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segunda-feira, 28 de março de 2011

Não era cedo. Mas também já não era tarde!

Não era cedo; mas também já não era tarde! A luz era esbatida nas estepes, e frio regelava os pensamentos. 

Onde estariam naquele momento? Que estariam a fazer? E ela? Aquela boca, o corpo, as ancas, os seios, as pernas...Seriam ainda, paisagens da sua exclusiva contemplação? E porque haveriam de o ser?

A saudade misturada com a solidão, formavam uma pasta cinza podre, pegajosa que se ladeava no corpo e nos membros, provocando sucessivas quedas pelo torpor no andar dos pensamentos.

A sua existência doía! Doía-lhe mesmo muito existir! 

Os dias foram se transformando em coisas miseráveis, que nada tinham de desejado. O urso que sacudia toda a casa, casa...; o urso, com as patas, partia pedaços a cada impacto; desejoso, selvagem, brutal...quando ainda havia cheiros...Era a sua única visita... Mas desde que o último pedaço de gordura de foca se extinguiu... Deixou, sim, deixou de aparecer.

O couro das botas cozinhado em neve na chama de querosene, foi o último manjar... 

Lá fora...branco, muito branco! 

Que quente que está o seu ventre... Acabara de lhe beijar os seios, muito suavemente, eles, dormiam já...hoje teria vergonha de fazer amor com ela...está impuro; mas por dentro. Nada fez de condenável, mas sente-se degradado. 

Não era cedo; mas também já não era tarde! Talvez, de manso, ela se aproxime. Talvez, sem dor, o acolha. Talvez sedutora o envolva... 

Lembro-me de a ver chegar, lenta, discreta, poderosa. Lembro-me de a desejar. Lembro-me de lhe não resistir. Lembro-me de o último suspiro expirar...

Não era cedo; mas também já não era tarde!

© Mário Rodrigues - 2009

terça-feira, 4 de maio de 2010

Gyachung Kang ao longe...



A montanha esculpiu-lhes cada detalhe dos rostos. Ela mesma, levara-lhes os progenitores há já vinte invernos, quando tinham apenas doze anos. Irmãs gémeas, ficaram sós e entregues a si mesmas desde então.
O nascer do Sol era o momento em que com as mãos unidas olhavam a Gyachung Kang, de onde a brisa gélida da aurora lhes trazia as recomendações maternais lá dos lados do Nepal. A força que as unia, apesar de invisível, era inquebrável. Ambas eram tudo o que as duas tinham.
A distância da localidade mais próxima era tanta que, de longe a longe, uma delas a fazia numa alternância que doía prantos e clamores à outra.
Numa das viagens, um dia, uma delas por lá encontrou um rapaz bom e lutador. Na dureza das atitudes os gestos se demonstraram, alguns defeitos sem importância e umas tantas virtudes se notaram. Enamorados se amaram e algo se modificou...
Chegada junto da irmã, um pouco atrasada, a pergunta surgiu num olhar de cumplicidade que desde logo tudo explicou. As viagens começaram a ser um pouco mais amiúde, bem como um pouco mais demoradas...
A irmã da irmã enamorada, numa das últimas duras viagens feitas, por lá encontrou um rapaz bom e lutador. Na dureza das atitudes os gestos se demonstraram, alguns defeitos sem importância e umas tantas virtudes se notaram. Enamorados se amaram e algo se modificou...
Chegada junto da irmã, um pouco atrasada, a pergunta surgiu num olhar de cumplicidade que desde logo tudo explicou...
No silêncio de um prolongado olhar decidiram se juntar e desse modo a viagem fazer. Chegadas à localidade, ambas procuram os seus amores para com eles regressarem. Nos locais habituais, ambas encontraram um único, rapaz bom e lutador...
No silêncio de um prolongado olhar, ambas repararam que a vida, mais uma vez as juntara. Sem ciúme nem rancor para as suas terras veio o rapaz bom e lutador.
A partilha da vida e do amor, com o passar dos tempos, nos corações das irmãs provocou dor. Dor silenciosa mas cortante que em menos de um instante farpas agudas entre ambas veio pôr. Os dias foram passando e a força que as unia foi reclamando atitudes e fervor.
Numa manhã ao nascer do Sol, momento em que com as mãos unidas olhavam a Gyachung Kangde onde a brisa gélida da aurora lhes trazia as recomendações maternais lá dos lados do Nepal, num silêncio de um prolongado olhar, um sussurro se ouviu:

"Assim será..."

