram, alguns defeitos sem importância e umas tantas virtudes se notaram. Enamorados se amaram e algo se modificou...
Chegada junto da irmã, um pouco atrasada, a pergunta surgiu num olhar de cumplicidade que desde logo tudo explicou...
No silêncio de um prolongado olhar decidiram se juntar e desse modo a viagem fazer. Chegadas à localidade, ambas procuram os seus amores para com eles regressarem. Nos locais habituais, ambas encontraram um único, rapaz bom e lutador...
No silêncio de um prolongado olhar, ambas repararam que a vida, mais uma vez as juntara. Sem ciúme nem rancor para as suas terras veio o rapaz bom e lutador.
A partilha da vida e do amor, com o passar dos tempos, nos corações das irmãs provocou dor. Dor silenciosa mas cortante que em menos de um instante farpas agudas entre ambas veio pôr. Os dias foram passando e a força que as unia foi reclamando atitudes e fervor.
Numa manhã ao nascer do Sol, momento em que com as mãos unidas olhavam a Gyachung Kangde onde a brisa gélida da aurora lhes trazia as recomendações maternais lá dos lados do Nepal, num silêncio de um prolongado olhar, um sussurro se ouviu:

"Assim será..."

Então, com ambas envoltas em dor, uma a mão da outra largou e a casa regressou...
A outra estática ali ficou olhando os raios do Sol nascerem. Lágrima não tinha. Antes um tremor no coração.
Um corpo por terra ficou...
Alguns instantes passados atrás de si os passos pressente. Para trás se vira e de frente para a irmã, num silêncio de um prolongado olhar, um sussurro se ouviu:

"...acabou..."

Na manhã seguinte, ambas unidas por uma força que apesar de invisível era inquebrável, a caminho de seu labor passaram pelo monte de pedras e neve onde jazia a vida breve do rapaz bom e lutador...


© Mário Rodrigues - 2010

"Sussuarana"


Faz três sumana
Que na festa de Sant'Ana
O Zezé Sussuarana
Me chamou pra conversar
Dessa bocada
Nóis saímo pela estrada
Ninguém não dizia nada
Fomo andando devagar
A noite veio
O caminho estava em meio
Eu tive aquele arreceio
Que alguém nos pudesse ver
Eu quis dizer
Sussuarana, vamo imbora
Mas Virgem Nossa Senhora
Cadê boca pra dizer
Mais adiante
Do mundo, já bem distante
Nóis paremo um instante
Predemo a suspiração
Envergonhado
Ele partiu para o meu lado
Ó Virgem dos meus pecados
Me dê a absorvição
Foi coisa feita
Foi mandinga, foi maleita
Que nunca mais indireita
Que nos botaram, é capaz
Sussuarana
Meu coração não me engana
Vai fazer cinco sumana
Tu não volta nunca mais

Autores: Heckel Tavares - Luiz Peixoto

Como atropelar uma ratazana que saiu de uma sarjeta a correr.

O acto de atropelar é na realidade uma acção constrangedora!

Tenho desde já a afirmar e antes de mais, que o atropelamento terá de ser acidental. De contrário trata-se de um assassinato e os assassinatos são sempre condenáveis pelo que se assim for recusar-me-ei a fazer a síntese de tal acto e isto acaba já aqui!


© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O monarca Acetum está em maus lençóis...


Estava abafado dentro de casa. Não o ar mas...o barómetro!
Demorei algum tempo, bastante, a desalojar-me da poltrona...Não me estava a sentir...desconfortável mas era-me urgente sair dela sob pena de sufocar!

Saí. Caminhei alguns metros e encontrei uma eira de pedras polidas. O vento soprava como sopra nas eiras. Parei ausente de tudo e até mesmo do local. Um gritar de uma urze despertou-me. Olho em frente e vejo um enorme mar!... Mescalina?... Bem sei... Não, não bebi Mescal nem nada...

O mar era profundo. Muito profundo. Mergulhei nele. Não me movimentei nem um milímetro para mergulhar...apenas os olhos fitos me levavam na direcção da incomensurabilidade...

A profundidade era tanta, que as bolhas de ar, devido à força gravitacional do núcleo terrestre já não conseguiam subir. No entanto, a pressão da água, dada a profundidade era tal que as expulsava desesperadamente. Assim, privadas de subir pela gravidade, concentraram-se no fundo do mar. Comprimidas contra o fundo do mar, formavam uma cápsula de ar esmagada contra o solo submarino. A pressão atmosférica no interior dessa cápsula era muito alta, cerca de trezentos kgf/cm².
Os Acetum eram seres em forma de disco plaquetário. Tinham uma estrutura social que incluía um monarca que era o primordial servo da teia social. Observo, curioso, o relacionamento entre os Acetum e o seu meio. Cuidavam-no como se estivessem a cultivar colonias de células vitais...
Apesar e hermafroditas os Acetum, cortejam-se e enamoram-se uns dos outros com muita dedicação e delicadeza. Vivem e conchas de náutilo compartimentadas que albergam dezenas de famílias.
De quando em vez, apareciam Suatrubs, que apesar de assexuados, emanavam intensos odores a feromonas. As conchas dos Suatrubs eram cónicas e eram deixadas ao abandono sempre que mais uma orgia se desenrolava.
Haviam grandes bailes de Acetuns com Suatrubs. Os Acetum eram muito ciumentos e com facilidade despoletavam batalhas de morte. Cada Acetum que sucumbia, renasciam três Suatrubs. A situação há já algum tempo que preocupa o monarca Acetum...

"Então? Que estás aí a fazer?" - Dizia-me alguém com uma voz que me era íntima!

"Acorda! Vamos para casa que está frio... Já é noite... Constipas-te!"

Pestanejei!...

O monarca Acetum está em maus lençóis...


© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Uma coisa é uma coisa...


Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!

Reflicto sobre a possibilidade de uma coisa ser outra coisa, assim como outra ser uma coisa.
Numa primeira abordagem à ideia surge-me a impossibilidade te tal. A menos que a coisa seja desprovida de coerência, identidade e orgulho, a troca pela outra ou a fusão em uníssono, dando origem à outra coisa, é totalmente impossível! Tal faria surgir uma terceira que teria a agravante de não ser nem uma nem outra, coisa, claro!
Isso não está previsto nesta reflexão.
Não obstante reconheço a possibilidade de uma coisa, apesar de não ser outra, poder através de processos complexos e insuspeitos, tais como uma acção proveniente do exercício de um acto, se transformar em outra coisa!
No entanto, este primordial processo de criação carece de um desconhecimento inicial da outra coisa, a fim de prevenir a existência do dito terceiro.

Mas agora reparo que tal acção indicia pouca honestidade da minha parte...

Extraordinário!...Perante a necessidade de ultrapassar um obstáculo, não hesitei, coagi-me a manipular a realidade, ferindo de morte e desrespeitosamente aniquilando a outra coisa, transformando-a na coisa, com o propósito convicto de atingir o meu objectivo!...

Serei eu de confiança?... Hum!... Francamente!...

Se a honra, a honestidade, o respeito e os meus princípios tivessem peso suficiente no meu carácter, atrasaria o relógio o tempo suficiente para que de novo pudesse proceder à reflexão de um modo eticamente correcto e honesto!
Mas, não posso deixar de reparar que isso não basta. Apesar de ter regredido no tempo, não anulei o processo de reflexão anterior! Assim terei de lidar com uma reflexão contaminada pelas conclusões da que a antecedeu...
Isso muda completamente o desenrolar espontâneo e aleatório do processo, visto que, poderei não resistir, à tentação hipócrita, de tentar parecer muito correcto nos meus actos e reflexões devido à consciência da conotação que me adveio da anterior experiência!...
Pois bem! Serei desmascarado!...
Reparem, tal como a espontaneidade, a aleatoriedade não existe. Rapidamente todos constatarão que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!


© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Tela branca, alva, calva...


Tela...
Tela branca, alva, calva...
Apesar de habitualmente não pintar, tive urgência em fazê-lo! Numa corrida furtiva, fui a uma loja e comprei uma tela branca, três pastéis pretos, duas bisnagas de acrílico vermelho...umas espátulas e carvão...

Em casa, isto é, num local de improviso montei o cavalete e agarrei a tela. Olhei demoradamente para o vazio da tela até ela ficar completamente branca...mas não consegui...ao fechar os olhos consegui vê-la finalmente vazia e branca!

Demorei-me um pouco, pelo receio de que a alvura de novo fugisse. Já está. Agora é que vou conseguir desenhar...

A fraqueza!...

Os momentos que tenho privado com ela, fazem-me sentir-lhe as formas. Formas esguias, ovais de coragem esbatida e medo berrante... Formas sem margens, de definições muito marcadas que quase rasgariam a tela, vermelhos incolores de vergonha...ou antes timidez... Não, são mesmo é de medo!

Tiro a tela do cavalete e ponho-a em cima de uma mesa. Vai-me dar muito mais jeito...
Com o pastel e o carvão traço marcas de vida, com rombos, curvas e vértices redondos como espinhos de roseira. Depois com a mão esfrego até atingir grandes zonas de sombra. Biombos de cobardia!...

Agora com o acrílico vermelho, vou traçar-lhe grandes áreas de ousadia!... Isso mesmo, ousadia e uns bouquets de coragem!...

Coloco uma boa porção da pasta na tela...mas aqui não me dá jeito!

Ponho-a no chão. Com uma espátula em cada mão atiro-me na disposição de a mutilar avidamente. Os biombos e os cenários de sombras haveriam de sofrer a brutalidade da coragem e da força. Calculo-lhes as formas das mandíbulas e em movimentos precisos e calculados começo a dar-lhes formas...

