sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Malvado cão que me mata outra galinha!

As obras ainda duraram muito tempo até a nossa casinha estar terminada. Todos os sábados, logo de manhã cedo, costumávamos ir da nossa casa alugada na vila, para a "obra", era assim que lhe chamámos durante muito tempo até estar terminada. A distância seria e é de aproximadamente 2 quilómetros. Normalmente arranjava-se maneira de lá passar a noite. Primeiro numa barraquita feita com taipais de madeira e chapas, onde também ficavam guardadas as ferramentas e depois, já dentro da "obra".
Aquele sábado não foi excepção e lá fomos com o farnel para o fim-de-semana. A casa já tinha o rés-do-chão construído bem como uma boa parte de primeiro andar. As escadas exteriores eram divididas em duas partes e quase a meio tinham um patamar, a partir do qual o sentido das escadas se invertia. Elas, as escadas, tinham umas pontas de "verguinhas" de ferro saídas nos degraus visto que ainda não estavam terminadas e aqueles ferros iriam fazer falta para as terminar.
Preto, pêlo curto e ponta da cauda branca como as "pantufas", Dic, era um jovem cão que já não era cachorro e que, vá se lá saber por que razão, tinha uma questão não resolvida com esses seres de inteligência e intelectualidade superior que são as galinhas. Enquanto na nossa casa da vila, fazia questão de comer todo o milho que pudesse às ditas galinhas, sendo que posteriormente, seco como palhas, bebia desalmadamente litros de água...logo de seguida, variadíssimos e reais chichis que faziam do terraço uma piscina. Quando estávamos na "obra", o beligerante animal encetava correrias em perseguições e ainda, encenava emboscadas de cima do patamar das escadas, atirando-se, qual tigre da Malásia, aos pescoços dos galináceos que, pelo menos uma vez, terminara ali mesmo a sua existência terrena.
A meio da manhã, subia as escadas com um tijolo para levar ao meu pai, eis que, num rompante, o Dic vem do primeiro andar a correr, visto que tinha detectado o "inimigo", para descer as escadas para pôr em curso mais uma das suas emboscadas. Eu, sabendo o que ele ia fazer, aflito e tentando ser mais rápido que ele, atiro o tijolo e viro-me para descer as escadas... A minha sandália prendeu-se num dos ferritos e eu lá vou escadas abaixo com o rabo e as costas a descerem pelos ferros... Enquanto as minhas costas reclamavam com uns belos rasgos feitos pelos ferros, bradava a minha avozinha:
- "Malvado cão que me mata outra galinha!"

© Mário Rodrigues - 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

Conífera

Agora vos pergunto! E se um dia eu morresse?

Um segredo vos vou contar.
Se um dia eu morresse, e o resgate da massa sem o sopro da alquimia tal permitisse, ia querer que numa covinha pequenina junto ao pé de uma conífera, o carbono desagregado pela energia que outrora me constituía, fosse depositado.
Assim embrenhando-me no ventre na nossa terra mãe, pelas raízes da conífera junto com a água iria também.
Esse que já fora Adão, Platão e Napoleão, que já fora Abel, Gabriel e papel, esse carbono agora no pé de uma conífera outra vida iria tomar.
Do alto das suas folhas a todos vós iria observar.
Na harmonia das vossas insensatas vidas caminhar.
Mas quem não muito me ama, por tal não vá esperar.
Porque já mais morrerei, enquanto nos corações de quem me queira puder estar.
Porque já mais morrerei enquanto um ser de mim se lembrar.
Porque já mais morrerei enquanto um coração me queira amar...

Mas isso! Isso seria se um dia eu morresse...


© Mário Rodrigues - 2009

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