Janela...
Desta, observo uma dama com um vestido até aos pés. Tem uma daquelas armações por debaixo do vestido, que lhe faz parecer ter um rabo de vespa! Emproada, fixa o olhar no horizonte vazio. Não consegue disfarçar o olhar que segue o galã do "Capitan" descapotável...
Não, afinal não! Vejo antes uma criança que corre com uma redinha na mão, atrás de uma bela borboleta. Não sei bem se a quer mesmo apanhar. Talvez queira mesmo só vê-la de mais perto. A Alice disse-lhe que as suas asas eram veludo autêntico...
Bem me parecia! O que ali vai mesmo é um casal de namorados que caminham de mãos dadas e trocando olhares e sorrisos. À frente deles, segue um retratista, com a sua caixa negra, que há quem diga que rouba o espírito das pessoas. Ele segue, andando para trás, numa tentativa de fotografar o casal. Sim, aqui em Paris os artistas fazem de tudo pela sua arte...
Ali, um homem alto, com um casaco até aos pés com uma gola muito peluda, saiu da pastelaria. Tem um ar sinistro. Olha para os que por ali passam, como se fosse detentor de uma altura de pelo menos cinco metros. "Homem do Ministério", é esse o nome que os ardinas lhe atribuem...
Ping, ping, ping... Goteja lentamente da ponta daquela folha, gotas de pranto de aflição... Uma rabanada de vento, abana profundamente toda a cena. Os olhares descuidados dos transeuntes inferem golpes rudes naquelas gotas de ânsia. Ninguém lhes dá valor nem esperança. Não lhes conhecem o sentir e a dor. Ping, ping, ping... Um pequeno pássaro aproxima-se e observa. Não estranha. Acaricia com o bico a folha e, num rompante, abriu asas e voou...
Desta janela, vejo tudo! Reparem como segue sorrateiro, o rosto vai tapado. Quem será a próxima vitima? Nobre senhor, de elegante trato e aspecto, fica por chão. Tinha-lhe sido ofertado por quem muito o admirava, ou simplesmente bajulava. "Longines", inscrito no mostrador de madrepérola, por detrás de um vidro safira com pequenos traços de ouro encrostados... "Assim conseguirei pagar ao Dr. Gaspar as injecções para arrancar o gaiato das unhas da pneumónica". Com duas moedas escondidas na mão, cumprimenta o polícia que vigia a distribuição do açúcar e da farinha racionada, "...já está a contar com isso! Ele e a minha mulher, com o reforço para o conduto dos gaiatos..."
Desta janela vejo o mundo...
© Mário Rodrigues - 2009
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
3 comentários:
…Escrevo, principalmente, por falta de espaço dentro de mim para tantas emoções e tão grandes, para mim. Nos comentários, fico com a sensação de que os pingos de emoção que transbordo, caiem em "terras fecundas" e coadjuvam o nascimento de novas emoções, produzem opiniões, contra pontos e desafios… E isso, isso é “geleia real”, para as nossas vidas…
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Essa janela, mais que um posto de vigia, é o testemunho de quem já passou por esse mundo. E uma janela dessas não se guarda só para nós. Boa lembrança tiveste em lhe abrir as portadas e deixares sair essas lufadas cinéticas.
ResponderEliminarAbraço
É uma janela, que muitas vezes está escancarada e talvez um pouco desejosa, que alguém se debruce e observe o que por ali se vai passando...
ResponderEliminarAbraço
A janela pode ser sempre a mesma, e o que está do lado de fora da janela pode ser sempre o mesmo, mas todos os dias poderemos ver coisas diferentes, ou centrar a nossa atenção nesta ou naquela coisa que nos tinha passado despercebida. Podemos ver exactamente a mesma coisa e "vê-la" de maneira diferente.
ResponderEliminarImportante é abrir a janela. E ver.
Beijinho