Então, com ambas envoltas em dor, uma a mão da outra largou e a casa regressou...
A outra estática ali ficou olhando os raios do Sol nascerem. Lágrima não tinha. Antes um tremor no coração.
Um corpo por terra ficou...
Alguns instantes passados atrás de si os passos pressente. Para trás se vira e de frente para a irmã, num silêncio de um prolongado olhar, um sussurro se ouviu:

"...acabou..."

Na manhã seguinte, ambas unidas por uma força que apesar de invisível era inquebrável, a caminho de seu labor passaram pelo monte de pedras e neve onde jazia a vida breve do rapaz bom e lutador...


© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 25 de julho de 2009

Talvez - Primeira parte, bocado nº3

...Cherenka Vladsca, que os amigos tratavam, carinhosamente, por “Checa”, não que ela fosse proveniente da República Checa, que não era, tinha trinta e seis anos. Saiu do seu país com vinte e quatro, deixando para trás uma filha com dois anos, a mãe, viúva de um mineiro Ucrâniano, uma irmã, um amor de dois dias com um soldado russo, de que a filha foi o fruto e…

Nas ruas ouvia com frequência que quem partia para ocidente, mandava dinheiro para os que ficavam. Os dias, no leste, eram difíceis… Uma vizinha disponibilizou o contacto de um senhor, que…
- Viaja, e arranja trabalho para mulheres em fábricas e a tomar conta de crianças… - Recebem bom dinheiro! – Dizia a angariadora.

A realidade dos últimos doze anos, foi-lhe bem diferente. Checa, passou por Amesterdão, antes de Barcelona e Lisboa. “Casa Rosso” primeiro e “Bagdad Club” em Barcelona, foram as “fábricas” que Checa viu quando chegou ao, “maravilhoso mundo do ocidente”. Um bar de alterne, nos subúrbios de Lisboa, pô-la a tomar conta de “crianças”. Foi conseguindo arranjar algum dinheiro para comprar um microscópico Tzero, longe do “infantário”. Uma relação “laboral” mais persistente com um cliente, acabou por a tirar de lá.

Júlio, não será exactamente um príncipe encantado, mas, depois de a ter achado, exclusivamente “boa”, começou a ver nela alguém que lhe ouvia os “ventos de revolta” que há muitos anos, “trovoavam”, a sua relação com a sua esposa.

Checa trabalhava agora, como doméstica, em algumas casas de pessoas que, apesar de terem menos habilitações que ela, tinham dinheiro para lhe pagar ao fim do mês. Planeava, agora a possibilidade de trazer para junto dela a sua filha.
AVISO: ATENÇÃO! É possivel que isto continue.

© Mário Rodrigues - 2009

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Talvez - Primeira parte, bocado nº 2

...A sua principal actividade lúdica é estar deitado na sua cama, com a porta do quarto praticamente fechada a ver tudo o que seja futebol de todos os campeonatos e ligas possíveis e imagináveis. Juntou dinheiro durante algum tempo para mandar instalar televisão por cabo exclusivamente no seu quarto, apesar de viver em casa de seus pais. Da sua rotina fazia parte: o hipermercado a escola de onde regressava com a mesma pressa com que ia para lá, as noites de sexta-feira, que para ele tinham um sabor a encontro de grupo de ajuda de qualquer coisa, e umas viagens estranhas, apesar de rápidas que fazia não se sabe exactamente onde. Não namorava. Nunca lhe fora conhecida tal suposta relação. Falava muito menos do que pensava, pensava muito mais do que raciocinava. Tinha um discurso miserabilista, socialmente fatalista, e tinha a certeza de que os capitalistas conspiravam permanentemente contra ele que na qualidade de representante de uma classe operária injustiçada que não tinha direitos mas sim e só deveres. João, o anfitrião, permanecia convencido de que a Vladsca, Cherenka Vladsca, bem como a Patrícia, carinhosamente chama de "piquena", por todos, eram a verdadeira razão para a continuidade de Leopoldo nos encontros de sexta-feira... (AVISO: ATENÇÂO! É possivel que isto continue)
©Mário Rodrigues

