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quarta-feira, 23 de junho de 2010

1.830$00


Os "sanjo"... Pois observava-os do lado de fora dos vidros das montras e ia imaginando não só os saltos fabulosos como as velozes corridas que proporcionar-me-iam se nos meus pés estivessem... Mas na verdade nunca por cá passaram...
Não obstante o furor feminino era alcançado com os ténis da "galo"... Um dia vi uns ténis da "galo" numa montra que apesar de não serem exactamente os supremos teriam, com toda a certeza, o poder da sedução, embora menor, mas também eu próprio não era um tipo de "topo"... Tinham no entanto a virtude de serem os menos caros de todos, o que talvez me desse a possibilidade de os almejar...
À questão simples, obtiver da minha mãe uma igualmente simples resposta.

-Junta o dinheiro que logo se vê!

Bem, 1.830$00 era uma fortuna... Mas entre os 100$00 que o meu avô Francisco me dava de quando em vez e mais uns trocos daqui ou dali, mais as gorjas da minha mãe me dava por eu ir a correr serra abaixo, mais ou menos um quilometro e meio, qual "Thomas Sawyer" em busca de uns fechos, de uns botões e de umas entretelas...

Não era de um dia para o outro!
Demorava um bocado!
Demorava bastante!...
Demorou demais...

Realmente, quando cheguei a ter os ditos 1.830$00 fui, com ordens expressas e companhia, à loja...
"Não! Já não tenho nenhuns desses! Tenho ali é..."
Fui a outra loja...
"Não! Já não tenho nenhuns desses! Tenho ali é..."
Fui a outra loja...
"Não meu rapaz! A "Le Coq Sportif " já não produz esse modelo! Tenho ali é..."
...
Bem... Terei de comprar outros... Claro que muito menos fabulosos!...

"O quê? Estás mas é maluco!"

Pois sim! Os 1.830$00 acabaram no mealheiro da conta 9078-4 do MPG...


© Mário Rodrigues - 2010

Cybe ;)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um acto de ira...


Azuis. De um azul...ganga. Tinham uma sola branca de um plástico rígido...o plástico era tão rijo que comportava-se como se de ferraduras em calçada de paralelepípedos de granito se tratasse. Na minha primeira corrida, com tal coisa enfiada nos pés, para além de não conseguir parar antes da parede da curva da estrada do "Zé Alves" e claro está ter feito frente ao muro com as mãos, pernas, barriga e não sei que mais, as minhas intenções em relação a tal adereço ficaram claras! Um desaparecimento súbito vinha muito a calhar!...
Aquela porcaria tinha custado trezentos sacrificados escudos num feirante da feira de Outubro. Para além do "recadinho" de que teriam de durar até às férias do Natal... Chegado a casa constatei que a unha do dedo grande do pé direito, já tinha escrito o seu testamento e preparava-se para abandonar este "vale de lágrimas".

"MÁRIO JOÃO...", quando a minha mãe me chamava Mário João...lá vem bronca!... "Olha-me estes ténis acabados de comprar...já todos esfolados na biqueira... Tu andaste a jogar à bola?"

Apesar de não jogar à bola pelo simples facto de sempre ter detestado bola, naquele momento, assumir que tinha dado inúmeros pontapés em tudo o que era parede e pedras, claro está com o único e legitimo objectivo de...os destruir rapidamente, poderia ter consequências pouco gratificantes para as minhas nádegas e afins...sendo que, concordar com a sugestão pareceu-me menos punível...

"Foi só um bocadinho!..."

"Ainda por cima és mentiroso! Tu nunca jogas à bola!"

"Porra! Chiça! Que falta de sorte a minha!..."

Pois, pois...foi isso mesmo! Pimba, lá está o Mário João a "enxugar" as calcinhas na zona "sagrada"... Mas agora a coisa mudou completamente de figura!
Ai o tributo já foi pago? Então já vos digo!...