A luta é renhida, as sombras estendem-se com pouco esforço abafando o escarlate. As espátulas ficam moles como tiras de papel pardo!...aquilo não me agrada nada, sinto-me muito pouco potente, não obstante da minha valentia, luto contra aqueles riscos de carvão que a minha mão já tinha esbatido, mas que me exibem os caninos exuberantes!...

Num acto quase descontrolado salto com os dois pés juntos para cima da tela...
Então afundo-me... Enquanto me afundo olho para a superfície e vejo, em imagens pouco focadas, os pasteis e o carvão, nas suas enormes casacas de golas peludas rindo!... Rindo em gargalhadas de desdém que mostram os seus pútridos dentes negros em bocas de dominação!...

© Mário Rodrigues - 2010

domingo, 25 de abril de 2010

Abril ainda está por fazer…


Este, foi o primeiro post deste blog.
Hoje, republico-o na companhia da lágrima, que novamente me visita...

"segunda-feira, 27 de Abril de 2009

Abril ainda está por fazer…
Abril…. Vagueando pelo meio dos meus documentários…..,dei com os olhos no “Capitães de Abril”, sei bem que não é um documentário, mas na minha prateleira está nesse lugar, dos documentários. Tinha 4 anos no dia 25 de Abril de 1974. Não resisti a dar uma olhadela; aí a 225ª vez e mais uma vez e como da 1ª vez que o vi, chorei novamente… e principalmente chorei por continuar a sentir vontade de chorar quando o vejo. Abril, ainda está por fazer. Abril foi e é todos os dias enxovalhado e vergonhosamente tomado por bocas e mãos que nunca o entenderam mas sempre o usaram. Abril ainda está por fazer… Abril ainda está por fazer… Abril ainda está por fazer…

© Mário Rodrigues - 2009"

sábado, 24 de abril de 2010

Por favor, fiquem com um...São uma ternura!...

Fofos e indefesos. Nasceram com os corpos despidos de qualquer pêlo.
São um amor e uma ternura. Se pudesse, não faría isto.
Gostava imenso de ficar com todos mas a minha varanda tornou-se pequena.

Oferece-se ninhada de hipopótamos!


© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

De noite, todos os gatos são parvos!...


Já tinha por lá passados algumas vezes. Lembro-me que da primeira, pareceu-me uma vala normal mas com uns "aparelhos" para alguns exercícios da praxe. Depois a sua fama começou a ouvir-se por lá...

Algumas vezes depois, imaginava-lhe as manhas nas manhãs, bem como as eventuais possibilidades de não "arranhar" lá muito...

Numa noite, sem que nada o fizesse esperar, fomos todos em "passo de corrida" embrenhados nas trevas até que algo me pareceu não ser exactamente desconhecido!
Terá sido uma das piores horas da minha vida... Levei sem saber de onde vinha, chorei e os tímpanos estilhaçaram. Quando acabei...não sei! Sentia-me muito exausto!...

Hoje perante o que já vivi, recordo-a como uma mera prova física.
Davam-lhe o nome de "Vala escura".


© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Eu não sou doutor!..."


Existem "experiências" que tal como as "realidades", nos "arrojam" a alma por veredas cortantes que nos lavram a existência.

Cheirava mal! Tinha um odor que disparou as minhas ligações neurais como no primeiro dia que tive contacto com a drenagem urgente de um quisto dermóide...
Mas não! Não tinha qualquer coisa do género. Duas fracturas e laceração de tecidos...

"Onze ou doze..." pensei eu, enquanto imaginava a abordagem de preparação do campo para a cirurgia...

"Mas porque razão cheiras tão mal?!..."

Não consigo, apesar de algum esforço, imaginar o meu filho, que terá eventualmente a mesma idade, naquela situação...
Sinto-me responsável por aquela situação que desconheço completamente... Não sei de que modo, mas sinto-me...
Bem! Já conheço demais...

"O que se passou?..."
"Foi um doutor, no parque, que depois de "coiso" me deu um pontapé..."
"Um pontapé?..."
"...atirou-me a merda do carro para cima..., ...e fodeu-me o guito..."
"...dass! Como é que te metes nessas merdas?..."
"Oh! Doutor!..."
"Eu não sou doutor! ouviste?..."
"Yap, desculpe doutor!..."
"Eu não sou doutor..."
" Yap, enganei-me."
"Sim e então?..."
"Deu-me uma trancada com o carro e não me deu o guito porque diz que eu estava cheio de medo e não abria o cú..., diz que depois falava com o "Lâmpadas"!..."
"Lâmpadas?..., dass, ca puta de nome?!..."
"Depois da cirurgia temos de ir ter com o agente para ver ali umas fotografias de uns...senhores..."
"Oh! Doutor!... Népia. Eu não quero problemas..., só quero o guito para dar ao "Boss" para ele me orientar o coiso...!..."

Saltam-me gotas de suor da cabeça, quando me assalta a imagem de ver o meu filho ali naquela cena... Imagino-me a...

"Escuta puto! Vais ver as fotografias e vais te recordar de uns senhores doutores que vais ver...certo?"
"Népia doutor!..."
"Eu não sou doutor..."


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Também não sei para quê esse espartilho da lógica?!...


"És bom para ir aos figos!... Quando for aos figos levo-te comigo!..."

Esta expressão leva-me a pensar de imediato, que estou a falar de alguém muito alto. Aparentemente, posso ser empurrado de supetão para verdades absolutas em redor de apanhar figos! Isto é muito precipitado da minha parte. Avançar sem uma observação e reflexão do desenrolar do acto, leva-me a tomar conclusões precipitadas!

Teremos de observar toda uma série de factores para que mais fidedigna seja a conclusão. Em primeiro lugar temos de ter a certeza de que se trata de uma figueira. Depois temos de...esperem...o universo de variáveis é muito pouco finito...é quase infinito! Teríamos de reflectir sobre a espécie da figueira, a altura da figueira, a disposição da figueira, o tipo de terreno, etc, etc...

Eu, na qualidade de...
Enfim, vou já decidir uma serie de coisas, mas só para facilitar. Penso que já tomastes consciência, de que se assim não fosse, o resultado poderia ser demasiadamente apurado, sendo que isso tinha como consequência um refinamento na caracterização que só deixaria espaço para uma situação em particular, o que não servia o intuito de abordar a generalidade da situação.

Assim, trata-se de uma figueira de S. João, daquelas que dá uns figos enormes castanhos. O outro indivíduo era alto, mais alto que eu, mas não o suficiente para apanhar os figos com os pés no chão, assim sem mais nada. Parece-me imperioso que a época do ano em que se desenrola a situação seja a época em que a figueira tem figos. Aliás, isso não basta. De toda a época em que a figueira tem figos, só menos de um quinto do tempo é que corresponde ao período em que os mesmos estão maduros, sendo que no restante espaço de tempo, seria pouco...era um bocado parvo, apanhar figos verdes só por causa de uma experiência que ainda por cima, nem sequer se está a desenrolar efectivamente, porque está a ser imaginada!
Ora se se está a imaginar uma coisa, convêm que se imagine uma coisa com algum préstimo!...
Também não sei para quê esse espartilho da lógica?!...
Podíamos partir do pressuposto de que aquela figueira ainda não tinha figos! Podia ter havido uma grande queda de granizo na altura da floração e isso teria destruído todas a possibilidade de nascerem figos!...
Mas penso que nunca vi flores nas figueiras!...
A menos que aquela figueira, não desse figos mas sim...nozes por exemplo que não se estragariam com o granizo!... E nascem de flores... Mas e se o granizo estragasse as flores nas nozes?
Bem, mas isso resolve-se já porque as flores das nozes tinham nascido na primavera e o granizo tinha caído antes. Garantindo assim que as flores intactas persistiriam. Também mando alguma coisa!...
Não! Não pode ser! Porque então não era uma figueira! Ou então seria uma árvore com folhas de figueira e frutos de nogueira, e isso não era muito vulgar!... Só faltava o tronco ser de freixo, para que a casca rugosa permitisse que os esquilos subissem lá acima para comer as nozes... Mas nunca ouvi dizer que, "...és tão alto que te levo às nozes!...". Para além disso se os esquilos as comessem, não faria qualquer sentido ir apanha-las. Muito menos com um amigo alto, porque teríamos de dividir as nozes que seriam muito poucas...e de certeza que ele não ia querer dividir ao meio a colheita visto que tinha sido ele a apanha-las...logo não seria meu amigo!
Mas se ele nem sequer sabia de nada, como é que ia querer das minhas nozes!
Claro que sabia porque eu lhe tinha dito! Ele ia tão calado na vida dele!...
Foi um pouco precipitado da minha parte, ter-lhe dito par ir comigo aos figos, se eu ainda nada sabia acerca da figueira em causa! E da qualidade e quantidade dos seus frutos! E da disposição do terreno, etc, etc...


© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 20 de abril de 2010

Paro cristalizado de pavor!


Uma epopeia!
Oh! Que epopeia!

A manhã tinha acordado enevoada...

"Março marçagão, manhãs de inverno e tardes de verão..."

Pois bem, a manhã estava enevoada. Gigantescas meias esferas abobadadas de água abundavam por aqueles lados. Campânulas hirtas expostas às forças colossais da brisa matinal, como cápsulas marcianas, espalhavam-se por montes e vales...

Orvalho!...

