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terça-feira, 11 de março de 2025

Loison, "O Maneta"



Era uma vez um general francês que tinha tudo para ser um cavalheiro, excepto a educação, a compaixão e, bem, um dos braços. Louis Henri Loison, carinhosamente apelidado de "o Maneta" – porque para massacrar e saquear bastava-lhe uma mão – entrou em Portugal como um furacão, mas daqueles que não trazem vento, só deixam o cheiro a enxofre e um rasto de destruição comparável a uma tourada numa loja de porcelana.

A sua missão? Conquistar, impor a ordem e civilizar os portugueses. O problema? Ele confundiu "civilizar" com "esventrar" e "impor a ordem" com "deixar um rasto de corpos onde quer que passasse". De facto, a sua passagem por Évora foi tão memorável que até hoje os fantasmas locais ainda acordam a meio da noite aos gritos de "Lá vem o Maneta!".

E que dizer do requinte com que exerceu a sua profissão? Loison não era um simples brutamontes que matava por matar – nada disso. Ele fazia-o com um certo entusiasmo artístico, como quem desenha uma paisagem a sangue e fogo. Para ele, cada aldeia saqueada era um quadro impressionista, cada degolado um detalhe cuidadosamente colocado para reforçar a composição.

Os portugueses, sempre práticos, cedo perceberam que quando algo desaparecia, fosse um porco, um carro de bois ou uma vida humana, havia apenas uma explicação possível: "Foi tudo para o Maneta". E assim nasceu a expressão que ainda hoje se usa quando qualquer coisa se perde ou se estraga sem retorno. Porque, verdade seja dita, Loison tinha uma capacidade ímpar para transformar cidades prósperas em pilhas de entulho e habitantes felizes em cadáveres precocemente reformados.

Mas como tudo na vida, até a festa dos tiranos tem um fim. Com os ingleses de um lado e os resistentes portugueses do outro, o Maneta começou a perceber que talvez o seu espectáculo de horrores não fosse assim tão apreciado. Foi recuando, desonrado, desaplaudido, sem sequer ter direito a um "encore". Saiu de Portugal sem glória, sem honra e – pasme-se! – sem nada para pilhar. Ironia das ironias, foi tudo para o Maneta... menos para ele.

E assim terminou a epopeia de Louis Henri Loison, o homem que pensou que podia roubar um país inteiro, mas acabou reduzido a uma nota de rodapé. A História tem destas coisas: às vezes os monstros são lembrados, mas outras vezes... são apenas um maneta que passou.


© Mário Rodrigues - 2025

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O oscar e a tartaruga

Ok!...
Finalmente encontrei um parceiro à altura para o meu confessor!
O meu amigo Oscar (Astronotus ocellatus), conhecido por “o peixe”, incomodado com uns certos habitantes do seu aquário, foi lhes demonstrando que a democracia é muito bonita desde que seja ele a mandar! Certo?
Ao que parece, este seu temperamento não foi sendo muito bem compreendido pelos “amigos”, a tal ponto que se viu obrigado a... digamos subtraí-los... ao espaço envolvente. Assim, e como resultado dessa sua politica, ficou sozinho no aquário.
Os dois Plecostomus”, com a sua forte caixa óssea e escamas agressivas, ainda pensavam que venceriam a guerra... Não! Um após o outro, foram também eles, engolidos e digeridos ao longo de quase duas semanas, tal como o Corydora!
Ao fim de dois meses de solidão, o meu amigo Oscar encontra-se melancólico e imóvel flutuando só, no imenso aquário. Desesperado de tanta calmia, abandona as suas cores vivas apresentando-se desmaiado e adormecido a quem o visita.
Hoje, olhando para ele, tive uma ideia!
Uma tartaruga!
Uma tartaruga tem as características adequadas a um ditador! Jovem, irrequieta, comilona e o mais importante, tem uma casca dura e dez vezes maior que a boca do meu amigo.
Ele agora, o Oscar, é vê-lo em correrias no encalço a nova amiga. As suas cores vivas voltaram e a sua vida deixou de ser uma tristeza.
Poderíamos tirar várias reflexões disto! E não estou a falar só de biologia!
Há aqui lições sociais e politicas a tirar ou é impressão minha?
© Mário Rodrigues - 2011

sábado, 7 de maio de 2011

Nós não conhecemos nem dominamos os nossos cérebros!

Estou moído! Sinto-me nevrálgico e hibernante. Ontem, um dia bastante agitado, deixou sequelas para o futuro. Estou moído!
Uma tentativa, quase inebriante, que vamos desenvolvendo para sermos cada vez mais pró éticos, uma preocupação com os discernimentos de partículas "microscópicas" de ética e justo bem nas nossas existências, tem-se vindo a demonstrar, não só contranatura, como, em si mesmo, conspirativo numa dinâmica dificultadora de um saudável processo de pensamento.
Tenho reparado e sentido a acção de uma preocupação constante, permanente e, admito-o, por vezes quase patológica, em me "encaixar" nuns padrões social, cultural e antropologicamente, ditos éticos. Isso em si aparenta-se à primeira vista, algo que todos deveríamos fazer, num verdadeiro esforço de harmonia e bem-estar universal.
Não! Não só não tenho essa certeza, como vou duvidando da sua eficácia e vou sentido o seu efeito nefasto na saúde mental dos indivíduos e das sociedades.
A quantidade de casos de ansiedade patológica e depressões pré e pós traumáticas que se vão espalhando como a sombra de uma negra nuvem pelas paisagens de belos dias de Sol, vai aumentando com o crescimento dos efeitos nefastos de processo de justificação ética que vamos tentando assimilar e ensinar aos mais pequenos desde tenras idades.
De modo algum poderei afirmar que abandonada seja a ética e a tentativa da justiça!
Apenas vou achando que estamos a ir depressa demais, e isto pode parecer uma barbaridade, com este processo. Antropologicamente, não estamos preparados para esta aceleração na aplicação de todos os princípios éticos que inventamos, sendo que alguns são mesmo muito pouco éticos, claro está, vistos através das minhas "lentes" éticas. Não posso deixar de pensar no que têm sido estes 50 milhões de anos de evolução natural que produziram o homem de hoje. Não obstante, entendemos que estamos, intrinsecamente, quase totalmente errados!
Os processos contidos nestes milhões de anos de evolução sócio biológica foram amplamente constituídos por crueldades, injustiças, oportunismos e traições integrantes e derradeiras no desenrolar desses mesmos processos e no seu êxito de hoje.
O nível a que temos elevado a complexidade do pensamento, com tentativas de dissertação acerca de pensamentos, já em si, de elevado nível filosófico e complexidade de escalonamento psíquico, leva-nos a ponderar situações, circunstâncias e hipotéticas realidades que nos transportam para níveis que estamos muito longe de controlar e compreender. Sendo que, inevitavelmente, ficamos reféns deles mesmos, numa espiral de surrealismo virtual em cadeia. Nós não conhecemos nem dominamos os nossos cérebros!
Tenho ponderado a possibilidade de ir mantendo, até provas contrárias, a justiça e a ética, na gaveta entreaberta das inexistências, na companhia da liberdade, do acaso e da verdade...



© Mário Rodrigues - 2011

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Então mas o que tem acontecido é o que me interessa?