É certo que andei com dores nos dedos dos pés durante mais de um mês, mas aqueles miseráveis ténis, em duas semanas foram queimados na raivosa fogueira da inquisição "mariojoanina"...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Tu foste...


Tu foste a merda da esterqueira da minha vida
Tu foste a pessoa que eu gostava nunca ter conhecido
Tu foste o ser asqueroso que me enoja
Tu foste um bajulador repugnante
Tu foste o azar da minha sorte
Tu foste quem jamais quero voltar a ver
Tu foste o tempo que perdi
Tu foste o ser que julga que o universo conspira contra si
Tu foste uma coisa que me fez muito mal...ou não...
Tu foste o chato alojado na pele do testículo do cão que era amigo do cão que conhecia o meu gato
Tu foste o estilhaço de esperma que apodrece no cortinado do quarto depois de saltarem as últimas gotículas provenientes do vigoroso sacudir do pénis
Tu foste uma coisa sem denominação que eu não consigo esquecer só porque me deste muitos problemas...mas com os quais aprendi a ser um homem melhor...

Por isso, meu monte de merda, asqueroso, repugnante e nojento, obrigado...


© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

De noite, todos os gatos são parvos!...


Já tinha por lá passados algumas vezes. Lembro-me que da primeira, pareceu-me uma vala normal mas com uns "aparelhos" para alguns exercícios da praxe. Depois a sua fama começou a ouvir-se por lá...

Algumas vezes depois, imaginava-lhe as manhas nas manhãs, bem como as eventuais possibilidades de não "arranhar" lá muito...

Numa noite, sem que nada o fizesse esperar, fomos todos em "passo de corrida" embrenhados nas trevas até que algo me pareceu não ser exactamente desconhecido!
Terá sido uma das piores horas da minha vida... Levei sem saber de onde vinha, chorei e os tímpanos estilhaçaram. Quando acabei...não sei! Sentia-me muito exausto!...

Hoje perante o que já vivi, recordo-a como uma mera prova física.
Davam-lhe o nome de "Vala escura".


© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Eu não sou doutor!..."


Existem "experiências" que tal como as "realidades", nos "arrojam" a alma por veredas cortantes que nos lavram a existência.

Cheirava mal! Tinha um odor que disparou as minhas ligações neurais como no primeiro dia que tive contacto com a drenagem urgente de um quisto dermóide...
Mas não! Não tinha qualquer coisa do género. Duas fracturas e laceração de tecidos...

"Onze ou doze..." pensei eu, enquanto imaginava a abordagem de preparação do campo para a cirurgia...

"Mas porque razão cheiras tão mal?!..."

Não consigo, apesar de algum esforço, imaginar o meu filho, que terá eventualmente a mesma idade, naquela situação...
Sinto-me responsável por aquela situação que desconheço completamente... Não sei de que modo, mas sinto-me...
Bem! Já conheço demais...

"O que se passou?..."
"Foi um doutor, no parque, que depois de "coiso" me deu um pontapé..."
"Um pontapé?..."
"...atirou-me a merda do carro para cima..., ...e fodeu-me o guito..."
"...dass! Como é que te metes nessas merdas?..."
"Oh! Doutor!..."
"Eu não sou doutor! ouviste?..."
"Yap, desculpe doutor!..."
"Eu não sou doutor..."
" Yap, enganei-me."
"Sim e então?..."
"Deu-me uma trancada com o carro e não me deu o guito porque diz que eu estava cheio de medo e não abria o cú..., diz que depois falava com o "Lâmpadas"!..."
"Lâmpadas?..., dass, ca puta de nome?!..."
"Depois da cirurgia temos de ir ter com o agente para ver ali umas fotografias de uns...senhores..."
"Oh! Doutor!... Népia. Eu não quero problemas..., só quero o guito para dar ao "Boss" para ele me orientar o coiso...!..."