A área era vastíssima! A vista alcançava...a mais de quinze centímetros de distância apesar do ofuscado da nébula. Tinha acordado de mais uma interminável campanha das trevas. Renhidas lutas onde houve lugar a uma enorme quantidade de baixas nas nossas guerreiras...
Aquelas térmitas eram odiáveis!
Mas um dia...venceremos definitivamente! Esta guerra fará com que nós, dada a nossa supremacia de "Argentus", um dia as derrotemos em todo o seu gigantismo...

Apesar disso, a manhã estava calma. Por entre a nébula, um raio de sol destaca o amarelo intenso de uma flor. Junto ao seu pé, tomo consciência da sua colossal altura!...
Qual será a sabedoria acumulada de tal ser? Que envergadura!...
Extraordinário!...Todo o universo estaria à mercê de meus olhos se o cume das sua pétalas eu alcançasse!...

Mas...porque não subo? É certo que o enorme tronco não oferecia muita aderência, no entanto, com esforço consigo ir subindo. Alcanço um pouco mais. E mais. E mais...

Paro cristalizado de pavor! O barulho ensurdecedor e as vibrações tremem a terra e ficam cada vez mais próximas. Sinto toda a fúria do vento tentando arrancar-me do escorregadio tronco. Uma enorme abelha vem cobrar o seu tributo, nos estames polinizados. Agacho-me e esforço-me para não ser arrancado.

O sol começa a despontar e os seus raios a trespassarem-me o corpo. A escalada é penosa. Os meus olhos já alcançam aquele amarelo quase ofuscante. Mergulho num derradeiro esforço que me leva ao cume das amarelas pétalas...

Ah!...

Tenho muita dificuldade em...apreender o que os meus olhos vêem...

O Universo... é muito maior do que eu algum dia poderia pensar...


© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Os Suricates em viajem



Cliquem em "Vamos ver..."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Então! Não sejais gananciosos...


Recordo-me dele! Recordo-me como se nunca, mais tivesse visto.
Tinha um aspecto de algum bom trato não obstante do seu gigantismo. Há muito acomodado a uma mesa muito pouco farta, ocupava um espaço muito grande...digamos que apoderara-se de espaço de outrem.
Servia-se de tudo o que estava na mesa e não só...
Tinha muitos braços tentaculados. Cada um desses braços tinha apêndices e prolongamentos. Alguns prolongamentos não viviam permanentemente junto dele, mas vinham com frequência juntar-se-lhe para que assim se tornasse mais injustamente eficaz na sua orgia de destruição de recursos.
Havia braços que tinham terminações e apêndices bizarros; chicotes finíssimos que cortavam dorsos vergados, lâminas de fio diamantado com que infligia cortes profundos e eternamente hemorrágicos, pontas de dedos indicadores que desnudavam a alma a quem apontavam, falos que penetravam incessantemente os violados que bradavam de dor bem como clitóricas e nojentas vaginas de um bando de vermes que o bajulavam.
Era temido e nunca respeitado.
A tristeza de esta não ser uma recordação como as outras...só uma recordação, deixa-me convicto de que o pretérito o não arrancou das nossas historias mas antes, qual intemporalidade, permanece ali...ali...ali!
O seu urro de soprano melado, qual castrati pseudo-angelical do século XIX, com intuito de se disfarçar, deixa ver numa transparência de tule negro a sua completa acefalia que contrasta com a também completa ambição de poder.
Os cantares, como se de sereias dos mares do Sul se tratasse, embriagam apêndices que até então o repudiam e negam. Pouco tempo depois, ávidos e de gosmas a escorrer pelos cantos das bocas dão vivas à degradante causa. Ele então, com um focinho ternurento de Hades arrependido diz no seu tom de Dom Corleone:

"Então! Não sejais gananciosos... Somos todos irmãos!..."

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quebrando correntes...


A discussão era enorme, quase ninguém se entendia, ou ninguém mesmo...as circunstâncias da morte daquele triângulo...teriam de ser muito bem explicadas!
"Já disse inúmeras vezes que nada tive a ver com a morte desse triângulo!"
"Então porque te disfarçaste?"
"Usar gel é um disfarce?"
"Claro que é! Assim todos te julgam um ponto final! Ocultando a tua verdadeira identidade de asterisco...!

Tratava-se de um triângulo já idoso, chutado de folha em folha. Os geómetras ignoravam-no compulsivamente, olhavam-no com asco e desprezo. Em tempos idos, vítima de um compasso comparador de corte, sofreu um rasgo que o privou definitivamente da sua beleza de isósceles. Transformou-o numa aberração que nada tinha de escaleno, dando-lhe como lado uma cicatriz em forma de arco que lhe alterou o ângulo. Ali, moribundo naquele estirador, esvaia-se em tinta-da-china. As feições desapareciam-lhe numa alvura que o esgotava e levava à transparência.

"Quadrado sou eu e afirmo aqui, arriscando-me a levar com um traço azul por cima, que é assim, é assim que os que lutam a vida inteira, trabalhando honradamente para esses senhores octógonos e dodecágonos, que se julgam donos do mundo e que nos exploram até ao último ponto das nossas linhas! É assim que depois terminamos..."

"Já cá faltava essa conversa! Claro!
Eu sou filho de uma base de uma pirâmide quadrangular e de um honrado triângulo recto. Tenho origens muito humildes e se hoje sou octógono lutei muito!
Já fui um quadrado que cresci a apanhar as borras das borrachas que espartanamente aniquilam os defeituosos pelas mãos do criador, essa omnipresença que nos castra, com a ajuda de ferramentas de martírio e tortura, essas senhoras réguas e esquadros que nos querem fazer todos iguais arrancando-nos o nosso direito de sermos diferentes, até conseguir com muito esforço e trabalho, unir pontos perdidos e endireitar restos de arcos mal apagados, para assim conseguir ir juntando uma e outra recta para ser pentágono e hexágino até ao que sou hoje!
E eu? Não trabalhei honradamente?"

"Quem pensas tu que és? Tenho tudo o que tu tens! Temos os mesmos direitos! Ou será que só porque não tenho ângulos nem rectas sou inferior? O meu pai era base de um cone! Pois era! E depois? Sou uma circunferência e tenho muito orgulho nisso!"

"Pois tens muito orgulho, mas já mais chegarás a esfera! Teremos que almejar algo mais além..."

"Quem me dera...Quem me dera, não sendo nada, ser uma representação gráfica de um pensamento de uma criança, cuja mão leve desloca um lápis pela folha branca, dando-me formas curvas e elípticas...como o esvoaçar de uma borboleta..."

"Cautelas! Cautelas que se aproximam os volumes. Agora é que se vão partir os bicos..."


Uma mão arrebanha a folha. Da discussão não nasceu muito. Apesar do covil do inferno estar logo ali, com as suas lâminas triturantes, o criador atira-a para o cesto dos papéis...
Uma criança que por ali andava, dela logo fez um aviãozinho que atirou pela janela, qual porta celestial...
Uma gota atinge o aviãozinho. Cai em cima do último ponto de tinta do nosso triângulo isósceles...

Oh! Que trinados de trompetes celestiais! Assim, sob a forma de borrão, ele renasce com um novo esplendor e completamente livre nas suas formas... Quebrando correntes...


© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 3 de abril de 2010

Era uma cidade. Penso que o era...


Era uma cidade. Penso que o era. Não vi pessoas nas ruas, apenas um gato castanho e uma bola de couro que corriam à frente de duas crianças. Dois garotos vestidos com uma casaca castanha, uns calções e um boné...e calçavam umas botas até ao tornozelo. A cidade era esférica. Os prédios periféricos eram curvos, as ruas muito estreitas, tão estreitas que um dedo mindinho cortaria a passagem a um incauto transeunte. Era curiosa a maneira como escorriam as águas nas fontes; caiam das torneiras para o céu! Alias, agora que recordo, na porta de uma loja pendia na direcção dos astros uma placa que dizia "Joseph Smith & Nephew".
Os movimentos, naquela cidade, eram furtivos. As casas eram muito estreitas, quase do tamanho de caixas de fósforos. Erguiam-se muito alto e tinham telhados pontiagudos. No vértice de um cone terminava uma torre, que tinha uma altura impressionante, parecia um lápis, existia um cata-vento, um galo que girava sem parar...parecia...claro se a cidade é esférica, os ventos são circulares! No entanto, ele tinha a seus pés os quatro pontos cardeais! Onde estaria o Norte? Nor-Noroeste? Se ele girava sem cessar...
Escuta-se um trinado de máquinas de escrever a martelarem com os seus pequenos punções as folhas alvas de papel.
As coisas estão todas penduradas para cima! Reparo mais uma vez ao ver umas calças estendidas numa corda minúscula... O que terá acontecido à gravidade neste local? Terá um criador sido vitima de conspiração e na sequência dela mesma ter condenado injustamente esta cidade a uma gravidade inversa? Terá o cosmos invertido o sentido das forças físicas em mais um dos seus caprichos? O cosmos tem caprichos?

Esperem, reparo que toda a cidade está na realidade numa posição invertida! Claro, isso explica tudo! Assim as coisas fazem sentido.

Sinto-me emocionado com a grandeza e complexidade desta cidade. Não consigo, apesar do esforço, conter as lágrimas...elas brotam dos meus olhos sem respeito pelo meu constrangimento...elas brotam e escorem-me pela testa até pingarem dos fios do meu cabelo...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Eram outros tempos... III


Escrevia Joaquim Teófilo Fernandes Braga, algures no ano 1865 na sua obra "As Teocracias Literárias - Relance sobre o Estado Actual da Literatura Portuguesa".