Nasci num dia de primavera, ainda que Dezembro fosse. Nas primaveras está contida a esperança de dias de sol forte. A esperança é uma arma nas mãos da conspiração; impele-nos em epopeias, macera-nos os corações e revolta-nos nos esperados. Epopeia enfrentei no dia em que nasci, hoje tenho outras epo’s, algumas com pouco de peias’s. Alguns dos caminhos, que dados nos são a percorrer, há quem diga que são à escolha! Mal sabem eles que nada se pode neste mundo pensar em escolher! Uns aparentam-se bons, mas a meio as veredas mostram-se. Outros exibem penhascos mas com o andar amaciam... No entanto... No entanto outros há, que desde o primeiro dia os soubemos tinhosos! Caminhos curvos, brisas cortantes de norte, caminhos em que esperamos fés infundadas, caminhos que no seu caminhar a dor não se desvanece, caminhos que nas claridades das subidas, nos cumes revelam a agrura das descidas. Curvos como cordéis enrolados nos bolsos são os sentires da gente daqui. Gente daqui que nada mais queria que ser feliz. Felicidade que todos dizem que procuram. Para? Para exibir em pequenos cartõezinhos que penduramos ao peito – “ Mário Rodrigues, e por baixo, FELIZ” – Sim, tem de ser escrito em letras maiúsculas! Para que o processo de afrontamento se dê com eficácia. A felicidade é como um descapotável, anda-se na rua a demonstrar que temos “posses” para ter um!... E mal se sabe como aquilo funciona!... Afrontamento, não o proveniente da andropausa, sente-se quando o único meio que temos de respirar é por um balão, garantindo que respiramos infinitas vezes o mesmo ar até à embriaguez dos nossos saberes omniscientes, e ainda assim há alguém que pega num alfinete e faz rebentar o dito. Rebentar é um exercício que, penso eu, devia ser praticado com bastante frequência por algumas pessoas. Já rebentei algumas vezes mas nunca as que devia e do modo que devia... Será que é porque não posso escolher? Mas que quero eu escolher? Basta não escolher nada que tudo acontece, na mesma! Acontece o que me não interessa? Ah! Está bem!...

Então mas o que tem acontecido é o que me interessa?
Pessivelmente é poque nada se pode neste mundo pensar em escolher!...
 
© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

No dia em que os coelhos uivaram.

Nuvens cúmulos cinza negro, arrastadas pelas nortadas furiosas, fazem os tubos de bronze suspensos dos ramos das crespas estepes, ressoarem latidos de proclamação de domínio sobre as tementes mentes.

Iniciara uma nova era!

Os lobos, raivosamente ofendidos por felpudos rugidos nos cumes das escarpas, rasgam as veredas, numa ascensão galopante, para o términos estabelecer em tal ousadia imponderada. Mas algo inesperado aconteceu! Milhares de coelhos precipitam-se -lhes para as raivosas mandíbulas!
Dias antes um coelho moribundo descobrira que, ali no vale dos lobos salobros, a vegetação predominante era a camomila e o hipérico!
Naquele vale, nunca faltavam os coelhos. Eles vinham de todas as partes da montanha. Os lobos, há já muito que nas suas caminhadas migratórias, se rebolavam por sobre as amarelas e perfumadas flores da macela e do hipericão, transportando em seus pêlos, as microscópicas sementes, que semeavam no vale à sua chegada. No vale das águas abundantes, as dopantes plantas proliferavam.
Os lobos bem o sabiam!...
Sempre frescas e saborosas, sem vestígios de dente de leão, cuja diurese poderia desintoxicar, as duas plantas mantinham os coelhos felizes e despreocupados. Os lobos, quais manobradores de marionetas, manipulavam uma sociedade, na pele de cordeiros, demonstrando a sua dedicação em feliz manter aquela chusma de dopados indigentes.
Pois bem, não havia, nos vales das redondezas, roedores mais felizes! Nem que tão abnegadamente tolerassem os residentes e benfeitores lobos. Compreendiam e com agrado, seus irmãos ofertavam, para que a paz e as bênçãos perdurassem!
No vale dos lobos salobros, o lobo líder da matilha, certificava-se da virtude da sua doutrina, ofertando periódica e frequentemente, um abundante repasto concentrado de pétalas de ambas as flores aos coelhos agradecidos. Tal ritual, enternecia e subjugava quem via nos lobos divindades admiráveis, apontando e descriminando os que nos caninos dos lobos não confiavam. Certo era, que naquele vale sussurrava uma paz embriagada há já longos séculos!... De herege denominado, quem não comia era infeliz e assim legitimava as profecias dos canídeos.
Mas, dias antes um coelho moribundo descobrira, que ali no vale dos lobos salobros, a vegetação predominante era a camomila e o hipérico!
Então, milhares de coelhos precipitam-se para as raivosas mandíbulas dos lobos, ofendidos por felpudos rugidos, rasgam as veredas, numa ascensão galopante, para o términos estabelecer em tal ousadia imponderada...e com o temor de que os idiotas roedores, da essência da desventura se tenham apoderado...

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A charrete de tule.



A charrete de tule tinha mil cocheiros sentados em parapeitos nos dorsos de mil cavalos. Os mil cocheiros tinham mil casacas molhadas pelas lágrimas de mil corvos brancos que voavam sob os cascos de mil cavalos verdes com crinas de medo. Os cocheiros divergiam permanentemente em mil trilhos sob novecentas e noventa e nove insurreições dos restantes. Mil chapéus altos adornavam as mil cabeças acéfalas dos mil cocheiros que com mil rédeas de secos nervos de mil homens tangentes, incitavam em mil galopes frenéticos os mil cavalos verdes de cascos de ouro com mil diamantes e crinas de medo.
A charrete de tule voava de portas escancaradas.
A charrete de tule transportava coisa nenhuma em quantidades generosas. O vácuo, aspirava-lhe para o interior nada, sendo que nada de lá saía bem como nada lá ficava.
A charrete de tule tinha mil rodas de cristal que reflectiam imagens de mundos exteriores ao interior do seu mundo.
A charrete de tule era feita de tule. O tule era feito de ânsia e desejo em filamentos de escarpa tecidos em teias de neblina. Por sobre a charrete de tule, deslizavam mil esperanças vestidas a rigor. Mil esperanças de mais não voltar a mil homens que esperavam mil coisas terríveis. Mil homens de mil amores por mil donzelas que voavam, quais corvos brancos sob os cascos de mil cavalos verdes com crinas de medo. Mil terrores eram esperados por mil homens, acéfalos de casacas molhadas pelo suor de mil mães parindo. Mil mães parindo a esperança de mil salvadores, correndo em mil charretes de tule, chegarem ao mundo interior do seu mundo, porque lá fora, no exterior, já mil milhares de milhão de estrelas voavam sensatas e errantes.
A charrete de tule, era a última de mil charretes divinamente enviadas para mil mentiras entregarem a mil homens de mil esperanças maravilhosas, de que com tais mil mensagens divinas, mil vezes fizesse um milhar de alegrias em mil felizes corações de mil homens justos...

Mas, a charrete de tule...


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Centelhas cintilantes de luz gelada...


Gotas, gotas, gotas; muitas gotas de cristal...

Ontem, sem esforço e pela acção da brisa, acordarei... Acordarei de um sono que nem pesadelos nem sonhos terá. Acordarei suavemente, precedido de uma expiração demorada que culminaria com a inspiração de centelhas de luz branca...no acto de em nada actuar.
Ontem, quando eu despertar chegar-me-ei à beira da pétala única da flor do jarro e de lá, com os olhos fechados, veria o ponto infinito de onde "desconvergem" as centelhas cintilantes de luz gelada. Elas dirigir-se-iam a mim em movimentos cónicos e de trajectória indefinida. Inspiraria, daí, dessa beira, nada porque nada haveria à partida...

Amanhã, quando terminou a noite que não começou, apesar do aparecimento do segundo sol que permitiu o alinhamento aleatório, fruto das regras inaplicáveis, dos astros, eu que era muitas pessoas teria tido a oportunidade de em pequenos actos microcósmicos, prever que um dia assim será!...
As centelhas virão até nós e perguntar-nos-ão se o vácuo das nossas vidas teve alguma cor...
...perguntar-nos-iam se está na hora de acordarmos!...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Enfim, este é o Deus que me convém!...


Isso?... Isso não é nada!... Aliás, tu nem sabes o que é!
Jamais serás iluminado pela luz plena, inebriante e penetrante que enche inteiramente a tua existência redundante. A do meu Deus!...

Havia vários, no entanto fiquei com este, porque este é o que mais me convêm!

...Este:

Mata os ímpios
Destrói os infames
Castiga os que me incomodam
Devolve-me as riquezas
Abunda-me com deleites
Castiga-me no rancor do remorso
Apascenta a minha ganância
Justifica os meus crimes
Fundamenta a minha crueldade
Justifica a minha estupidez
Castra-me a vida
Alegra-se na minha conspiração
Auxilia na ambição e mais, muito mais...