Saltam-me gotas de suor da cabeça, quando me assalta a imagem de ver o meu filho ali naquela cena... Imagino-me a...

"Escuta puto! Vais ver as fotografias e vais te recordar de uns senhores doutores que vais ver...certo?"
"Népia doutor!..."
"Eu não sou doutor..."


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Então! Não sejais gananciosos...


Recordo-me dele! Recordo-me como se nunca, mais tivesse visto.
Tinha um aspecto de algum bom trato não obstante do seu gigantismo. Há muito acomodado a uma mesa muito pouco farta, ocupava um espaço muito grande...digamos que apoderara-se de espaço de outrem.
Servia-se de tudo o que estava na mesa e não só...
Tinha muitos braços tentaculados. Cada um desses braços tinha apêndices e prolongamentos. Alguns prolongamentos não viviam permanentemente junto dele, mas vinham com frequência juntar-se-lhe para que assim se tornasse mais injustamente eficaz na sua orgia de destruição de recursos.
Havia braços que tinham terminações e apêndices bizarros; chicotes finíssimos que cortavam dorsos vergados, lâminas de fio diamantado com que infligia cortes profundos e eternamente hemorrágicos, pontas de dedos indicadores que desnudavam a alma a quem apontavam, falos que penetravam incessantemente os violados que bradavam de dor bem como clitóricas e nojentas vaginas de um bando de vermes que o bajulavam.
Era temido e nunca respeitado.
A tristeza de esta não ser uma recordação como as outras...só uma recordação, deixa-me convicto de que o pretérito o não arrancou das nossas historias mas antes, qual intemporalidade, permanece ali...ali...ali!
O seu urro de soprano melado, qual castrati pseudo-angelical do século XIX, com intuito de se disfarçar, deixa ver numa transparência de tule negro a sua completa acefalia que contrasta com a também completa ambição de poder.
Os cantares, como se de sereias dos mares do Sul se tratasse, embriagam apêndices que até então o repudiam e negam. Pouco tempo depois, ávidos e de gosmas a escorrer pelos cantos das bocas dão vivas à degradante causa. Ele então, com um focinho ternurento de Hades arrependido diz no seu tom de Dom Corleone:

"Então! Não sejais gananciosos... Somos todos irmãos!..."

© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 3 de abril de 2010

Era uma cidade. Penso que o era...


Era uma cidade. Penso que o era. Não vi pessoas nas ruas, apenas um gato castanho e uma bola de couro que corriam à frente de duas crianças. Dois garotos vestidos com uma casaca castanha, uns calções e um boné...e calçavam umas botas até ao tornozelo. A cidade era esférica. Os prédios periféricos eram curvos, as ruas muito estreitas, tão estreitas que um dedo mindinho cortaria a passagem a um incauto transeunte. Era curiosa a maneira como escorriam as águas nas fontes; caiam das torneiras para o céu! Alias, agora que recordo, na porta de uma loja pendia na direcção dos astros uma placa que dizia "Joseph Smith & Nephew".
Os movimentos, naquela cidade, eram furtivos. As casas eram muito estreitas, quase do tamanho de caixas de fósforos. Erguiam-se muito alto e tinham telhados pontiagudos. No vértice de um cone terminava uma torre, que tinha uma altura impressionante, parecia um lápis, existia um cata-vento, um galo que girava sem parar...parecia...claro se a cidade é esférica, os ventos são circulares! No entanto, ele tinha a seus pés os quatro pontos cardeais! Onde estaria o Norte? Nor-Noroeste? Se ele girava sem cessar...
Escuta-se um trinado de máquinas de escrever a martelarem com os seus pequenos punções as folhas alvas de papel.
As coisas estão todas penduradas para cima! Reparo mais uma vez ao ver umas calças estendidas numa corda minúscula... O que terá acontecido à gravidade neste local? Terá um criador sido vitima de conspiração e na sequência dela mesma ter condenado injustamente esta cidade a uma gravidade inversa? Terá o cosmos invertido o sentido das forças físicas em mais um dos seus caprichos? O cosmos tem caprichos?