sábado, 23 de maio de 2009

Talvez - Primeira parte, bocado nº 1

...já viste as horas? Como sempre isto parece os casamentos, marca-se para as dez, esperando que ao meio-dia, todos lá estejam.
- Oh! Amigo Leopoldo; estás com pressa de quê? Acalma-te rapaz!
A sala ainda estava fria, o João acendera a lata da serradura à pouco mais de vinte minutos. O tubo que tinha sobrado do esquentador da avó do Leopoldo, e que agora servia de chaminé para o “aquecimento central”, estava de tal modo que parecia um passador de chá; a quantidade de fumo que estava na sala era bastante generosa, no entanto o elevado “pé direito” da sala permitia que ele formasse uma nébula lá no alto, e pouco incomodo provocasse aos dois amigos.
A noite estava fria, o relógio de caixa de madeira com uma porta que tinha dois vidros, um no mostrador e o outro mostrava o movimento do pêndulo, que estava na parede bordeaux escurecida pelos fumos do “sistema de aquecimento”, marcava vinte e duas horas e quarenta e sete minutos. Havia já alguns meses que algumas, geralmente, sextas-feiras à noite alguns amigos... eventualmente algo mais que conhecidos, se encontravam naquele lugar. Uma sala com três dúzias de metros quadrados, que geralmente estava pouco aberta, apesar das suas cinco janelas bastante altas, uma em cada parede. O João fazia questão de não mudar muitas coisas naquela sala. A casa já tinha uns bons anos. Sempre se lembra de lá viver com a sua avó. Oh! ... Sábia Senhora. As árvores em redor, foram-lhe proporcionando um misto de sombra fresca e de amarelos outonais das folhas esvoaçando pelo caminho, imprescindíveis para poder manter o seu estado de nostalgia em que gostava de viver, apesar de quando em vez ter de despertar os sentidos de alguma maneira sob pena de se embrenhar demasiado nos longos braços do seu estado letárgico ficando impedido de voltar a ser o que geralmente não gostava muito de ser.
Sobre o soalho de carvalho, distribuíam-se aleatoriamente alguns tapetes, duas cadeiras de madeira que não eram estufadas mas que eram giratórias, quatro sofás cobertos com mantas de trapos, uma mesa de nogueira bastante baixa mas grande e ampla dois ou três bancos altos como aqueles em que o Rui Veloso e o Sardet costumam tocar enquanto cantam. Dos doze apliques de vidrinhos, oito tinham as lâmpadas fundidas. O computador que tinha comprado em segunda mão e que só servia para aquilo, proporcionava horas intermináveis de música ininterrupta com a qual, João voava nos céus das esperanças, rastejava nas lamas da tristeza despropositada ou se afundava mesmo nas profundezas da nostalgia melancólica, desafiando-se a si mesmo num exercício de renascimento, quando se torna-se já perigosa a permanência.
As quatro lâmpadas de vinte e cinco watts deixavam escorrer pelas paredes uma claridade indirecta algo aconchegante e muito discreta.
Naquela noite de Janeiro o Leopoldo foi o primeiro a chegar veio directamente da escola. O Leopoldo, um jovem de vinte e sete anos, trabalha num hiper-mercado como repositor durante todas as horas que pode, após as quais, corre para a escola para acabar o secundário em pós-laboarl. É o único filho do casal numa família bastante modesta e de poucos recursos financeiros... (AVISO: é possivel que continue)

© Mário Rodrigues - 2009

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