Verde era a cor predominante. Ali numa pequena várzea no leito do rio, alimentava-se enquanto passeava. Havia uma pequena cerca que dividia o campo em dois. Do outro lado, num faustoso e imponente andar, andava ele. Dorso castanho claro, barriga castanha mais escuro e as patas pretas. Pescoço curto, ar emproado e uma bela e longa barbicha. Ela deste lado mirava-o insuspeita, o que aliás ele também fazia. O branco e o beije mesclavam-se de um modo único, transformando-a numa verdadeira visão
Afroditesca...
A tentação estava a tornar-se insuportável. Ela deslocando-se como se de uma pétala de flor de amendoeira se tratasse, vai até junto do rio para bebericar um pouco de água. Ele, a quem nada passava despercebido, muito menos os movimentos da "Bita", em três saltos e um pinote, se pôs junto dela, ainda que do outro lado do arame... Entre olhares e "mmeees..." suspirados, ele começa a fazer contas de aritmética para calcular o ângulo da corrida para saltar a coisa... Dá uma corrida atrás e...
"HHEEE..., ANDA CÁ SEU CHIBO D'UM CABRÃO..."
"Raios partam a velha que anda sempre a meter o nariz onde não deve...", sussurra ele com os seus botões... "Deixa lá que eu já te digo..." dá mais uma corrida atrás e num ápice, salta o arame para junto da sua amada "Bita"...
Pois claro! Está visto o que ia dar!
Duas pedradas e um cajado a voar ditaram a desdita... Se ao menos não fosse aquela maldita mania de marrar em tudo o que era muro... nesta altura teria uns belos cornos, que com sorte, se enrodilhavam no cajado, adiando desta feita tal desventura.
Ali jaz o "MOCHO" aos pés da "Bita".
-"HHAAA... MOCHO D'UM CABRÃO, QUE ME DÁS CABO DA VIDA..."
Tudo era da mais alta qualidade. Nem admitia que fosse de outro modo. As tigelas são de um barro cinzento-escuro, feitas lá para o lado do Lameiro. Os pimentos, tiveram de esperar umas tardes de verão até que um vermelho vivo se apoderasse deles. Só depois foram colhidos e preparado o pimentão. O louro. Bem, as folhas de louro vieram d'O Loureiro. Árvore de enorme imponência. De tal modo que o vale, as terras e a "poça" eram apelidados de "Loureiro". Os alhos tinham sido vizinhos dos pimentos e tinham secado à sombra, só para manterem o aroma.
"Tenho pena. Realmente tenho muita pena, mas as manhãs a lambuzar-se com as bolotas e as tardes de "sorna" à sombra dos sobreiros... enfim, a banha era de uma textura, de um aroma, de uma fineza suprema... ". Morangueiro. Não, não é americano! É morangueiro...o perfume não deixa enganar...
Baco emocionava-se quando sorvia tal néctar. Na semana passada, com todos estes meus amigos, em doses rigorosamente delicadas, fui colocado nas tigelas. O sal e o tomilho estiveram mesmo para não entrar. Sempre cheios de humidades... mas depois de os inspeccionar, acedi. Tudo tinha de ser da mais alta qualidade. Depois e só depois fomos completamente cobertos com o vinho, o morangueiro.
Ontem, foi dia de cozer o pão de centeio. Que cheirinho se espalhava pela aldeia...hhuumm! Depois de cozer o pão, o Sr. José, que era uma jóia de pessoa; aliás não sei como consegue aturar aquela "penca" daquela velha pastora, deu mais um ligeiro calor ao forno com umas vides e uns galhos de oliveira secos e... mas que maravilha... espectáculo... extraordinário... aquele calorzinho... hhuuummm! Ficámos a repousar a beleza...Hoje, estamos de saída do forno. Nem vos conto...
Já ouvi falar num tal de "Dão", que também por cá está...
O Sr. José já chamou o pessoal. "Meninos... a chanfana está na mesa..."
© Mário Rodrigues - 2010