Esperem, reparo que toda a cidade está na realidade numa posição invertida! Claro, isso explica tudo! Assim as coisas fazem sentido.

Sinto-me emocionado com a grandeza e complexidade desta cidade. Não consigo, apesar do esforço, conter as lágrimas...elas brotam dos meus olhos sem respeito pelo meu constrangimento...elas brotam e escorem-me pela testa até pingarem dos fios do meu cabelo...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um amor entre arames...

Verde era a cor predominante. Ali numa pequena várzea no leito do rio, alimentava-se enquanto passeava. Havia uma pequena cerca que dividia o campo em dois. Do outro lado, num faustoso e imponente andar, andava ele. Dorso castanho claro, barriga castanha mais escuro e as patas pretas. Pescoço curto, ar emproado e uma bela e longa barbicha. Ela deste lado mirava-o insuspeita, o que aliás ele também fazia. O branco e o beije mesclavam-se de um modo único, transformando-a numa verdadeira visão Afroditesca...
A tentação estava a tornar-se insuportável. Ela deslocando-se como se de uma pétala de flor de amendoeira se tratasse, vai até junto do rio para bebericar um pouco de água. Ele, a quem nada passava despercebido, muito menos os movimentos da "Bita", em três saltos e um pinote, se pôs junto dela, ainda que do outro lado do arame... Entre olhares e "mmeees..." suspirados, ele começa a fazer contas de aritmética para calcular o ângulo da corrida para saltar a coisa... Dá uma corrida atrás e...
"HHEEE..., ANDA CÁ SEU CHIBO D'UM CABRÃO..."
"Raios partam a velha que anda sempre a meter o nariz onde não deve...", sussurra ele com os seus botões... "Deixa lá que eu já te digo..." dá mais uma corrida atrás e num ápice, salta o arame para junto da sua amada "Bita"...
Pois claro! Está visto o que ia dar!
Duas pedradas e um cajado a voar ditaram a desdita... Se ao menos não fosse aquela maldita mania de marrar em tudo o que era muro... nesta altura teria uns belos cornos, que com sorte, se enrodilhavam no cajado, adiando desta feita tal desventura.
Ali jaz o "MOCHO" aos pés da "Bita".

-"HHAAA... MOCHO D'UM CABRÃO, QUE ME DÁS CABO DA VIDA..."

Tudo era da mais alta qualidade. Nem admitia que fosse de outro modo. As tigelas são de um barro cinzento-escuro, feitas lá para o lado do Lameiro. Os pimentos, tiveram de esperar umas tardes de verão até que um vermelho vivo se apoderasse deles. Só depois foram colhidos e preparado o pimentão. O louro. Bem, as folhas de louro vieram d'O Loureiro. Árvore de enorme imponência. De tal modo que o vale, as terras e a "poça" eram apelidados de "Loureiro". Os alhos tinham sido vizinhos dos pimentos e tinham secado à sombra, só para manterem o aroma.
"Tenho pena. Realmente tenho muita pena, mas as manhãs a lambuzar-se com as bolotas e as tardes de "sorna" à sombra dos sobreiros... enfim, a banha era de uma textura, de um aroma, de uma fineza suprema... ". Morangueiro. Não, não é americano! É morangueiro...o perfume não deixa enganar... Baco emocionava-se quando sorvia tal néctar. Na semana passada, com todos estes meus amigos, em doses rigorosamente delicadas, fui colocado nas tigelas. O sal e o tomilho estiveram mesmo para não entrar. Sempre cheios de humidades... mas depois de os inspeccionar, acedi. Tudo tinha de ser da mais alta qualidade. Depois e só depois fomos completamente cobertos com o vinho, o morangueiro.
Ontem, foi dia de cozer o pão de centeio. Que cheirinho se espalhava pela aldeia...hhuumm! Depois de cozer o pão, o Sr. José, que era uma jóia de pessoa; aliás não sei como consegue aturar aquela "penca" daquela velha pastora, deu mais um ligeiro calor ao forno com umas vides e uns galhos de oliveira secos e... mas que maravilha... espectáculo... extraordinário... aquele calorzinho... hhuuummm! Ficámos a repousar a beleza...Hoje, estamos de saída do forno. Nem vos conto...
Já ouvi falar num tal de "Dão", que também por cá está...