Se sofro é ele
Se tenho fome é ele
Se meu filho morre é ele
Se corro é ele
Se durmo é ele
Se vilmente me iludo é ele, mas não só...

Quando mato é por ele
Quando usurpo é por ele
Quando castro é por ele
Quando privo é por ele
Quando minto é por ele
Quando desrespeito é por ele
Quando intransijo é por ele
Quando a verdade altero é por ele
Quando da ingenuidade me aproveito é por ele
Quando da boa-fé abuso é por ele...é assim porque está escrito,

Nas palavras que escrevi
Nas verdades que encobri
Nas mentiras que defendi
Nas realidades que alterei
Nos monstros que pari
Nas jugulares que cortei
Nos corações que feri
Nos inocentes que queimei
Nos movimentos que bani
Nos obedientes que mal tratei
Nas virgens que violei
Nos homens que matei...

...Enfim, este é o Deus que me convém!...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sabeis o que vós quereis da orgia e do sexo?


Dizei-me!... Dizei-me meus filhos...

Pensais que não sois eternos?

Sabeis o que vós quereis da vossa existência?
Sabeis o que vós quereis de vós?
Sabeis o que vós quereis do universo?
Sabeis o que vós quereis da orgia e do sexo?
Sabeis o que vós quereis da gula?
Sabeis o que vós quereis da ambição?
Sabeis o que vós quereis dos narcóticos?
Sabeis o que vós quereis da volúpia e da traição?

Pensais que não sois eternos?

Pois então, com todo o conhecimento e sabedoria, ensinarei e mostrar-vos-ei!

Mostrar-vos-ei como usar a existência!
Mostrar-vos-ei como usar a subjugação!
Mostrar-vos-ei como usar o universo!
Mostrar-vos-ei como usar a orgia o horror e a maldição!
Mostrar-vos-ei como usar a decadência!
Mostrar-vos-ei como usar a exploração!
Mostrar-vos-ei como usar a volúpia!
Mostrar-vos-ei como usar a dependência e a tentação!

Segui-me como uma formiga.
Segui-me como um cordeiro.
Segui-me sem mostrar fadiga.
Segui-me como um escuteiro.

Não sabeis que sois eternos?
Vigiai a cultura do ócio!
Não tenteis compreender!
Apenas segui-me que...
...
...o covil do inferno está próximo!...


© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

Num jardim de perfumes doídos...


(Ler o post anterior por favor)
...
...
Desta vez o "Musgo Real" não me conseguiu tranquilizar...
...
...
Num banco de pedra, na sombra de uma Olaia... Sinto as palpebras inferiores caírem em linha recta até não sei onde... Do rosto canela da Zilda só vejo os olhos... Uma rede densa de vasos de encarnado expulsivo que rodeia as íris negras constritoradas... Observei-lhe, imóvel e atónito, minuciosamente durante uma vida...os olhos vidrados e paralisados...
Frente a frente, num silêncio absoluto e eterno de brados estridentes de dores sofridas e imaginadas... Tentei lhe calcular o sentir e a dor... Senti-me envergonhado pela tentativa... Não consegui mover uma revolta interior de ódio do homem...

Porque serei eu assim?

O homem também foi uma outra vítima... Ele arrastou a sua morte durante trinta e sete anos...
Vitima... Vitima de quê? Ou de quem?
Vitima, com certeza também foi minha!
Sou só o que faz isto e aquilo? Que gosta de carne quase crua e olha para uma articulação do joelho como se fosse tudo mecânica? Que dá as injecções a si próprio sem a menor hesitação? E que olha para o sangue que lhe sai das veias e imagina-o apressado em correrias levando essências de vida para animar outro corpo algures no mundo?
Também sou o puto que rouba nas lojas porque tem fome ou porque precisa de ser aceite no gang, que lhe também é vital como a comida! Também sou o polícia que lhe dá um tiro à queima-roupa porque na semana passada um dos seus melhores colegas lhe morreu nos braços num tiroteio de rua! Também sou o traficante que matou o polícia que estava a por em risco a sua riqueza e ambição que não é menos passível de protecção que a minha ou a do policia ou a do Sr. Machado, do Presidente, do Ministro ou do Papa!...
Compreendo que nada na vida é um acto isolado! Tudo, mas rigorosamente tudo está interligado...tragicamente interligado...

Jamais teremos capacidades para lidar com os poderes que conhecemos e desconhecemos mas que temos...

Ainda estamos à sombra da Olaia...imóveis e de olhos esbugalhados...

...Curiosamente vem-me à lembrança que as Olaias...também são conhecidas por..."Árvore de Judas"...

"...Se eu quisesse, enlouquecia..."
...sinto dificuldade em manter a postura de opção...


© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sim, latas de conserva com óleo queimado dos carros


"Adeus! Até amanhã!"
"Adeus Mário..."
"O Dr. Ângelo alterou-te a medicação?"
"Não! Diz que estava tudo a ir bem e não era preciso."
...
...
"Olá! Então como vai isso?"
"Olá Mário, bom dia!"
"Dormiste bem?"
"...Sim!..."
"Que sim estranho!..."
"...Tive um pesadelo..."
"Outra vez?"
"Não!... Quer dizer sim mas este foi diferente...acabou bem!..."

"Ai foi? Queres falar disso?"
"Sim! Estava à tua espera porque queria falar-te de...umas coisas..."
"Estou a escutar!..."

"Havia latinhas..."
"Latinhas?"
"Sim, latas de conserva com óleo queimado dos carros. Punha uma em cada pé do beliche para os bichos não me subiram para a esteira. Já me bastava o cabrão de cima que berrava a noite inteira e acabava sempre a mijar-se todo e a mim que estava por baixo. Um dia fudi-lhe um dedo com um...
Numa noite...acho que era de dia mas estava tudo muito escuro e eu não conseguia ver nada. Havia umas coisas ao alto, muito grandes e finas e tinham braços. Os primeiros passos...demorei alguns segundos a dá-los porque não via o chão. Depois corri, corri e cavalguei e galopei e devorei a terra e o mato numa velocidade alucinante até bater numa parede e cair. Levantei-me palpei a parede que tinha cerca de oitenta ou noventa centímetros. Não hesitei pus-lhe a mão de cernelha e saltei-lhe por cima. Tinha muita pressa...

AHAHAHAHAHAHA !!!

Do lado de lá deveria ter uns três metros de altura e eu senti-me cair para o inferno...

Estava tudo negro! Negro muito escuro! Dentro de uma...jaula havia uma merda de uns bichos que se movimentavam muito rápido e gritaram muito... Pareciam umas coisas negras...panteras! Isso, panteras que andavam com as patas da frente no ar. Com a faca rebentei logo com uma e com um arame amarrei-a a um tronco. A outra...atei-lhe a patas da frente no alto. Ela, com as patas rasgou-me a roupa enquanto sangrava não sei porquê! Com o saibro rasguei-lhe a pele, senti-lhe o cheiro e o sabor do sangue... A outra rosnava um rosnar odioso. Implorava cânticos selvagens... A esta senti-lhe vida no ventre...
...existia outro monstro dentro dela... Caí... Vazio... Sem medo nem pavor!
Com a faca abri-lhe as entranhas, arranquei uma cria que deixei no chão a berrar para os outros comerem..."

"Porra!... Meu Deus!...
Queres contar mais?"
...
"Não!... O resto não interessa. Escuta-me outra coisa tens visto a Dra. Zilda?"
"Sim! Ainda há pouco a vi!"
"Gostava de a ver..."
"D. Maria! Pode chamar a Dra. Zilda por favor que o Sr. Machado queria falar com ela, por favor?"
"Sim Mário vou já!"
...
"Mário, ela é uma grande médica! Não é?"
" Sim! Penso que sim! E também tem um lindo rosto canela!... É uma mulher muito bela!"
...
"Olá Mário!"
"Olá Dra. Zilda! Como está?"
"Está tudo bem...vamos andando nos nossos trabalhos!..."
"Então Sr. Machado quer falar comigo?"
"Olá Dra. ...Zilda..."
...
"Sabe Dra. Zilda, contaram-me umas coisas sobre a sua terra e...outras coisas...sobre...
Sinto uma labareda caustica que me corrói e abre buracos por onde não sai nada...só jorra medo e dor...
Perdão! Não vale a pena! Mesmo que o obtivesse de si, de Deus e até do inferno... Nunca o obteria de mim... A sua mãe...era...linda!...nunca pagarei o que fiz..."