"Estamos numa terra em que a verdade para ser ouvida precisa trazer a forma de escândalo. A não vir deste modo é uma coisa ininteligível, obscura.
Tanto melhor para quem aspira a ser entendido somente por aqueles que se pagam de sua obscuridade pela firmeza da consciência, e integridade de carácter."

Ainda bem que isto foi em 1865...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 31 de março de 2010

Tudo está contido...


Pode não parecer, mas um dia este pequenino terá sessenta metros de altura e conter-me-á na forma de carbono... Mas antes, tenho de o cuidar!

Envergonhado, despertou antes de ontem, aqui no meu bosque e chama-se Abies Alba.

© Mário Rodrigues - 2010

Eram outros tempos... II


A eficácia foi-lhe morte.
Fruto do ventre de uma mortal, que a sua vida abandonou numa cesariana derradeira, teve como pai Apolo, filho de Zeus o senhor do Olimpo.
Senhor de mil sabedorias, medicinas e ciências, a Deus foi chamado.
A agilidade e dedicação levaram a que, contrariando os poderes de Hades, das suas garras lhe arrancasse os mortos com uma só mão.
Apolo, apesar de senhor da luz e da verdade, de seu filho, não manteve a divindade. Punido pela devolução da vida a quem dela tinha sido privado, Zeus sem piedade mata Esculápio com um raio!

© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 23 de março de 2010

Se eu fosse "soláquio"


Se por cada milhão de segundos na face da terra, no sol são menos 2,12 segundos, se em vez de terráqueo eu fosse "soláquio", seria muito mais novo...
Teria menos 44,56 minutos de idade!...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 19 de março de 2010

You Are Welcome To Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirardo mais fundo de nós o mais útil segredo entre nós e as palavras há perfis ardentes espaços cheios de gente de costas altas flores venenosas portas por abrir e escadas e ponteiros e crianças sentadas à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos há palavras de vida há palavras de morte há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar há palavras acesas como barcos e há palavras homens, palavras que guardam o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente, as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras noturnas palavras gemidos palavras que nos sobem ilegíveis à boca palavras diamantes palavras nunca escritas palavras impossíveis de escrever por não termos conosco cordas de violinos nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar e os braços dos amantes escrevem muito alto muito além do azul onde oxidados morrem palavras maternais só sombra só soluço só espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Autor: Mário Cesariny de Vasconcelos

quarta-feira, 17 de março de 2010

Cardhu...bagaço...álcool etílico...perfumes...


"Trinta e seis. Em Lourenço Marques!"
"Sim. Foi uma infância maravilhosa...tinha muitos amigos...e animais...a casa era enorme e tínhamos vários empregados...tínhamos uma divisão muito grande onde nos juntávamos todos à noite, onde havia cabeças de animais que o meu pai caçara...e um aquário...um aquário enorme onde tínhamos Tilápias e Muçambas...lindo..."
"1976. O meu pai veio mais tarde...mas veio...houve quem nunca chegasse..."
"Cedo, muito cedo. Pouco tempo depois de chegar. Os trabalhos piores eram para os "retornados". Um dia, um GNR foi lá a casa levar o recado; tinha-se soltado uma viga e que...talvez no dia seguinte pudéssemos levantar o corpo...no Chile, sim na praça do Chile"
"Não, não parei. Depois fiz mestrado e duas pós-graduações, mas..."
"Bastante bem. Escolhia-os. Nunca ia com homens...menos correctos e desalinhados. Tinham de ter, principalmente, capacidade financeira...percorri uma boa parte da Europa e estive nos melhores hotéis..."
"Um dia bateu-me à porta...outra vez! Iria ser diferente...ia deixar a mulher...mas...antes disso...o teste de gravidez deu positivo e ele...filho da puta...tinha a família dele! Disse-me! Somos sempre muito boas mas já mais se casariam connosco...Vermes!"
"Lindo, claro. Como todas as mães acham os seus bebés..."
"Não! Não nos faltava nada. Aturei clientes que...tinham dinheiro e viajavam muito em negócios e reuniões. Precisavam de uma companhia vistosa e culta para exibir aos outros palhaços nos jantares...indivíduos sexualmente desequilibrados...completamente..."
"Era um SLK. Era muito bonito e não foi completamente oferecido..."
"Não, não eram clientes. Era um grupo de amigos impecáveis...íamos vomitando os nossos fantasmas mutuamente..."
"Sim. Fui para a cama com um deles. Mero sexo animal...era uma pessoa especial...não tinha nada a ver com clientes..."
"Sim, já tínhamos bebido bastante...e uns riscos de branca..."
"Parciais! A esquerda tenho dos terços do fémur e a direita o primeiro terço da tíbia..."
"A principio, do bom e do melhor...depois Martin's, Dimple, Cardhu...bagaço...álcool etílico...perfumes..."
"Só duas vezes por semana! E com a vigilância de uma tipa sempre de olho...lutei muito para lhe dar o melhor...deitei tudo a perder..."
"A assistente social disse-me que se as coisas continuassem a melhorar, falava com o advogado para pedirem uma reapreciação...talvez me deixem voltar a ficar com ele..."
"E...posso contar com a vossa ajuda! Não posso?...pelo menos a tua?!..."

© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 16 de março de 2010

O vinho não é bom conselheiro

Chovia copiosamente, no entanto, a pequena quantidade de sangue que ainda existia no álcool, não tinha a força suficiente para o deixar ter frio e aperceber-se de que estava completamente encharcado. Em ziguezagues, elipses e trambolhões, lá ia indo pela rua gritando:

"EU QUERO COMPRAR O SALAZAR"...
"EU QUERO COMPRAR O SALAZAR"...

Se de início o guarda-nocturno ia fazendo de conta que não estava ouvir, sendo que a quantidade de água que caia era demasiada para "preciosismos", o aproximar de outros transeuntes obrigou-o a agir.

"SEU BÊBADO ORDINÁRIO, ANDA CÁ QUE JÁ TE DOU AS COMPRAS"...
"VAIS PASSAR A NOITE À ESQUADRA PARA MELHORARES"...

No dia seguinte pela manhã, confrontado com um acordar atrás das grades, questiona-se o que estará a fazer por ali!
Não encontrando resposta, resolve perguntar ao seu carcereiro:

"Oh! seu guarda, que mal fiz eu, um pobre homem, para estar aqui nos calabouços desta espelunca?..."

"Bem vejo que estás melhor que ontem meu bêbado miserável...Não sabes porque estás aqui? Pois fica sabendo que ontem, já perdido com o vinho, gritavas nas ruas que querias comprar sua excelência o Sr. Presidente do Concelho, o Sr. Doutor Professor Oliveira Salazar!..."

"Não posso querer!...", responde estarrecido. "Eu andava a dizer uma coisa dessas?"
"Claro! Já viu o tamanho da asneira?" Responde o guarda.
...
"Devia dar ouvidos à mulher e deixar de beber..."
"Um homem quando está bêbado compra com cada porcaria..."

Autoria: Autor popular

O presente

O presente...é um acaso da liberdade. Portanto...não existe!

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

Eram outros tempos...

Talvez pudesse ser muito diferente...Talvez pudesse! Acredito que talvez melhor!
Não foi só a morte na fogueira de Jan Huss, não foi só o Concilio de Constança, não foi só a conquista de Constantinopla por parte dos Otomanos nem mesmo o fim do império Bizantino.
Foi também a Peste Negra, foi também a fortuna profana do papado, mas acima de tudo uma filosofia de castigo divino aplicado pela mão da inquisição que fez a grande diferença nas mentes e no desenvolvimento de uma humanidade...Foi sem dúvida uma idade negra, uma época de retrocesso eventualmente definitivo, em que a manipulação de massas vivia alguns dos seus melhores dias...

© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 13 de março de 2010

Tenho de ter cuidados com o meu comportamento...

A manutenção da espécie humana depende de mais uma revolução!

Uma revolução tão importante como a comunicacional e mais que a industrial e que a tecnológica!

De uma revolução de princípios éticos. De reconsideração dos princípios básicos para a existência em grupo...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 12 de março de 2010

Arriscamentos...

Hoje dei inicio a um ciclo de almoços...extraordinários!

Requisitos:

-Três intervenientes no mínimo.
-"Open mind" suficiente para, sem rodeios, apontar e confrontar os outros com os defeitos que lhes achamos, justificando.
-Humildade suficiente para identificar as virtudes dos outros, os dos defeitos...
-Capacidade total de completo e repito, completo, alheamento de pré conceitos. O que é difícil mas possível...
-Discernimento para fundamentar as nossas convicções e o que os outros acham de defeito em nós.

Resultados a curto prazo:
-As amizades não ficam iguais. Ou não o eram e morrem naquele momento, ou saem com uma força cúmplice...de dimensão admirável...

Experimentem...
Recomendo...
Mas...Preparem-se...

© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mas o Tiago disse logo que assumia...

"Para mim estás morta! Ouviste? Morta! Sabes o que é? Sai-me da frente...porca, puta..."