O Sr. José já chamou o pessoal. "Meninos... a chanfana está na mesa..."

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Malvado cão que me mata outra galinha!

As obras ainda duraram muito tempo até a nossa casinha estar terminada. Todos os sábados, logo de manhã cedo, costumávamos ir da nossa casa alugada na vila, para a "obra", era assim que lhe chamámos durante muito tempo até estar terminada. A distância seria e é de aproximadamente 2 quilómetros. Normalmente arranjava-se maneira de lá passar a noite. Primeiro numa barraquita feita com taipais de madeira e chapas, onde também ficavam guardadas as ferramentas e depois, já dentro da "obra".
Aquele sábado não foi excepção e lá fomos com o farnel para o fim-de-semana. A casa já tinha o rés-do-chão construído bem como uma boa parte de primeiro andar. As escadas exteriores eram divididas em duas partes e quase a meio tinham um patamar, a partir do qual o sentido das escadas se invertia. Elas, as escadas, tinham umas pontas de "verguinhas" de ferro saídas nos degraus visto que ainda não estavam terminadas e aqueles ferros iriam fazer falta para as terminar.
Preto, pêlo curto e ponta da cauda branca como as "pantufas", Dic, era um jovem cão que já não era cachorro e que, vá se lá saber por que razão, tinha uma questão não resolvida com esses seres de inteligência e intelectualidade superior que são as galinhas. Enquanto na nossa casa da vila, fazia questão de comer todo o milho que pudesse às ditas galinhas, sendo que posteriormente, seco como palhas, bebia desalmadamente litros de água...logo de seguida, variadíssimos e reais chichis que faziam do terraço uma piscina. Quando estávamos na "obra", o beligerante animal encetava correrias em perseguições e ainda, encenava emboscadas de cima do patamar das escadas, atirando-se, qual tigre da Malásia, aos pescoços dos galináceos que, pelo menos uma vez, terminara ali mesmo a sua existência terrena.
A meio da manhã, subia as escadas com um tijolo para levar ao meu pai, eis que, num rompante, o Dic vem do primeiro andar a correr, visto que tinha detectado o "inimigo", para descer as escadas para pôr em curso mais uma das suas emboscadas. Eu, sabendo o que ele ia fazer, aflito e tentando ser mais rápido que ele, atiro o tijolo e viro-me para descer as escadas... A minha sandália prendeu-se num dos ferritos e eu lá vou escadas abaixo com o rabo e as costas a descerem pelos ferros... Enquanto as minhas costas reclamavam com uns belos rasgos feitos pelos ferros, bradava a minha avozinha:
- "Malvado cão que me mata outra galinha!"

© Mário Rodrigues - 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

Conífera

Agora vos pergunto! E se um dia eu morresse?

Um segredo vos vou contar.
Se um dia eu morresse, e o resgate da massa sem o sopro da alquimia tal permitisse, ia querer que numa covinha pequenina junto ao pé de uma conífera, o carbono desagregado pela energia que outrora me constituía, fosse depositado.
Assim embrenhando-me no ventre na nossa terra mãe, pelas raízes da conífera junto com a água iria também.
Esse que já fora Adão, Platão e Napoleão, que já fora Abel, Gabriel e papel, esse carbono agora no pé de uma conífera outra vida iria tomar.
Do alto das suas folhas a todos vós iria observar.
Na harmonia das vossas insensatas vidas caminhar.
Mas quem não muito me ama, por tal não vá esperar.
Porque já mais morrerei, enquanto nos corações de quem me queira puder estar.
Porque já mais morrerei enquanto um ser de mim se lembrar.
Porque já mais morrerei enquanto um coração me queira amar...