Atónitos assistimos a um movimento brusco e calculado há muito, decepou com um pedaço de vidro a carótida interna...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Prelúdio de uma inexistência anunciada...




Assim haja Deus... Na verdade o paraíso existe!...

São sete horas e vinte e três minutos da manhã neste preciso momento. Esta brisa, que deve ter aproximadamente vinte e muitos graus célsius, dada a sensação de conforto que me transmite, passa-me pelo rosto e entra-me por entre os botões da camisa "cru", de linho fresco, já entreabertos, transmitindo-me um bem-estar e uma calma que nunca experimentei!...

Recostado na cadeira de lona e madeira, com o oceano quente que me banha até às canelas, usufruo de uma ténue sombra de palmeira que me deixa repousar, sem qualquer irritação, os olhos num cardume de zebrasoma tang, que por ali petiscam...

À extraordinariamente simpática moça que me perguntava:
-"Do you want some thing? Sir!", eu pedi um...
-"Sorry", mas não sei como se chama! Mas tome nota, "please"!

Num copo grande coloque nata fresca e quase gelada, batida com um pouco de caramelo e uma pitadinha de gengibre fresco... Depois, por cima, coloque com muito cuidado, para que se não misture, duas doses de café arábico aromatizado com canela...finalmente e com idêntico cuidado coloque uma dose de "Napoleon" devidamente saturado com menta... Por favor traga-me também uma palha de três olhais laterais...
O que ela trouxe prontamente e com uma perfeição na elaboração...
Huumm! Mesmo muito, muito bom!...
Como a vida é extraordinária!...
-"Excuse me Sir! One letter for you!"
Uma carta para mim? Aqui?
Com certeza que não passará de um engano!
Pego no envelope e...
O remetente sou eu!...

Parece impossível! Como me fui descobrir aqui! Logo desta vez que fiz tudo com um perfeito rigor e secretismo para jamais ser incomodado e descoberto e logo eu, numa perfeita falta de respeito por mim próprio, tenho o arrojo e a pouca vergonha de me incomodar a mim próprio... Estúpido!...

Bem! Vou pelo menos abrir o envelope e ver o que é que me venho dizer!...


"Aqui, hoje deste mês do ano que antecede o próximo.

Excelentíssimo senhor eu, eu venho através desta comunicar-me que, por razões que se prendem com términos do período de batimentos do meu miocárdio previstos no momento da expansão da não-matéria, também chamado criação primordial do universo, estou morto. Assim, e de acordo com a legislação cujo regulamento prevê o abate de indivíduos fora de prazo, deverei providenciar a emissão e atempada remessa de documentação provatória do meu estado de óbito.
Desde já informo-me de que tais provas terão de ser convincentes, sendo que no sistema têm dado entrada provas sem qualquer teor de veracidade do tipo:

"Não respiro há dois dias.", "A Angelina Jolie convidou-me para beber um copo e eu fiquei imóvel" ou até mesmo "Estou roxo e tenho vermes nas entranhas."... Enfim, faz-se de tudo para nos enganarmos.

Sem outro assunto, apresento-me as condolências pela minha morte.
Atentamente, eu."

Sinto-me enjoado. Mas eu estou-me a dizer que estou morto? Mas que me terá passado pela cabeça? Não me recordo de ter recebido qualquer aviso!

Huumm! Nunca fui de confiança! Com toda a certeza que sabendo que estaria para breve a minha morte estive atento ao correio e antes que eu visse o aviso escondi-o, ou até mesmo era capaz de o queimar na lareira, só para que de tal não tivesse conhecimento apanhando-me de surpresa e desprevenido...

Traí-me!
Nunca esperei ser o meu maior inimigo!
Deveria ter-me acautelado, no que diz respeito às minhas desonestas investidas!
Afinal de contas, poderia ter-me preparado convenientemente, com uma vida que neste momento me orgulhasse e por puro desrespeito e total desprezo condenei-me a uma inexistência virtuosa em que tudo ficou por fazer e dizer...
Se eu tivesse sabido...
As coisas maravilhosas que eu teria feito por aquele mundo!...

Já sei!
Vou-me enviar uma carta de resposta, onde me irei opor à decisão e impugnar o acto...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Uma coisa é uma coisa...


Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!

Reflicto sobre a possibilidade de uma coisa ser outra coisa, assim como outra ser uma coisa.
Numa primeira abordagem à ideia surge-me a impossibilidade te tal. A menos que a coisa seja desprovida de coerência, identidade e orgulho, a troca pela outra ou a fusão em uníssono, dando origem à outra coisa, é totalmente impossível! Tal faria surgir uma terceira que teria a agravante de não ser nem uma nem outra, coisa, claro!
Isso não está previsto nesta reflexão.
Não obstante reconheço a possibilidade de uma coisa, apesar de não ser outra, poder através de processos complexos e insuspeitos, tais como uma acção proveniente do exercício de um acto, se transformar em outra coisa!
No entanto, este primordial processo de criação carece de um desconhecimento inicial da outra coisa, a fim de prevenir a existência do dito terceiro.

Mas agora reparo que tal acção indicia pouca honestidade da minha parte...

Extraordinário!...Perante a necessidade de ultrapassar um obstáculo, não hesitei, coagi-me a manipular a realidade, ferindo de morte e desrespeitosamente aniquilando a outra coisa, transformando-a na coisa, com o propósito convicto de atingir o meu objectivo!...

Serei eu de confiança?... Hum!... Francamente!...

Se a honra, a honestidade, o respeito e os meus princípios tivessem peso suficiente no meu carácter, atrasaria o relógio o tempo suficiente para que de novo pudesse proceder à reflexão de um modo eticamente correcto e honesto!
Mas, não posso deixar de reparar que isso não basta. Apesar de ter regredido no tempo, não anulei o processo de reflexão anterior! Assim terei de lidar com uma reflexão contaminada pelas conclusões da que a antecedeu...
Isso muda completamente o desenrolar espontâneo e aleatório do processo, visto que, poderei não resistir, à tentação hipócrita, de tentar parecer muito correcto nos meus actos e reflexões devido à consciência da conotação que me adveio da anterior experiência!...
Pois bem! Serei desmascarado!...
Reparem, tal como a espontaneidade, a aleatoriedade não existe. Rapidamente todos constatarão que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!


© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Tela branca, alva, calva...


Tela...
Tela branca, alva, calva...
Apesar de habitualmente não pintar, tive urgência em fazê-lo! Numa corrida furtiva, fui a uma loja e comprei uma tela branca, três pastéis pretos, duas bisnagas de acrílico vermelho...umas espátulas e carvão...

Em casa, isto é, num local de improviso montei o cavalete e agarrei a tela. Olhei demoradamente para o vazio da tela até ela ficar completamente branca...mas não consegui...ao fechar os olhos consegui vê-la finalmente vazia e branca!

Demorei-me um pouco, pelo receio de que a alvura de novo fugisse. Já está. Agora é que vou conseguir desenhar...

A fraqueza!...

Os momentos que tenho privado com ela, fazem-me sentir-lhe as formas. Formas esguias, ovais de coragem esbatida e medo berrante... Formas sem margens, de definições muito marcadas que quase rasgariam a tela, vermelhos incolores de vergonha...ou antes timidez... Não, são mesmo é de medo!

Tiro a tela do cavalete e ponho-a em cima de uma mesa. Vai-me dar muito mais jeito...
Com o pastel e o carvão traço marcas de vida, com rombos, curvas e vértices redondos como espinhos de roseira. Depois com a mão esfrego até atingir grandes zonas de sombra. Biombos de cobardia!...