Foram estas as últimas palavras que ouvi da boca dela. Eu fazia-lhe tudo o que podia...tomava conta dos meus irmãos...limpava a casa bué vezes...mas já estava farta! Bêbado! Chamava ela ao meu pai...talvez fosse! Não tanto como ela. Ela para além de bêbeda é má!
Tinha doze anos, quando me apareceu o período a primeira vez. Ela, quando eu corri a dizer-lhe, assustada por não saber o que se estava a passar, disse-me:
"Não sabes o que é? Deixa que não vais morrer! E se morresses, também não se perdia nada...não te ponhas a pau, não...aparece-me prenha...que ponho-te no olho da rua"
Quando olho para eles tenho medo! Tenho medo de os não conseguir tratar como deve ser...são tão pequenos e...frágeis...se pelo menos eu tivesse já os vinte! Se calhar conseguia arranjar trabalho e seria diferente...arrendar uma casa...mas, ainda faltam quatro anos! O Tiago, o meu namorado, ele é tão fixe comigo! Apesar de ainda só ter quinze, é um homem! Foi espectacular...quando ele chegar, tudo vai ser diferente. Lá na Suíça, quando ele me escreveu disse-me, que anda a guardar uma manada de vacas muito grande, e que já juntou seiscentos euros para os nossos meninos. Diz que depois vai fazer uma casa e que vamos viver à grande! O primo dele já lá está há muitos anos. Também guarda vacas. Diz que a manada dele é de vacas melhores...
Os "stores"!...aquilo era uma seca...
Esta cena de gémeos, é que me faz muita confusão!...não sei! São iguaizinhos! Menos a orelhas!
Aqui, há umas que são porreiras, mas outras falam à bruta...O Dr. Luís é fixe!
A senhora Amélia ensinou-me montes de cenas! Ela é muito fixe!
Não, eu não sou essa cena da mãe solteira...está bem que não me casei. Mas o Tiago disse logo que assumia...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um amor entre arames...

Verde era a cor predominante. Ali numa pequena várzea no leito do rio, alimentava-se enquanto passeava. Havia uma pequena cerca que dividia o campo em dois. Do outro lado, num faustoso e imponente andar, andava ele. Dorso castanho claro, barriga castanha mais escuro e as patas pretas. Pescoço curto, ar emproado e uma bela e longa barbicha. Ela deste lado mirava-o insuspeita, o que aliás ele também fazia. O branco e o beije mesclavam-se de um modo único, transformando-a numa verdadeira visão Afroditesca...
A tentação estava a tornar-se insuportável. Ela deslocando-se como se de uma pétala de flor de amendoeira se tratasse, vai até junto do rio para bebericar um pouco de água. Ele, a quem nada passava despercebido, muito menos os movimentos da "Bita", em três saltos e um pinote, se pôs junto dela, ainda que do outro lado do arame... Entre olhares e "mmeees..." suspirados, ele começa a fazer contas de aritmética para calcular o ângulo da corrida para saltar a coisa... Dá uma corrida atrás e...
"HHEEE..., ANDA CÁ SEU CHIBO D'UM CABRÃO..."
"Raios partam a velha que anda sempre a meter o nariz onde não deve...", sussurra ele com os seus botões... "Deixa lá que eu já te digo..." dá mais uma corrida atrás e num ápice, salta o arame para junto da sua amada "Bita"...
Pois claro! Está visto o que ia dar!
Duas pedradas e um cajado a voar ditaram a desdita... Se ao menos não fosse aquela maldita mania de marrar em tudo o que era muro... nesta altura teria uns belos cornos, que com sorte, se enrodilhavam no cajado, adiando desta feita tal desventura.
Ali jaz o "MOCHO" aos pés da "Bita".

-"HHAAA... MOCHO D'UM CABRÃO, QUE ME DÁS CABO DA VIDA..."

Tudo era da mais alta qualidade. Nem admitia que fosse de outro modo. As tigelas são de um barro cinzento-escuro, feitas lá para o lado do Lameiro. Os pimentos, tiveram de esperar umas tardes de verão até que um vermelho vivo se apoderasse deles. Só depois foram colhidos e preparado o pimentão. O louro. Bem, as folhas de louro vieram d'O Loureiro. Árvore de enorme imponência. De tal modo que o vale, as terras e a "poça" eram apelidados de "Loureiro". Os alhos tinham sido vizinhos dos pimentos e tinham secado à sombra, só para manterem o aroma.
"Tenho pena. Realmente tenho muita pena, mas as manhãs a lambuzar-se com as bolotas e as tardes de "sorna" à sombra dos sobreiros... enfim, a banha era de uma textura, de um aroma, de uma fineza suprema... ". Morangueiro. Não, não é americano! É morangueiro...o perfume não deixa enganar... Baco emocionava-se quando sorvia tal néctar. Na semana passada, com todos estes meus amigos, em doses rigorosamente delicadas, fui colocado nas tigelas. O sal e o tomilho estiveram mesmo para não entrar. Sempre cheios de humidades... mas depois de os inspeccionar, acedi. Tudo tinha de ser da mais alta qualidade. Depois e só depois fomos completamente cobertos com o vinho, o morangueiro.
Ontem, foi dia de cozer o pão de centeio. Que cheirinho se espalhava pela aldeia...hhuumm! Depois de cozer o pão, o Sr. José, que era uma jóia de pessoa; aliás não sei como consegue aturar aquela "penca" daquela velha pastora, deu mais um ligeiro calor ao forno com umas vides e uns galhos de oliveira secos e... mas que maravilha... espectáculo... extraordinário... aquele calorzinho... hhuuummm! Ficámos a repousar a beleza...Hoje, estamos de saída do forno. Nem vos conto...
Já ouvi falar num tal de "Dão", que também por cá está...

O Sr. José já chamou o pessoal. "Meninos... a chanfana está na mesa..."

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Então e o mestre?

"Quando o estudante está realmente preparado, o mestre aparece."

Provérbio Budista

A noite é para se trabalhar

Pela madrugada recebi um telefonema que me trouxe de volta ao mundo dos vivos. Tenho mais que fazer... Só vim cá para dizer isto! Podia perfeitamente não ter vindo... Mas vim!

© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sinto-me inútil

Hoje não me sinto lá muito bem. Já é noite e estou com a sensação de que não fui útil a ninguém... Sinceramente estou incomodado e algo ansioso!

© Mário Rodrigues - 2010

Bichos...

Se não conheces as carraças...Tem cautelas com o cão!

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Entre vampiros

Oh pá! Chupa-me a jugular...

© Mário Rodrigues - 2010

A propósito

A propósito do Post "Então a ver se depois combinamos alguma coisa. ", in blog "O Bom, O mau e o Vilão".

Agora que te leio, reparo que já tinha reparado nisso mas que, por uma piedade estúpida mais de mim do que dos outros e por não ter outra coisa para dizer naquelas horas...ou espera aí!
Não tinha?
Realmente tinha outra coisa para dizer, do género:
"Lamento mas não contes em voltar a ver-me e a divertirmo-nos juntos", partindo do pressuposto que assim foi, porque se não foi a conversa teria de ser outra, "porque eu tenho sempre montes de tempo ocupado a arrastar-me por este mundo que vejo por um buraco de fechadura, e se combinasse imediatamente alguma coisa contigo, ias ficar a pensar que eu era um gajo que tenho sempre montes de tempo ocupado a arrastar-me por este mundo que vejo por um buraco de fechadura, logo era um inútil e deixarias de gostar de estar comigo, assim como supomos que gostamos. Poderias mesmo pensar que eu tinha gostado tanto de estar contigo, que estava desejoso de voltar a estar. Possivelmente porque agora que estive contigo, antes de combinar a próxima vez, na realidade não estive lá muito porque tinha de te contar todas as enormidades que tenho feito ou nem por isso e gabar-me e babar-me e não sei que mais, sendo que teremos de voltar para mais..." Mas isso, isso seria uma falta de educação!

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Parida para morrer...

A pedra estava gelada. Sentia uma perfusão gélida que me anestesiava as nádegas. O dorso vergava-se-me. Tinha a sensação de o coração ter diminuído, lenta, mas claramente os seus batimentos... Mal o sentia! Os olhos vidrados fixavam-se no horizonte...
Bastante ao fundo, havia um monte redondo com uns arbustos mesmo na ponta. Parecia uma mama.
Não me lembro de ter mamado!
Não me lembro de ter sido uma criança feliz!
Um dia... Um dia o mundo acabou! Pareceu-me que assim tinha sido!
O cheiro era nauseabundo. A gritaria, que incluía várias línguas e idiomas por mim desconhecidos, era-me alheia bem como o chiado das rodas nos carris... Em silêncio, pelo único rasgo de mundo que me era visível, via-a a ficar longe...mais longe...bastante longe...muito longe... Desapareceu! Da vista, do meu alcance e...Era uma mulher castigada pelo trabalho brutal, pela fome e pelos espancamentos do monstro... (cuspi três vezes para o chão e limpei a boca com a manga da camisola). O ódio saltou-me de dentro como um vulcão que me aperta a garganta e quase me asfixia... Miserável... Nojo... Por muito que me lave, ainda não estou limpa, nem vinte e oito anos depois... Não sei se me virei a sentir limpa algum dia... Apesar dos lábios serrados, gritava em brados estridentes "Mãe, Mãe, Mãe..." em sussurros de um silêncio insuportável... O mundo acabara de acabar!
A minha mão direita deslizou lentamente e encontrou a mãozita dele. Também ele, silencioso e imóvel. Que pensará ele da vida? Que achará ele, no seu mais profundo intimo, de mim? Não tenho coragem de lhe perguntar! E eu? Que penso eu de mim? Sei demais para pensar o quer que seja. O meu corpo, sim porque só o meu corpo interessou, foi um "local". Sitio onde, entre outros, eu própria estupidamente me mutilei. A beleza bastava-me num "lambuzante" banho de narcisismo. O meu corpo voltou a ser o meu nó Górdio...
Mas ele, o polvo através do qual eu toco em todo o universo, saiu-me do seio como a lava irrompe das entranhas da terra. Com ele tenho a possibilidade de me rasgar em pedaços atirando-me para a fogueira, recomeçar a minha vida... Nunca é tarde... Nunca será tarde... Recuso-me a deixar que entardeça!
Poderei eu nascer trinta e quatro anos depois de ser parida? Não sei. Nem sei se isso me preocupa realmente.
Ele puxa-me a camisola e procura as minhas mamas. Eu acordo de um sonho mau. Poderás perfeitamente ser diferente de todos eles. A minha lágrima escorre-te no rosto, mas tu, serás diferente de todos eles...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O navio de espelhos

O navio de espelhos
não navega cavalga

Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível

Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos

Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele

Os armadores não amam
a sua rota clara

(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)

Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga

O seu porão traz nada
nada leva à partida

Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta

(E no mastro espelhado
uma espécie de porta)

Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto

A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto

Quando um se revolta
há dez mil insurrectos

(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)

E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar do fundo

Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)

Do princípio do mundo
até ao fim do mundo


Autor : Mário Cesariny

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Vivas! Hoje é dia de festa!