Mas isso! Isso seria se um dia eu morresse...


© Mário Rodrigues - 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

Duas lembranças!

Na casa das minhas tias-avós, em plena Serra do Açor, existia um cubículo, que como porta tinha um pano, e que tinha um buraco redondo no chão. Esse buraco, dava directamente para a corte dos porcos. Se bem que enquanto as nossas necessidades fazíamos, víamos o pobres animais a olharem para nós, ou pelo menos para a parte que eles podiam ver, pelo menos, era raro por aqueles lados o uso dos penicos, com os quais, nunca simpatizei; mesmo nos tempos em que se tinha de ir para o meio do mato, fosse à hora que fosse.

A segunda, quanto a mim, sempre me foi muito estranha. Na Lisboa antiga, em pleno Bairro Alto, numa casa onde o meu avô materno vivia, existia uma, apelidada de "pia de despejos", onde realmente se despejava tudo, mesmo tudo; inclusive servia de sanita. O mais estranho, é que a tal pia estava numa parede onde de um lado tinha o lava loiças e do outro um fogão...Pois certo. A pia estava ao meio...Imagine-se uma diarreia em qualquer dos elementos do agregado, durante a confecção dos repastos...

Realmente, ainda há muito pouco tempo, os conceitos de higiene eram...


© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Definitivamente, Deus depois do sétimo dia, fez o “Tobom”...

Seria com certeza uma boa viagem. Foi preparada como tantas outras, à pressa.

Chegado, beijos e mais beijos, “então como estão todos? Estão enormes os rapazes! Eles é que nos fazem velhos!”, nunca percebi o significado desta frase, mas também é verdade que a acho parva, e logo, nunca lhe dispensei muita atenção. Havia figos secos em tabuleiros espalhados sob as árvores do quintal, as vespas e as abelhas iam petiscando no melaço dos ditos. Os meus calções eram de um tecido meio acastanhado, aos quadrados, enormes, tinham dois suspensórios, mas como um não tinha botão, andava pendurado. As quedas provocadas por pisar o dito nas correrias foram bastantes, e rapidamente me levantava e continuava a correr ainda a chorar com as pedras cravadas nos joelhos.

Naqueles tempos havia uma coisa que, só por ela já valia a pena viver e adormecer rapidamente para que outro dia trouxesse uma nova possibilidade. Deleitava-me verdadeiramente, era maravilhoso, extraordinário, espectacular... e então se fosse acompanhado com umas batatitas fritas e um ovinho estrelado... Ai...! Nem é bom pensar! Aquele cheiro, aquele sabor... Definitivamente, Deus depois do sétimo dia, fez o “Tobom”!

A família era humilde, de dedicação e esforço reconhecido. Das férias grandes, alguns dias eram passados por lá. Sempre me senti muito bem por aqueles sítios. Naquele ano, fui abençoado com uma verdadeira chuva de maná no deserto. Sem entender porquê, principalmente porque nem me interrogava, o meu suculento” Tobom”, fazia-me visitas diárias, e chegava a trazer umas colegas, as salsichas, extraordinário! Na terça-feira à noite, já na cama, constatava que já tinha comido quatro vezes, e se a sorte me continuasse a bafejar, teria mais seis maravilhosos repastos de “Tobom”...

Não sei se a minha mãe, não terá estado por detrás daquele milagre da gastronomia dos pobres... Certo é, que desde então, até aos dias de hoje, o pensamento traz-me directamente dos neurónios para a língua e para o nariz, aquele abominável cheiro e sabor que, desde então, me consegue indispor... digamos, gástricamente...


© Mário Rodrigues - 2009

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