sábado, 20 de setembro de 2025

Racionalismo e Empirismo (século XVII) - As Duas Correntes que Alimentaram o Iluminismo


Há séculos em que a humanidade parece ter vivido no fio da navalha, dividida entre dois gestos igualmente ousados: o de confiar na razão pura e o de se deixar guiar pela experiência dos sentidos. O século XVII foi precisamente esse palco de tensão e criação, onde duas correntes, o Racionalismo e o Empirismo, não só disputaram a primazia da verdade, como acabaram, paradoxalmente, por fertilizar o mesmo terreno: o Iluminismo do século XVIII.

Escrevo, como tantas vezes no Recanto dos Suricates, não em registo académico distante, mas na tentativa de habitar este enredo humano. Não para ser neutro, a neutralidade é muitas vezes uma forma de cobardia, mas para ser justo. Reconhecer a força do pensamento que ousa duvidar e, ao mesmo tempo, a força do olhar que ousa ver. Porque, afinal, ainda hoje vivemos nesse dilema: confiar no que pensamos ou confiar no que observamos?

I. O pano de fundo: depois das guerras, a busca de fundamentos

O século XVII europeu não foi uma paisagem serena. Foi tempo de guerras religiosas (a Guerra dos Trinta Anos devastou a Alemanha), de fragmentação política e de inquietação existencial. No entanto, foi também o século da consolidação do método científico, das academias de ciências, do telescópio e do microscópio. Foi um tempo de perguntas insistentes: o que é o conhecimento? De onde vem a certeza? Podemos confiar nos sentidos? Podemos confiar apenas na razão?

É neste ambiente que nascem e se cruzam o Racionalismo e o Empirismo, como respostas diferentes a uma mesma ansiedade: a de encontrar bases seguras para o saber.

II. O Racionalismo: a confiança no pensamento puro

O Racionalismo nasce da convicção de que a razão, por si só, é capaz de alcançar verdades universais. A experiência sensível pode enganar-nos; a razão, se for clara e distinta, não.

René Descartes (1596–1650) é o pai simbólico desta corrente. A sua dúvida metódica foi um gesto radical: pôs em causa tudo, até encontrar uma certeza inabalável, Cogito, ergo sum. A partir desta rocha, construiu uma ciência baseada em ideias inatas e em princípios dedutivos. Para Descartes, a matemática era o modelo supremo de clareza. A natureza era uma máquina e podia ser descrita por leis geométricas.

Outros racionalistas seguiram esta linha: Spinoza, com a sua visão de um universo regido pela necessidade lógica; Leibniz, com a sua matemática e a ideia de mônadas como elementos fundamentais da realidade. Todos partilhavam a convicção de que a razão, se usada com rigor, podia decifrar o mundo.

O Racionalismo, assim, é a confiança no mapa antes da viagem, no desenho antes da construção, na ideia antes do objecto. É o triunfo da mente sobre os sentidos.

III. O Empirismo: a confiança nos sentidos e na experiência

Na outra margem, o Empirismo defendeu o oposto: não há ideias inatas, não há certezas que nasçam na mente sem contacto com o mundo. O conhecimento vem da experiência, do que vemos, ouvimos, tocamos. A mente é uma tabula rasa, uma folha em branco, onde a experiência escreve.

Francis Bacon (1561–1626) já havia defendido a necessidade da observação e da indução: acumular dados, experimentar, verificar. O saber como poder prático: scientia potentia est.

John Locke (1632–1704) formulou o empirismo em termos filosóficos: não existem ideias inatas, tudo vem da experiência externa (sensação) ou interna (reflexão). A mente é como um espelho que reflecte o mundo.

George Berkeley (1685–1753) foi mais longe: ser é ser percebido (esse est percipi). A realidade não existe sem a experiência de a perceber.

David Hume (1711–1776) levou o empirismo ao limite do cepticismo: se todo o conhecimento vem da experiência, não podemos justificar racionalmente conceitos como causalidade ou identidade pessoal. O que temos são hábitos de associação, não certezas absolutas.

O Empirismo é, assim, a confiança na viagem antes do mapa, no objecto antes da ideia, no ver antes do pensar.

IV. O choque fecundo

Racionalistas e empiristas pareciam inimigos. Uns acusavam os outros de cegar perante a evidência dos sentidos; os outros acusavam-nos de se perderem em abstracções vazias. E, no entanto, este conflito foi fecundo. A ciência moderna nasceu dessa tensão.

O método científico, afinal, é um casamento imperfeito: exige hipóteses (racionalistas) e exige observação (empirista). Nenhuma das duas correntes, sozinha, teria gerado a ciência robusta que conhecemos. O Iluminismo herdou esta dupla herança: a confiança na razão e a valorização da experiência.

V. A contribuição para o Iluminismo

O século XVIII, chamado o “Século das Luzes”, bebeu destes dois rios.

  • Dos racionalistas herdou a confiança no poder da razão para organizar a sociedade, para questionar a autoridade, para construir sistemas filosóficos.

  • Dos empiristas herdou o método experimental, a valorização da observação e a humildade de reconhecer os limites do saber.

Sem Descartes e Leibniz, o Iluminismo não teria a ousadia dos seus sistemas filosóficos. Sem Locke e Hume, não teria a sua crítica política e o seu cepticismo saudável. Voltaire lia Locke, Kant respondia a Hume, Rousseau discutia com a herança cartesiana. O Iluminismo é, em certo sentido, a síntese dessa disputa do século XVII.

VI. Luzes e sombras

Mas não sejamos ingénuos: tanto o Racionalismo como o Empirismo tiveram os seus excessos. O racionalismo, levado ao extremo, pode tornar-se dogmático, uma geometria fria da existência. O empirismo, radicalizado, pode dissolver-se num cepticismo paralisante. O equilíbrio é frágil, e é desse frágil equilíbrio que nasceu o Iluminismo.

VII. O eco no presente

Hoje, ainda vivemos nessa tensão. Quando discutimos inteligência artificial, vacinas, mudanças climáticas, estamos a lidar com a mesma pergunta: confiamos nos modelos racionais ou nas observações empíricas? O século XVII continua connosco, disfarçado nas nossas discussões contemporâneas.

O que aprendemos, talvez, é que precisamos de ambos: da ousadia da razão e da humildade da experiência. Precisamos de mapas, mas também de viagens. Precisamos de ideias, mas também de olhos.

VIII. Conclusão: duas pernas para caminhar

Se tivermos de resumir, podemos dizer que o Racionalismo e o Empirismo são como as duas pernas da modernidade. Uma avança pela razão, a outra pela experiência. Caminhamos porque temos ambas. O Iluminismo foi o passo seguinte: a marcha da humanidade sobre esse terreno novo, arriscado e luminoso.

E talvez seja essa a maior lição do século XVII: a verdade não está apenas em pensar ou apenas em ver, mas em pensar e ver, em duvidar e experimentar, em desconfiar da certeza e, ainda assim, procurar o que resiste à dúvida. Foi esse gesto, esse duplo movimento, que acendeu as luzes que ainda hoje tentamos manter acesas.

Nota de autoria: Informo, por transparência, que recorri a uma ferramenta de inteligência artificial no apoio à estruturação do texto e analise bibliográfica. Do mesmo modo, recorri a um teclado ligado a um computador, a energia eléctrica para o alimentar, a óculos que resultam de séculos de óptica, e até à roda e ao fogo, conquistas de terceiros que, por convenção, já não merecem nota de rodapé. Tudo o resto, incluindo a responsabilidade final, permanece meu.

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