Agora com o acrílico vermelho, vou traçar-lhe grandes áreas de ousadia!... Isso mesmo, ousadia e uns bouquets de coragem!...

Coloco uma boa porção da pasta na tela...mas aqui não me dá jeito!

Ponho-a no chão. Com uma espátula em cada mão atiro-me na disposição de a mutilar avidamente. Os biombos e os cenários de sombras haveriam de sofrer a brutalidade da coragem e da força. Calculo-lhes as formas das mandíbulas e em movimentos precisos e calculados começo a dar-lhes formas...

A luta é renhida, as sombras estendem-se com pouco esforço abafando o escarlate. As espátulas ficam moles como tiras de papel pardo!...aquilo não me agrada nada, sinto-me muito pouco potente, não obstante da minha valentia, luto contra aqueles riscos de carvão que a minha mão já tinha esbatido, mas que me exibem os caninos exuberantes!...

Num acto quase descontrolado salto com os dois pés juntos para cima da tela...
Então afundo-me... Enquanto me afundo olho para a superfície e vejo, em imagens pouco focadas, os pasteis e o carvão, nas suas enormes casacas de golas peludas rindo!... Rindo em gargalhadas de desdém que mostram os seus pútridos dentes negros em bocas de dominação!...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Então! Não sejais gananciosos...


Recordo-me dele! Recordo-me como se nunca, mais tivesse visto.
Tinha um aspecto de algum bom trato não obstante do seu gigantismo. Há muito acomodado a uma mesa muito pouco farta, ocupava um espaço muito grande...digamos que apoderara-se de espaço de outrem.
Servia-se de tudo o que estava na mesa e não só...
Tinha muitos braços tentaculados. Cada um desses braços tinha apêndices e prolongamentos. Alguns prolongamentos não viviam permanentemente junto dele, mas vinham com frequência juntar-se-lhe para que assim se tornasse mais injustamente eficaz na sua orgia de destruição de recursos.
Havia braços que tinham terminações e apêndices bizarros; chicotes finíssimos que cortavam dorsos vergados, lâminas de fio diamantado com que infligia cortes profundos e eternamente hemorrágicos, pontas de dedos indicadores que desnudavam a alma a quem apontavam, falos que penetravam incessantemente os violados que bradavam de dor bem como clitóricas e nojentas vaginas de um bando de vermes que o bajulavam.
Era temido e nunca respeitado.
A tristeza de esta não ser uma recordação como as outras...só uma recordação, deixa-me convicto de que o pretérito o não arrancou das nossas historias mas antes, qual intemporalidade, permanece ali...ali...ali!
O seu urro de soprano melado, qual castrati pseudo-angelical do século XIX, com intuito de se disfarçar, deixa ver numa transparência de tule negro a sua completa acefalia que contrasta com a também completa ambição de poder.
Os cantares, como se de sereias dos mares do Sul se tratasse, embriagam apêndices que até então o repudiam e negam. Pouco tempo depois, ávidos e de gosmas a escorrer pelos cantos das bocas dão vivas à degradante causa. Ele então, com um focinho ternurento de Hades arrependido diz no seu tom de Dom Corleone:

"Então! Não sejais gananciosos... Somos todos irmãos!..."

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Desta janela vejo o mundo...

Janela...

Desta, observo uma dama com um vestido até aos pés. Tem uma daquelas armações por debaixo do vestido, que lhe faz parecer ter um rabo de vespa! Emproada, fixa o olhar no horizonte vazio. Não consegue disfarçar o olhar que segue o galã do "Capitan" descapotável...

Não, afinal não! Vejo antes uma criança que corre com uma redinha na mão, atrás de uma bela borboleta. Não sei bem se a quer mesmo apanhar. Talvez queira mesmo só vê-la de mais perto. A Alice disse-lhe que as suas asas eram veludo autêntico...

Bem me parecia! O que ali vai mesmo é um casal de namorados que caminham de mãos dadas e trocando olhares e sorrisos. À frente deles, segue um retratista, com a sua caixa negra, que há quem diga que rouba o espírito das pessoas. Ele segue, andando para trás, numa tentativa de fotografar o casal. Sim, aqui em Paris os artistas fazem de tudo pela sua arte...

Ali, um homem alto, com um casaco até aos pés com uma gola muito peluda, saiu da pastelaria. Tem um ar sinistro. Olha para os que por ali passam, como se fosse detentor de uma altura de pelo menos cinco metros. "Homem do Ministério", é esse o nome que os ardinas lhe atribuem...

Ping, ping, ping... Goteja lentamente da ponta daquela folha, gotas de pranto de aflição... Uma rabanada de vento, abana profundamente toda a cena. Os olhares descuidados dos transeuntes inferem golpes rudes naquelas gotas de ânsia. Ninguém lhes dá valor nem esperança. Não lhes conhecem o sentir e a dor. Ping, ping, ping... Um pequeno pássaro aproxima-se e observa. Não estranha. Acaricia com o bico a folha e, num rompante, abriu asas e voou...

Desta janela, vejo tudo! Reparem como segue sorrateiro, o rosto vai tapado. Quem será a próxima vitima? Nobre senhor, de elegante trato e aspecto, fica por chão. Tinha-lhe sido ofertado por quem muito o admirava, ou simplesmente bajulava. "Longines", inscrito no mostrador de madrepérola, por detrás de um vidro safira com pequenos traços de ouro encrostados... "Assim conseguirei pagar ao Dr. Gaspar as injecções para arrancar o gaiato das unhas da pneumónica". Com duas moedas escondidas na mão, cumprimenta o polícia que vigia a distribuição do açúcar e da farinha racionada, "...já está a contar com isso! Ele e a minha mulher, com o reforço para o conduto dos gaiatos..."

Desta janela vejo o mundo...

© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hipócritas...

Abrem os jornais da manhã:
"Chacina em base norte-americana no Texas... Não se sabe o que terá acontecido..."

Hipócritas...

Um homem, militarmente, major; vocacionalmente, psiquiatra; familiarmente, marido e pai; biologicamente, "antropóide sapiens mais"; socialmente, local de despejo de dramas e local de colheita de esperanças e felicidades...

Trinta e nove anos, mata doze colegas e fere trinta e um, só porque os não conseguiu matar. Foi abatido. Não mortalmente. Ponto comum a ele e a todos os colegas que ele atingiu: de partida, novamente, para o Iraque...

Este não é dos que se mataria no final da chacina!

Uma base militar, onde permanecem em constante exercício e alerta 50.000 homens, armados até aos dentes deles e dos avós deles, envoltos em drama, honra, vida, droga, manipulação, loucura; é uma verdadeira bomba atómica.

A exposição à guerra e aos seus efeitos, é derradeira na vida de um homem.

Há muitos modos de morrer, e alguns daqueles homens, que já era a enésima vez que iam para o campo de guerra, e cujos olhos e cérebros lampejam horrores impensáveis, que ficaram gratos ao major médico, que num acto de perfeita eutanásia, os brindou com o fim do sofrimento, tal qual cadáveres sem vida própria digna.

Matar-se no fim? Não! Um homem assim, não se mata no fim... Um homem assim, tem muito claro na sua mente que tem de libertar os seus companheiros. Um homem assim, já escutou, lidou e teve de compreender, as maiores barbaridades que chegam a ser difíceis de imaginar, e quer cá ficar para gritar porque razão o fez.

Quanto? Não! Muito mais! Muitos anos, e centenas de centenas de histórias e de sofrimentos e de esventramentos da alma e arrancamentos de corações, sendo obrigado a permanecer vivo e a corresponder com o que se espera dele.

O contacto permanente com o sofrimento alheio, é corrosivamente destruidor. A guerra tem consequências incalculáveis.

Este homem, socialmente pode ser um criminoso, mas este homem é um fruto da guerra com o discernimento esmagado pelo sofrimento atroz...

© Mário Rodrigues - 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

...os últimos anos da vida de um homem...