Hoje é um dia grande no meu bosque. Chegaram uns distintos habitantes que há muito eram aguardados. Envergonhadamente espreitavam por entre todos os aparatos que lhes garantiram que uma viagem de alguns milhares de quilómetros, lhes não deixava marcas. Chegadas e dadas as boas vindas, foram colocadas em terra rica e húmida, num local resguardado de quarentena. São ainda pequeninas, mas são muito bonitas.

Sequoiadendron giganteum - Sequóia Gigante
Taxodium distichum - Cipreste de Folha Caduca
Picea pungens - Abeto Azul

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Tempo transversal à existência

Neste fim-de-semana, tive a oportunidade de estar junto de uns seres extraordinários! Digo extraordinários, não porque esta palavra se encaixasse mais ou menos bem aqui no meio destas outras, mas antes porque aqueles seres o são mesmo!
Calculo-lhes a idade, mas com esse cálculo surgem-me na cabeça coisas como as histórias a que assistiram. As nossas existências médias de setenta, oitante, noventa ou até mesmo de cem anos, aprisionam-nos numa existência temporal finita, que com ela traz uma estúpida forma de vida, também ela finita, de horizontes estreitos, espartilhados...de sabor salobro, dada a sua exígua mensurabilidade.
Com dificuldade, e nunca sem esforço, apreendemos a existência de tempos infinitos anteriores e posteriores às nossas existências. Parecem-nos algo de menor importância face aos tempos que estamos a viver. "Estes sim...", parecemos nós dizer, dos altos das nossas tribunas de palha de milho, como se jamais tivesse havido e voltasse a haver momentos na história como aqueles em que estamos a viver.
Com muita frequência, vou lendo inúmeros exemplos de pensamentos, raciocínios e conclusões, que me parecem e são, absolutamente contemporâneos apesar de a sua origem ter muitos séculos e o seu desenvolvimento muitos milénios. Nós somos apenas os detentores dos restos, que sendo bons ou maus; já sei que esta classificação em si já é putrefacta, dos anteriores habitantes de uma presunção de imortalidade mesquinha e microscópica como a nossa. Uma árvore que independentemente das suas características físicas, assiste à minha passagem pela face da terra, como se de um instante se tratasse, tem um acumulado de legitimidades, difícil de entender e compreender. Assistiram a coisas como o vomitório romano e o masturbatório grego, que são coisas que nos deixam confusos, principalmente porque julgamos que isso deveria estar para a frente temporal e não com o passado de milénios. Aproximar-me de um tronco que tem oito metros de diâmetro e que eleva uma copa a cinquenta metros de altura, é intimidatório e arrepiante, mas, se lhe encostarmos o ouvido, podemos ser embalados em histórias intemporais de duendes e princesas, de animais e de namorados...numa existência serena. Como poderia eu, um dia, decidir acerca da sua existência...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O prazer de me sentir bem-vindo...

Se existem coisas que me deixam cheio de satisfação, é o facto de me sentir bem-vindo!

Hoje, fui a dois clientes, ao hospital (trabalho), ao banco, ao restaurante onde almocei com um amigo, a um café, beber o cafezinho e depois a uma taberna de um amigo "filosofo", e reparo agora, que em todos os locais fui recebido entusiasticamente e com agrado! Possivelmente é acidental... Gostaria de julgar que não!

© Mário Rodrigues - 2010

Foi por ela. Ao meu amigo Eduardo...

Foi por ela que amanhã me vou embora
ontem mesmo hoje e sempre ainda agora
sempre o mesmo em frente ao mar também me cansa
diz Madrid, Paris, Bruxelas quem me alcança
em Lisboa fica o Tejo a ver navios
dos rossios de guitarras à janela
foi por ela que eu já danço a valsa em pontas
que eu passei das minhas contas foi por ela
Foi por ela que eu me enfeito de agasalhos
em vez daquela manga curta colorida
se vais sair minha nação dos cabeçalhos
ainda a tiritar de frio acometida
mas o calor que era dantes também farta
e esvai-se o tropical sentido na lapela
foi por ela que eu vesti fato e gravata
que o sol até nem me faz falta foi por ela
Foi por ela que eu passo coisas graves
e passei passando as passas dos Algarves
com tanto santo milagreiro todo o ano
foi por milagre que eu até nasci profano
e venho assim como um tritão subindo os rios
que dão forma como um Deus ao rosto dela
foi por ela que eu deixei de ser quem era
sem saber o que me espera foi por ela...

Autor: Fausto

Mensagem a um amigo...

Sabes! Tomei banho, fiz a barba e estou a ouvir Dee Dee Bridgewater e a ouvir as desventuras amorosas do meu "pirilampo"... A vida é extraordinariamente bela...
Um abraço palhaço amigo...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Malvado cão que me mata outra galinha!

As obras ainda duraram muito tempo até a nossa casinha estar terminada. Todos os sábados, logo de manhã cedo, costumávamos ir da nossa casa alugada na vila, para a "obra", era assim que lhe chamámos durante muito tempo até estar terminada. A distância seria e é de aproximadamente 2 quilómetros. Normalmente arranjava-se maneira de lá passar a noite. Primeiro numa barraquita feita com taipais de madeira e chapas, onde também ficavam guardadas as ferramentas e depois, já dentro da "obra".
Aquele sábado não foi excepção e lá fomos com o farnel para o fim-de-semana. A casa já tinha o rés-do-chão construído bem como uma boa parte de primeiro andar. As escadas exteriores eram divididas em duas partes e quase a meio tinham um patamar, a partir do qual o sentido das escadas se invertia. Elas, as escadas, tinham umas pontas de "verguinhas" de ferro saídas nos degraus visto que ainda não estavam terminadas e aqueles ferros iriam fazer falta para as terminar.
Preto, pêlo curto e ponta da cauda branca como as "pantufas", Dic, era um jovem cão que já não era cachorro e que, vá se lá saber por que razão, tinha uma questão não resolvida com esses seres de inteligência e intelectualidade superior que são as galinhas. Enquanto na nossa casa da vila, fazia questão de comer todo o milho que pudesse às ditas galinhas, sendo que posteriormente, seco como palhas, bebia desalmadamente litros de água...logo de seguida, variadíssimos e reais chichis que faziam do terraço uma piscina. Quando estávamos na "obra", o beligerante animal encetava correrias em perseguições e ainda, encenava emboscadas de cima do patamar das escadas, atirando-se, qual tigre da Malásia, aos pescoços dos galináceos que, pelo menos uma vez, terminara ali mesmo a sua existência terrena.
A meio da manhã, subia as escadas com um tijolo para levar ao meu pai, eis que, num rompante, o Dic vem do primeiro andar a correr, visto que tinha detectado o "inimigo", para descer as escadas para pôr em curso mais uma das suas emboscadas. Eu, sabendo o que ele ia fazer, aflito e tentando ser mais rápido que ele, atiro o tijolo e viro-me para descer as escadas... A minha sandália prendeu-se num dos ferritos e eu lá vou escadas abaixo com o rabo e as costas a descerem pelos ferros... Enquanto as minhas costas reclamavam com uns belos rasgos feitos pelos ferros, bradava a minha avozinha:
- "Malvado cão que me mata outra galinha!"

© Mário Rodrigues - 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

Conífera

Agora vos pergunto! E se um dia eu morresse?

Um segredo vos vou contar.
Se um dia eu morresse, e o resgate da massa sem o sopro da alquimia tal permitisse, ia querer que numa covinha pequenina junto ao pé de uma conífera, o carbono desagregado pela energia que outrora me constituía, fosse depositado.
Assim embrenhando-me no ventre na nossa terra mãe, pelas raízes da conífera junto com a água iria também.
Esse que já fora Adão, Platão e Napoleão, que já fora Abel, Gabriel e papel, esse carbono agora no pé de uma conífera outra vida iria tomar.
Do alto das suas folhas a todos vós iria observar.
Na harmonia das vossas insensatas vidas caminhar.
Mas quem não muito me ama, por tal não vá esperar.
Porque já mais morrerei, enquanto nos corações de quem me queira puder estar.
Porque já mais morrerei enquanto um ser de mim se lembrar.
Porque já mais morrerei enquanto um coração me queira amar...

Mas isso! Isso seria se um dia eu morresse...


© Mário Rodrigues - 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dias difíceis.