Nestes dias, por aqui, muito se tem falado de um assunto muito importante e sério. Quase que é difícil aborda-lo dada a sua complexidade e multiplicidade de vertentes e realidades.
A velhice, ou antes os últimos anos da vida de um homem, e claro está, falo obviamente e igualmente dos últimos anos da vida de uma mulher.
Em primeiro lugar vou tentar identificar os diversos intervenientes e interessados neste processo e nesta realidade, sendo que posteriormente tentarei reflectir um pouco, sobre cada um deles.
Bem, para já lembro-me de:

• O indivíduo (que não tem de ser obrigatoriamente velho)
• O filho(a), ou o que resta dele
• A família, ou o que resta dela, ou outra coisa ainda que não se sabe exactamente que é
• Os centros de saúde e hospitais na qualidade de prestadores de cuidados de saúde
• As igrejas e as religiões
• Os “lares”
• O estado e os governantes
...De momento não me lembro de mais nenhum...

Pois bem, então vamos lá.

O indivíduo... O indivíduo tem, antes de mais, de querer e se deixar tratar e cuidar, conheço vários casos em que a prepotência e de falta de humildade, inviabilizam qualquer possibilidade de ajuda. O indivíduo, apesar de se esquecerem disso é uma pessoa, como tal, pensa, vive na verdadeira acepção da palavra, com todas as componentes dessa vida, gostos, direitos, opiniões, deveres, personalidade, sexo e repito sexo, história, passado, presente e também, sim, também tem futuro… A ideia de criar uma sociedade paralela, tipo prateleira, para o pessoal velho e outros, foi a pior dos últimos milénios! Permitir que isso renda bastante dinheiro a terceiros, é a garantia para a permanência e disseminação da coisa. A idade não pode ser causa de descriminação, mas antes de inclusão e ainda mais ampla... O indivíduo, tão-somente, deseja e tem o direito de ser amado e respeitado, até depois de ter morrido. No entanto devemos envolver os nossos filhos na nossa vida e na dos nossos pais, de modo a que façamos parte do seu projecto de vida, com a dedicação e respeito que temos para com eles. Educar e criar um filho é muito mais que garantir através de muito trabalho, dedicação e ausência, que nada, mas mesmo nada lhe falta, em nenhum âmbito. Menos PSP e mais salto à corda, menos inglês e mais horta, menos vergonha e mais conversas teenager, descer do altar e saber como andam as namoradas e os dramas da menina gorda que antes de cisne é patinho feio...
Com a impressão de ainda muito haver para dizer, avanço para o filho, ou o que resta dele... Se relativizarmos o termo filho, ao fenómeno de uma vida na sequência da união anterior de duas; não teremos muito a dizer...manutenção da espécie e ponto. No entanto, não me parece que essa definição nos baste. Nós, como os nossos filhos e como os nossos pais, somos o resultado, um somatório, de consequências das vivências e das realidades a que fomos submetidos, e devemos ter isso sempre presente, em relação a nós e aos outros. Todos nós temos os nossos dramas, e eles têm de ser respeitados pelos outros. Muitas vezes esse resultado vem a mostrar-se, desolador, revoltante, injustificado, inesperado mesmo, ou pelo contrário mas também; mas sê-lo-á?! A colheita das tempestades na volta da sementeira dos ventos, poderá deixar algum sabor menos agradável na boca... Não me atrevo a atribuir culpas absolutas aos filhos e ou outros por detrás, e também por dentro destas realidades. Têm-nas, sem dúvida, mas repartidas. Os filhos dos filhos, os cônjuges dos filhos, as prioridades dos filhos, os problemas dos filhos, as vidas dos filhos, as futilidades ou não dos filhos, o apelo comercial de um mercado muito rentável, o tapar o sol com a peneira e deixar para depois essas coisas, sem a consciência de que, a menos que morramos novos, chegaremos a velhos, um sistema de saúde mal organizado, uma sociedade que ao mesmo tempo que pretende ser de excelência, o é de mediocridade e de abandono após a exuberância da floração da vida, são também cicatrizes e as mãos que vão moldando os caracteres e as vidas...
Com a mesma sensação do ponto anterior, avanço na direcção da família.
Bem, essa é uma instituição em franca decadência! A família é para a sociedade e para a civilização, o que a célula é para a vida; a sua unidade por excelência, e que em tudo a contém!
Muito há para falar e reflectir sobre a família. Considerando o eventual início da família no momento da decisão de viver uma vida a dois, surge todo um universo de realidades a explorar e reflectir. Antes de mais, e correndo o eventual risco de julgamentos por parte de terceiros, tentarei reflectir sobre uma família convencional, cuja união pressupõe uma mulher e um homem, mesmo porque não concebo outro formato. Para começar, (e como já escrevi há dias em “amores descartáveis”), as relações têm tomado nas últimas décadas, um carácter provisório e de fim quase á vista, uma relação em que, desde o primeiro dia se considera a possibilidade de se descartar logo que deixa de ser uma louca paixão... Poderá parecer uma opinião redutora e retrograda e sinónimo de insensibilidade, mas á precisamente o contrario. Ninguém pode viver a ponderar a morte, não se pode amar tendo em conta a traição, é impossível a entrega total quando se não é proprietário. As relações conjugais carecem de capacidade de ambos os elementos, para evoluir juntos, para se respeitarem nas diferenças, para chorarem muito e rirem bastante mas juntos, para reconhecerem não ofuscados as virtudes e os defeitos um do outro, para se separarem e descolarem definitivamente dos aconchegos dos ninhos parentais, para dialogar em vez de calar, e digo dialogar, não gritar, para não deixar assuntos a meio, com pontas pendentes, para ser e responder pela verdade e pela sinceridade, para tantas outras coisas que infelizmente, cada vez vou vendo menos nos casais de hoje. Ambos têm a obrigação total e imponderável de tornarem as suas casas no seu lar; a nossa casa só pode ser o nosso porto de abrigo, o cais onde atracamos depois de enfrentarmos as tempestades dos oceanos profundos das nossas vidas, o local para onde corremos quando queremos rir, mas também quando queremos chorar, um local onde não há cedências mas sim espaço para ambos, onde acima de tudo haja muita, mas mesmo muita vontade de ser feliz, e de lutar e sofrer por essa felicidade. Vejo muitos sofrimentos neste mundo por causas tão relativas, será que a nossa família e a nossa felicidade os também não merecem? São muitos os sofrimentos de homens e mulheres, não só para subirem Everestes e Kilimanjaros, para correrem dezenas e centenas de quilómetros por uma medalha, mas também para chegarem a horas aos empregos, diariamente, de quem dependem, para serem profissionais e bons no que fazem, enquanto se preocupam com a renda da casa, com o imposto para pagar, com a doença do filho e também do pai, para terem alegria e frescura para receberem o cônjuge no regresso ao lar, para terem braços e coração para apoiarem e chorarem com o outro nas dificuldades... Tenho visto atletas, de uma grandeza e de uma competitividade imensa; gente que ama a vida e quer fazer dela, única e grande! Esta gente, estes pares, são ninhos de veludo para acolherem novas vidas. Pois sim, neste ambiente, um filho desejado e planeado, rebenta como uma semente bruta em solo fértil, sem medos, sem receios, sem dúvidas porque acima de tudo vêem uma campânula aberta, como se de um estádio se tratasse, que os braços e os cuidados dos pais constituem, e lutam para manter e renovar todos os dias e a todas as horas. Fácil? Nada disso! É mesmo muito difícil! Mas é muito bom, mesmo muito bom!
Um crescimento e educação que contemple o convívio diário e em ambiente familiar das nossas crianças com as realidades e do envelhecimento, parece-me imprescindível para que as coisas mudem de trajectória. As circunstâncias, e não só, porque até as habitações conspiram contra a família, têm feito com que os velhos das famílias se tornem em restos de uma civilização que tudo consome. As nossas crianças, cada vez menos, têm a noção de velhice, não sabem como as pessoas envelhecem, das peripécias e das realidades que envolvem a velhice. Um avô a envelhecer na nossa casa, no seio da nossa família, tem vantagens incalculáveis... Os nossos pais, contidos nas nossas vidas, demonstram a continuidade das vidas e das gerações. Conheço crianças que infelizmente não são poucas, que quando questionadas acerca dos seus avós em idades muito avançadas, me dizem “são velhinhos, que têm um cheiro esquisito, e que têm umas conversas que não se percebem”, e que elas vêem uma ou duas vezes por mês, se insistirem com o pai/mãe, “lá numa casa grande onde estão outros velhinhos como eles...” Depois, um dia viram os pais vestidos com roupas escuras e de óculos pretos, com uma cara estranha de aborrecimento. Ficaram em casa de uma vizinha ou de um familiar, ou foram para um dia de actividades culturais muito respeitosas, que as agências funerárias organizam, para ocupar as crianças, durante o período em que se desenrola as cerimónias fúnebres, com o objectivo de não chocar as crianças com a realidade da morte e com a dureza do momento... A cremação apaga definitivamente aquela existência, garantindo que até o trabalho de uma visita aos restos mortais, se torne “higiénica”... dizem... As nossas crianças, são privadas de amar e conviver, com os nossos pais em ambiente familiar, e de se envolverem no envelhecimento e na morte dos nossos pais. Lembro-me perfeitamente de dar comida á minha avó materna, de falar com o meu avô paterno na minha casa (dos meus pais), lembro-me de dar passeios com o meu avô paterno, e de ele me contar historias que mais me pareciam de super-heróis “paleolíticos”, bem como do degradar das suas saúdes e dos dias em que a morte chegou... Na melhor das hipóteses, estamos a criar crianças que ainda que quisessem, não sabem o que fazer com um velho, como se pode e deve lidar com ele e como ira ser a vida com ele por perto... Quanto muito, farão connosco o que viram fazer, quando os nossos pais ficaram com as suas idades avançadas e precisaram dos nossos cuidados... Irão pôr-nos lá nos lares, como se de antecâmaras de morte se tratasse... A velhice e os velhos são vergonhas que embalamos em caixotes e colocamo-los nos fundos das garagens das nossas vidas, esperando que uma qualquer limpeza, os atire definitivamente para o lixo. As nossas famílias nem sempre são os nossos lares, nem dos nossos filhos, muito menos dos nossos pais.
Bem, cá estou eu; hospitais e centros de saúde... Onde me fui meter!!