De vez em quando ela aparecia. Tinha um aspecto enganador. Azul quase bebé, tricotada com dedicação pelas mãos maternais, aspecto...ternurento e um bocado "betinho"... Costumava fazer "pandam" com umas calças beije que tinham uns quadrados mais escuros.
Como se já não bastasse o raio das calças de lã, tipo "jardineiras" com os seus suspensórios da treta e sem braguilha, o que me fazia a vida num inferno, principalmente na hora de fazer o meu chichi, tendo em conta que estava no limite da possibilidade de contenção da minha bexiga, porque estava muito ocupado em mais uma das minhas invenções, ainda tinha aquela maravilha do massacre cutâneo que era aquela camisola.
Tinha mangas compridas e gola semi-alta mas o pior de tudo, é que picava como se fosse um ouriço! O diabo da camisola, ainda que vestida por cima de qualquer coisa, tinha picos que tudo atravessavam e se iam ferrar em todo o meu tronco e braços, combinando assim também com as calças que me punham as pernas em brasa e quase com urticária.
"Oh, Mário João, mas ficas tão bem!...", dizia-me a minha mãe, "Oh, mãe mas isto pica muito!...", dizia-lhe eu...
Enfim, claro está, quem é que levava a sua avante, e eu passava um dia inteiro com a impressão de andar vestido com um enxame de abelhas. Ainda hoje quando me lembro disso sinto comichão...

© Mário Rodrigues - 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Tango...

Urgente!...

Corram todos venham ver!
Vejam como eles rodopiam, como eles formam um turbilhão de movimento...
Vejam os seus pés...
Vejam os seus corpos...
Vejam as suas cores...
Movem-se em impulsos. Vibram. Parecem raios de luz negra...
Rodopiam e regressam ao mesmo ritmo.
É fascinante...
Num arrojo de suavidade, deslizam graciosamente e chicoteiam as veredas com os tacões e com a alma.
Voltam e bamboleiam-se, desengonçados em movimentos compassados e frenéticos... As árvores arqueiam-se numa vénia de espanto.
As crianças não resistem, rasgam amarras, libertam-se de mãos opressoras e irrompem dos seus pátios de mãos dadas, rodopiam em correrias numa roda em volta...
Urgente! Urgente! Corram todos, venham ver gente feliz...

© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Desta janela vejo o mundo...

Janela...

Desta, observo uma dama com um vestido até aos pés. Tem uma daquelas armações por debaixo do vestido, que lhe faz parecer ter um rabo de vespa! Emproada, fixa o olhar no horizonte vazio. Não consegue disfarçar o olhar que segue o galã do "Capitan" descapotável...

Não, afinal não! Vejo antes uma criança que corre com uma redinha na mão, atrás de uma bela borboleta. Não sei bem se a quer mesmo apanhar. Talvez queira mesmo só vê-la de mais perto. A Alice disse-lhe que as suas asas eram veludo autêntico...

Bem me parecia! O que ali vai mesmo é um casal de namorados que caminham de mãos dadas e trocando olhares e sorrisos. À frente deles, segue um retratista, com a sua caixa negra, que há quem diga que rouba o espírito das pessoas. Ele segue, andando para trás, numa tentativa de fotografar o casal. Sim, aqui em Paris os artistas fazem de tudo pela sua arte...

Ali, um homem alto, com um casaco até aos pés com uma gola muito peluda, saiu da pastelaria. Tem um ar sinistro. Olha para os que por ali passam, como se fosse detentor de uma altura de pelo menos cinco metros. "Homem do Ministério", é esse o nome que os ardinas lhe atribuem...

Ping, ping, ping... Goteja lentamente da ponta daquela folha, gotas de pranto de aflição... Uma rabanada de vento, abana profundamente toda a cena. Os olhares descuidados dos transeuntes inferem golpes rudes naquelas gotas de ânsia. Ninguém lhes dá valor nem esperança. Não lhes conhecem o sentir e a dor. Ping, ping, ping... Um pequeno pássaro aproxima-se e observa. Não estranha. Acaricia com o bico a folha e, num rompante, abriu asas e voou...

Desta janela, vejo tudo! Reparem como segue sorrateiro, o rosto vai tapado. Quem será a próxima vitima? Nobre senhor, de elegante trato e aspecto, fica por chão. Tinha-lhe sido ofertado por quem muito o admirava, ou simplesmente bajulava. "Longines", inscrito no mostrador de madrepérola, por detrás de um vidro safira com pequenos traços de ouro encrostados... "Assim conseguirei pagar ao Dr. Gaspar as injecções para arrancar o gaiato das unhas da pneumónica". Com duas moedas escondidas na mão, cumprimenta o polícia que vigia a distribuição do açúcar e da farinha racionada, "...já está a contar com isso! Ele e a minha mulher, com o reforço para o conduto dos gaiatos..."

Desta janela vejo o mundo...

© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hipócritas...

Abrem os jornais da manhã:
"Chacina em base norte-americana no Texas... Não se sabe o que terá acontecido..."

Hipócritas...

Um homem, militarmente, major; vocacionalmente, psiquiatra; familiarmente, marido e pai; biologicamente, "antropóide sapiens mais"; socialmente, local de despejo de dramas e local de colheita de esperanças e felicidades...

Trinta e nove anos, mata doze colegas e fere trinta e um, só porque os não conseguiu matar. Foi abatido. Não mortalmente. Ponto comum a ele e a todos os colegas que ele atingiu: de partida, novamente, para o Iraque...

Este não é dos que se mataria no final da chacina!

Uma base militar, onde permanecem em constante exercício e alerta 50.000 homens, armados até aos dentes deles e dos avós deles, envoltos em drama, honra, vida, droga, manipulação, loucura; é uma verdadeira bomba atómica.

A exposição à guerra e aos seus efeitos, é derradeira na vida de um homem.

Há muitos modos de morrer, e alguns daqueles homens, que já era a enésima vez que iam para o campo de guerra, e cujos olhos e cérebros lampejam horrores impensáveis, que ficaram gratos ao major médico, que num acto de perfeita eutanásia, os brindou com o fim do sofrimento, tal qual cadáveres sem vida própria digna.

Matar-se no fim? Não! Um homem assim, não se mata no fim... Um homem assim, tem muito claro na sua mente que tem de libertar os seus companheiros. Um homem assim, já escutou, lidou e teve de compreender, as maiores barbaridades que chegam a ser difíceis de imaginar, e quer cá ficar para gritar porque razão o fez.

Quanto? Não! Muito mais! Muitos anos, e centenas de centenas de histórias e de sofrimentos e de esventramentos da alma e arrancamentos de corações, sendo obrigado a permanecer vivo e a corresponder com o que se espera dele.

O contacto permanente com o sofrimento alheio, é corrosivamente destruidor. A guerra tem consequências incalculáveis.

Este homem, socialmente pode ser um criminoso, mas este homem é um fruto da guerra com o discernimento esmagado pelo sofrimento atroz...

© Mário Rodrigues - 2009

Toco de oliveira velha...

Era cedo, bastante cedo. Geralmente acordo muito cedo, o que, quando por lá estou, me possibilita um prazer que tenho dificuldade em descrever.
Sente-se uma frescura de fim de madrugada, o sol, ainda se passeia pelo leste, e dele vislumbro uma nuvem difusa de claridade que traz com ela a promessa dos primeiros raios...
O silêncio do vale é guarnecido com o cantar do ribeiro. Os insectos, parecem ainda não existir. Os pássaros, esses, poucos dão o ar da sua graça!
Os primeiros raios, ao surgirem no cume, trazem despertares aos animais. Sentem-se acordar.
Havia já meia hora, que estava sentado num "toco" de uma oliveira velha, que cortei há algum tempo. É um local privilegiado. Naquele local, sentado com as pernas penduradas, abandono-me. Quando me lá sento, é para lá ficar... Aquele local não pode ser profanado. O vale, escancara-se numa escarpa quase abrupta de uns cem metros a meus pés. De oriente, chega o sol, preguiçoso!
Os primeiros raios, ao surgirem no cume, trazem consigo o início do espectáculo. Os actores já lá estavam; à espera!
Num perfeito acto de natalidade, a montanha deixa que nasça das suas entranhas um vapor matinal que com a chegada dos primeiros raios de sol, e com as correntes térmicas ascendentes por eles provocadas, caminham pela encosta acima como se fossem enormes lençóis alvos... Chegados ao cume, encontram os outros, os de sul e os de oeste, e juntos ascendem nos céus, na qualidade de enormes e lindas nuvens brancas.
Por estas horas, já os melros se divertem nos seus saltos e assobios extraordinários. O pica-pau, lindo no seu negro e escarlate, esconde-se. Esconde-se sempre. Levei algum tempo até ser contemplado com a sua imagem. Soberba! Os esquilos, dormem.

Eu, sinto-me como de fosse uma pedra daquela montanha. Assim como estou, encaixo na perfeição naquele quadro.

A vida do ser humano, pode ser muito simplesmente bela e justificada...

© Mário Rodrigues - 2009

Hoje é sexta-feira.

Sexta. Hoje é sexta-feira. Sinto segredos das pernas, dos braços, dos pés e ouço reclamações do dorso. Esta semana foi algo trabalhosa. Sinto um leve sabor a cansaço.
Esta semana, foi daquelas em que o trabalho rendeu alguma coisa de material, mas este sabor que tenho na "boca", não é a dinheiro!
Esta semana tive a oportunidade, por várias vezes, de ser útil! Tive o prazer de ver pessoas menos apreensivas, na sequência da minha aparição. Tive a felicidade de constatar que, depois do meu trabalho, e quando as já deixava, olhei para trás e vi-as mais felizes e aliviadas.
Envolvidas nos seus universos, acabados de ser alterados, mas onde já havia um amanhã diferente.
Não! Não deram pela minha saída! Não gosto que dêem por ela. Para além de poder provocar num impulso, um acto de agradecimento, o que me deixa sempre encabulado, leva a que mais uma vez me olhem na cara, e que com isso, a possibilidade de me virem a reconhecer mais tarde aumente. A minha missão é trazer e não levar...
Hoje, sinto que nesta semana, o mundo avançou um pouquinho no sentido da nossa natureza, da nossa razão para viver. Apetece-me descansar um pouco...

© Mário Rodrigues - 2009

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Queria que hoje fosse um dia importante

Queria que hoje fosse um dia importante na minha vida... Queria que hoje, numa soma decisões plenas da inexistente liberdade, mas temo que esta intenção, só por si, sirva para boicotar tudo o resto, decidisse decidir, deixar de dar guarida a uma enorme; enorme demais, montanha de porcarias que me tornam o arrasto abrasivamente aderente ao meio...

© Mário Rodrigues - 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

Duas lembranças!

Na casa das minhas tias-avós, em plena Serra do Açor, existia um cubículo, que como porta tinha um pano, e que tinha um buraco redondo no chão. Esse buraco, dava directamente para a corte dos porcos. Se bem que enquanto as nossas necessidades fazíamos, víamos o pobres animais a olharem para nós, ou pelo menos para a parte que eles podiam ver, pelo menos, era raro por aqueles lados o uso dos penicos, com os quais, nunca simpatizei; mesmo nos tempos em que se tinha de ir para o meio do mato, fosse à hora que fosse.

A segunda, quanto a mim, sempre me foi muito estranha. Na Lisboa antiga, em pleno Bairro Alto, numa casa onde o meu avô materno vivia, existia uma, apelidada de "pia de despejos", onde realmente se despejava tudo, mesmo tudo; inclusive servia de sanita. O mais estranho, é que a tal pia estava numa parede onde de um lado tinha o lava loiças e do outro um fogão...Pois certo. A pia estava ao meio...Imagine-se uma diarreia em qualquer dos elementos do agregado, durante a confecção dos repastos...

Realmente, ainda há muito pouco tempo, os conceitos de higiene eram...


© Mário Rodrigues - 2009

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Não era cedo; mas também já não era tarde!

Não era cedo; mas também já não era tarde! A luz era esbatida nas estepes, e frio regelava os pensamentos.

Onde estariam naquele momento? Que estariam a fazer? E ela? Aquela boca, o corpo, as ancas, os seios, as pernas...Seriam ainda, paisagens da sua exclusiva contemplação? E porque haveriam de o ser?

A saudade misturada com a solidão, formavam uma pasta cinza podre, pegajosa que se ladeava no corpo e nos membros, provocando sucessivas quedas pelo torpor no andar dos pensamentos.

A sua existência doía. Doía-lhe mesmo muito existir!

Os dias foram se transformando em coisas miseráveis, que nada tinham de desejado. O urso que sacudia toda a casa, casa...; o urso, com as patas, partia pedaços a cada impacto; desejoso, selvagem, brutal...quando ainda havia cheiros...Era a sua única visita... Mas desde que o ultimo pedaço de gordura de foca se extinguiu... Deixou, sim, deixou de aparecer.

O couro das botas cozido em neve na chama de querosene, foi o último manjar...

Lá fora...branco, muito branco!

Que quente que está o seu ventre... Acabara de lhe beijar os seios, muito suavemente, eles, dormiam já...hoje teria vergonha de fazer amor com ela...está impuro; mas por dentro. Nada fez de condenável, mas sente-se degradado.

Não era cedo; mas também já não era tarde! Talvez, de manso, ela se aproxime. Talvez, sem dor, o acolha. Talvez sedutora o envolva...

Lembro-me de a ver chegar, lenta, discreta, poderosa. Lembro-me de a desejar. Lembro-me de lhe não resistir. Lembro-me de o último suspiro expirar...

Não era cedo; mas também já não era tarde!

© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Levi’s e D&G a 500mg...

“...contrafacção de comprimidos?”, “Sim. Não sabias?”, “Então mas isso é como as calças e os perfumes, queres ver!?”, “Pior!”, “Pior porquê?”, “Porque mata pessoal e as calças e os perfumes não!”, “Estás parvo! Explica lá essa!”, “Queres mesmo?”, “ Deixa-te de cenas...”, “Ok! Está bem.”

“Então imagina o seguinte: “, “O quê?”, “Eu tenho um grande laboratório de medicamentos, pago uma fortuna a uns tantos cientistas que trabalham num laboratório que eu paguei, e que me custou outra fortuna. No entanto não estou muito chateado, porque logo que os meus cientistas desenvolvam uma determinada droga, eu vou regista-la e ao abrigo da legislação internacional, vou explora-la em exclusividade durante oito anos. Eu como tenho de recuperar o meu investimento, marco esse produto e vendo-o no mercado com uma margem de 1800%, durante o período em que só eu o tenho. Certo?”, “Épa... Certo...”, “Ok. Continuando. Durante esses oito anos como tenho de demonstrar que a minha droga, é excelente, procedo à sua produção, exclusivamente na minha fábrica, com os meus melhores técnicos e com matéria-prima de qualidade e síntese de primeiríssima qualidade, vigiada e controlada constantemente.”, “Porreiro, ainda bem! Assim é que deve ser, não é?”, “Sim, claro. Deveria ser sempre assim!”, “Deveria?”, “Sim. Deveria. Mas não é! Durante esses anos, as matérias-primas mal sintetizadas, deterioradas, estragadas nos transportes, rejeitadas nos controlos de qualidade, etc, etc...”, “Foram destruídas, claro!”, “Não, Nem por isso! Foram armazenadas na Índia e arredores, nuns armazéns de umas indústrias que foram desmanteladas e que parecem estar abandonadas...”, “Para quê?”, “ Espera, uma coisa de cada vez! No final dos oito anos de exploração exclusiva, as coisas mudam de figura! A fórmula descoberta pelos meus cientistas, passa por força da legislação internacional, para o domínio público, devido ao seu interesse para a sociedade. Aí, desço o preço do meu original para um terço, lanço através dos média em que sou accionista, algum descrédito controlado sobre a passagem da droga para o mercado de outros laboratórios e descredibilizo completamente o mercado dos genéricos, apelidando-os de contrafeitos ou de proveniência duvidosa”, “Pois, mas se eles não fazem as coisas bem?”, “Eles quem?”, “Esses gajos dos genéricos!”, “Espera, deixa-me explicar-te. Em primeiro lugar existem laboratórios de genéricos que laboram em perfeitas condições, tão ou melhores que os de marca. Depois esses outros gajos, são micro “laboratórios” artesanais de vão de escada que existem milhares na Índia, China, Koreia, Países Médio Oriente, Bangladexe e outros, mantidos graças a fundos meus e de amigos meus, tais como outros accionistas de outros laboratórios, rapazes porreiros do tráfico, e industria encoberta do mercado “extasi”. Quando um produto passa para o mercado livre, todos o querem ter mais barato. Assim são feitos concursos/leilão, em círculo altamente secreto para encontrar/adjudicar a produção de uma droga X, a um desses “laboratórios”, sem controlo, de qualquer tipo, com mão-de-obra escrava, por vezes a troco de uma “dose” para o dia, e em que política ambiental e outras, são megalomanias ocidentais. Depois agarra-se a matéria-prima que esteve armazenada e anteriormente rejeitada, mistura-se com substâncias compatíveis e de baixíssimo valor comercial, cujo melhor é o amido de trigo e arroz, mas que também passa por sal-gema, cal, gesso, talco e outras...Faço os comprimidos, dos formatos e cores que me forem encomendados, depois são vendidos a granel às toneladas em leilões cujos licitadores são a industria de blisterização e embalagem e mais tarde introduzem em lotes mistos esse produto no mercado.”, “Mas isso é de loucos!...”, “Achas?”, “Agora imagina que durante uma investigação, os meus cientistas descobriram, por “acaso”, um antigénio que poderia vir a dar uma droga de imunização profiláctica (vacina), porreira para uma pandemia...”, “Sim...E o que é que isso ia dar?”, “Uma extraordinária possibilidade de ganhar dinheiro! Tendo o antigénio, é muito fácil sintetizar um agente infeccioso, depois... Está visto meu amigo, produz-se e distribuí-se no target desejado. Mistura-se nos comprimidos maravilha que estávamos a produzir, ou nas pastilhas, ou na coca que segue para a distribuição, ou no leite em pó dos putos, ou então; também podemos por na ração de uns porquitos num país cujo controlo sanitário seja, digamos... Ligeiro ou ainda nos coktails de hormonas com espermatozóides de inseminação artificial dos frangos, vacas e porcas, etc...e esperar algum tempo...é a gestação...Quando aparecerem os primeiros infectados, voila, eu sou um gajo que não só tenho a cura como a vacina e que ainda ofereço a determinados países os medicamentos para salvar milhões de pessoas que infectei, o país dá-me contrapartidas várias, como axilos e identidades renovadas, proporcionando-me a possibilidade de com a cura, estar a espalhar o meu próximo grande negócio...”.

 

“Épa, mas isso é uma loucura! Tu estás doido?”

“Sim, estou! Ainda ontem teimei durante meia hora que era o Marquês de Pombal... “

 

© Mário Rodrigues - 2009

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