“Queria de ti um país de bondade e de ternura!
Queria de ti um mar de uma rosa de espuma!...”


De: Mário de Cesaryni de Vasconcelos

Os centros de saúde o os hospitais, deveriam cuidar e tratar quando de tratamento e cuidado é carente, se no hospital no hospital, se em casa em casa. Muito importante a reter a e não esquecer.
Os centros de saúde, nas pessoas dos seus médicos de família, e não vou cair na tentação fácil de dizer mal dos maus, porque esses existem em todo lugar, são locais que têm um papel importante e complexo na vida dos velhos. Ali se procuram, não só as curas dos corpos como as curas das almas, os ouvidos que escutam, as palavras que consolam, etc. Os avanços na área da medicina e da ciência, têm proporcionado o aumento do tempo de vida, mas o sociedade não proporciona a manutenção da qualidade da mesma. Esse aumento não é sinónimo de desejo de viver. A tentativa de corrigir constantemente os valores bioquímicos dos indivíduos, levam a aplicação de terapêuticas pesadíssimas do ponto de vista físico e psíquico, e a um sentimento de culpa profunda por terem prazeres na vida que resta. As listas titânicas de doentes a ver, conjugadas com muitos outros problemas, levam a que a classe dos médicos de família, olhem em vez de verem... Alguma falta de sensibilidade do que é a velhice, retira qualidade de vida aos de idade mais avançada. Posso dar um exemplo e de um local e de um profissional que conheço. Na casa de repouso X, a taxa de mortalidade entre os utentes, (o número de residentes é bastante elevado), rondava as 3 por semana/11 por mês, e numa estimativa que se fez de consumo de drogas antidepressivas, ansiolíticas e soníferas, chegou-se á conclusão que 83% dos utentes, recorriam com regularidade a este tipo de drogas e que 56%, era mesmo consumidor diário. Depois de observar, com alguma preocupação, aquela amostra, o médico responsável decidiu em conjunto com a dietista, fazer alterações de ementas e de alguns hábitos. Os almoços de sábado, passaram a ser churrascos de carne ou peixe, mas nas arcadas, com os grelhadores ali á mão para buscar e comer e com acesso a 1dl de vinho tinto, e o almoço de domingo passou a ser numas semanas cozido á portuguesa e em outras transmontanas ou afim, sendo que depois, as visitas semanais eram feitas no pátio e nas arcadas, integradas na tarde de divertimento que incluía dança, teatro, declamação, etc., os dias deixaram de iguais, houve quebra de rotina, os utentes ajudam a organizar o próximo fim-de-semana, e todas as semanas há o objectivo de chegar fresco como um pêro ao próximo fim-de-semana. A taxa de mortalidade, diminuiu nos primeiros 3 meses para 1,8 por semana/7 por mês e ao fim de um ano para 1,1 por semana/4,5 por mês, e ainda, o consumo das drogas acima referidas passou para 58% de consumo com alguma regularidade e 18% os que consomem diariamente. Eu, talvez prefira viver 80 anos felizes, em vez de 82 angustiados, ou 90 a desejar morrer. Nós, quando tivermos idades bastante avançadas, teremos outras prioridades, que estão bastante longe das de hoje. Devemos nos esforçar para compreende-las assim como fazemos com as nossas crianças, se é que fazemos... Assim, não aumentamos as vidas mas sim os sofrimentos e as angustias. Nos hospitais, para além dos problemas que em parte, apesar de o carácter ser diferente, são idênticos aos dos centros de saúde, acrescem outros. As taxas de ocupação das enfermarias, atiram para a rua, pessoas que ainda se encontram muito instáveis, por vezes, felizmente a maioria, o regresso a casa e ao meio acabam por proporcionar a estabilidade, no entanto o número dos outros também não é pequeno... Para juntar a isso temos o fenómeno que consiste no facto de existirem pessoas que têm alta hospitalar à meses e até á anos, mas que ninguém as vai buscar ou visitar, e mais, todos os anos nas vésperas das festas anuais como as passagens de ano, pascoa, carnaval e mesmo natal, são internadas, ou melhor dizendo, abandonadas dezenas de pessoas nos bancos de urgência dos hospitais, ou com queixas altamente empolgadas, ou com situações de desespero psíquico, que são recolhidas, quando terminadas estão as festas. É prático, é fácil e é vergonhoso. Mesmo porque cada vez que se entra num hospital, as probabilidades de adoecermos aumentam a cada minuto que lá permanecemos, o que naquelas idades, é muito perigoso.

As igrejas e ou religiões, desempenham papeis em duas vertentes fundamentalmente; criadoras e disseminadoras de lares e afins e enquanto instituições religiosas e ideológicas, que é a vertente sobre a qual irei reflectir agora. Independentemente das fés que aclamam, das legitimidades e dos fundadores e até mesmo dos fins, têm um papel muito importante do ponto de vista social. De algum modo, estas instituições podem dar e transmitir, ou pela mensagem ou pelo apoio a causas, sensações de compreensão, bem-estar, objectivos e esperanças; transmitem razões para continuar a querer viver e lutar por isso. Envolvem as pessoas em projectos de caris voluntario ou não, mas que fazem as pessoas sentirem que têm um papel a desempenhar e que fazem falta na sociedade e á sociedade. Só neste sentido, estas instituições evitam que milhares de pessoas se afundem nas toxicodependências legais em que se tornaram os medicamentos, e que entopem os serviços de psiquiatria e psicologia dos hospitais, bem como os médicos de família nos centros de saúde.

Lares, casas de repouso e afins, e centros de dia. Antes de mais, quero separar os centros de dia das restantes valências. Penso que, os centros de dia, desde que projectados e mantidos com os devidos cuidados, podem ter um bom papel na sociedade, como têm o jardim-escola e o ATL (actividades em tempos livres), para as nossas crianças; principalmente se são necessários cuidados e vigilância suplementares devido ao deteriorar do estado de saúde. No entanto, e tal como nos J.I. e nos ATL, o problema é quando esgotamos completamente os horários; se abre às 7.00h, é às 7.00h que entra, se é às 20.00h que fecha é a essa hora que sai, ainda que os pais ou os filhos estejam em casa e até pudessem estar com eles. Quando fazemos isso com um filho, ele fará isso connosco no centro de dia. Mais uma vez, este problema não pode ser visto pelo lado das obrigações mas antes pelos princípios de respeito e do desejo de reunir a família logo que possível. Assim entendo que os outros locais de internamento, apesar de se chamarem muitas outras coisas, são e estão por princípio mal. Acho principalmente que são uma sociedade paralela com realidades á parte e que desconhecemos, não as querendo conhecer. Ouço por vezes idosos a dizerem que “logo que chegue a minha altura, vou para lá espontaneamente, porque é o melhor para mim e para o meu filho”; bem sei que na maioria dos casos mentem, e mentem por razões óbvias. Antes irem que serem levados, ou seja, porventura será o seu último acto de liberdade (como se ela existisse), ou até talvez uma questão de dignidade própria… pelo menos não terão de, envergonhados e tristes, admitirem para consigo e para com os outros que “tenho uns filhos de merda que me enfiaram num asilo”. “Fui eu que escolhi, e vim!”. Quando a mim, acho que esse á só o principio do fim. Quando era pequeno, recordo-me de, muitas vezes e em muitas ocasiões, ouvir uma história que me diziam ser verdadeira, em que se relatava que um dia, estando um homem já muito velho, e de acordo com a tradição, o seu filho acompanho-o ao cume da montanha onde era costume os velhos serem deixados nos fins das suas vidas. O velho trazia com ele um pão, um pote de mel e uma manta. Ao despedirem-se o velho agarrou na manta e rasgou-a ao meio, dando uma metade ao filho dizendo, “toma e leva para que tenhas com que te tapares um dia quando vieres para este mesmo local”, trazido pelo seu filho, neto do velho… A tradição terminou nesse dia, e o velho envelheceu no aconchego do lar, junto dos netos que o viram morrer…

Os lares podem ter vários nomes; casas de repouso, hotéis sénior, resort do descanso, podem cobrar mensalidades que vão dos 500.00€ aos 4.500.00€, (sim não me enganei no número), podem ter massagens, biblioteca, jardim, golfe, restaurante e médico ou tão simplesmente uma tábua para morrer, mas são e serão sempre o cume da montanha de um velho; e eu não gostaria de para lá ir. A alta rentabilidade do negócio tornou-o apetecível e os locais nascem como cogumelos sobre a matéria orgânica morta, que é a família. Conheço-os muitos e de muitos géneros, bons, maus, limpos, sujos, cuidados e descuidados, apetecíveis e nojentos, mas deveriam ser sempre de ultimo recurso, e só para órfãos de família, gratuitos (suportados pela sociedade e pelo estado que somos nós). Repito os “lares” não são nenhuns lares e por principio, estão mal e a sua utilização actual está errada.

Agora, o que me falta? Deixa-me cá ver! Há, governantes!... Os velhos em particular, não são vistos de modo especial, nem diferente do resto dos portugueses; rentabilidade!
Enquanto criança, acelera-se o crescimento para rapidamente se transformarem em contribuintes, enquanto contribuintes, exploram-se até aos últimos suspiros, enquanto velhos, quanto mais degradada for a vida, mais rapidamente desaparecem, aliviando as seguranças sociais e os ministérios das saúdes e afins com os seus consumos sem qualquer rentabilidade… Sinceramente, acho que nessa matéria, possivelmente não iremos melhorar muito, mesmo porque os governantes já de hoje e os de amanhã, nasceram e cresceram em uma sociedade paralela onde não existia velhos; pelo daqueles que cuidamos em casa, simplesmente porque são nossos pais, gostamos deles e são os nossos pais e avós, são os patriarcas e as matriarcas dos nossos clãs… Tenho a ideia que a principal causa das politicas sociais estarem mal é o facto de se não saber exactamente o que constitui e como se constitui a sociedade…

Realmente, constato que a sociedade tem muito para aprender acerca deste assunto. No tempo dos nossos pais, os filhos, eram encarados como mão-de-obra barata, necessária para a agricultura e não só, com poucos cuidados e preocupações, tinha-se grandes quantidades de filhos, sem que eles e as suas educações fossem causa de grandes preocupações. As crianças nas últimas décadas, tornaram-se muito importantes nas vidas dos pais desta sociedade, assumindo um papel central, mas não muito… Os pais até os querem seguir mesmo depois de formarem as suas pequenas famílias. Nem os pais nem os filhos, estão muito interessados em reflectir no facto de ambos sofrerem mudanças físicas e psíquicas naturais e progressivas, decorrentes da existência e que não pedem licença para chegarem e se instalarem. Assim, o ambiente é geralmente de incompreensão, de increspamento e de intransigência. As vidas modernas e os seus problemas crescentes, vão fazendo com que os filhos também deixem de fazer parte das vidas dos pais, aliás conheço casas onde habitam os pais e os filhos, mas em que ninguém faz parte da vida de ninguém, limitando-se a partilhar espaços e a cruzarem-se, não se conhecendo, não se ajudando, não partilhando, não rindo e não sofrendo juntos… Os pais não têm tempo para os filhos, o pai não tem tempo para a mãe nem vice-versa, os filhos não têm tempo para os pais nem para os avós, os filhos não têm tampo para os velhos e estes por sua vez têm tempo, mas não têm ninguém. As crianças têm de ser envolvidas em todo o processo de evolução e desenvolvimento de todas as fases da vida e da família. As famílias têm de ter um lar. As famílias têm de ser uma célula forte e coesa, onde exista amor, respeito mútuo entre os elementos, entrega, muito bom senso e compreensão. O elementos mais velhos da família devem ser encarados como os patriarcas e matriarcas dos nossos “clãs” e em redor dos quais as famílias se devem reunir, na sua diversidade de pequenas células familiares que entretanto se foram formando. Os patriarcas e matriarcas, devem marcar as suas posições de tal, demonstrando e relembrando que o são e não se divorciando desses seus direitos que ao mesmo tempo são deveres. As crianças devem ter conhecimentos empíricos, sobre a velhice, o que é envelhecer e a morte natural pela soma dos anos de vida. As famílias têm de lutar por serem felizes juntas; se não temos tudo o que amamos, amemos tudo o que temos… Os actuais contornos do envelhecimento são muito preocupantes, mas podemos alterá-los, e sermos muito felizes com as alterações. Todos temos um papel muito importante neste processo, de que não podemos prescindir. Gostaria muito de ver os velhos respeitados, porque uma sociedade que não respeita e acaricia as suas crianças e os seus velhos (nas suas qualidades de, futuro e de sabedoria respectivamente), não tem futuro e perde o seu passado, logo se descaracteriza e perde razão para existir. Em culturas supostamente mais evoluídas, estes processos levaram ao auto extermínio e ao desaparecimento.

Será o futuro da nossa?

Seremos nós simples organismos multicelulares, cuja função única e primordial é a manutenção dos genes…

© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Cinema Paraíso

Há já muito que tenho a sensação de ser o menino, “cinema paraíso”. Por detrás dos cordames que sustentam os cenários de um palco vital, vou espreitando... Ora curioso, ora envergonhado, ora indignado... De quando em vez, chamam-me ao palco. São necessários aplausos para se encha um qualquer ego, insaciável... Os actores, esses representam uma comédia trágica que os contem em si mesma. De fora tenho a sensação de ser espectador único! Mas não! Vou encontrando outros...

© Mário Rodrigues - 2009

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A excitação de uma noite voraz…

A insónia é fodida. A insónia é como uma lanterna que revela merdas que estão escondidas atrás das paredes, dentro de armários, soterradas debaixo de montanhas. A insónia, tenho a certeza que não é uma criação de Deus… A insónia não é nossa amiga. O que não acontece com a excitação de uma noite voraz…

© Mário Rodrigues - 2009

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