sábado, 3 de abril de 2010
Era uma cidade. Penso que o era...
Era uma cidade. Penso que o era. Não vi pessoas nas ruas, apenas um gato castanho e uma bola de couro que corriam à frente de duas crianças. Dois garotos vestidos com uma casaca castanha, uns calções e um boné...e calçavam umas botas até ao tornozelo. A cidade era esférica. Os prédios periféricos eram curvos, as ruas muito estreitas, tão estreitas que um dedo mindinho cortaria a passagem a um incauto transeunte. Era curiosa a maneira como escorriam as águas nas fontes; caiam das torneiras para o céu! Alias, agora que recordo, na porta de uma loja pendia na direcção dos astros uma placa que dizia "Joseph Smith & Nephew".
Os movimentos, naquela cidade, eram furtivos. As casas eram muito estreitas, quase do tamanho de caixas de fósforos. Erguiam-se muito alto e tinham telhados pontiagudos. No vértice de um cone terminava uma torre, que tinha uma altura impressionante, parecia um lápis, existia um cata-vento, um galo que girava sem parar...parecia...claro se a cidade é esférica, os ventos são circulares! No entanto, ele tinha a seus pés os quatro pontos cardeais! Onde estaria o Norte? Nor-Noroeste? Se ele girava sem cessar...
Escuta-se um trinado de máquinas de escrever a martelarem com os seus pequenos punções as folhas alvas de papel.
As coisas estão todas penduradas para cima! Reparo mais uma vez ao ver umas calças estendidas numa corda minúscula... O que terá acontecido à gravidade neste local? Terá um criador sido vitima de conspiração e na sequência dela mesma ter condenado injustamente esta cidade a uma gravidade inversa? Terá o cosmos invertido o sentido das forças físicas em mais um dos seus caprichos? O cosmos tem caprichos?
Esperem, reparo que toda a cidade está na realidade numa posição invertida! Claro, isso explica tudo! Assim as coisas fazem sentido.
Sinto-me emocionado com a grandeza e complexidade desta cidade. Não consigo, apesar do esforço, conter as lágrimas...elas brotam dos meus olhos sem respeito pelo meu constrangimento...elas brotam e escorem-me pela testa até pingarem dos fios do meu cabelo...
© Mário Rodrigues - 2010
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Recordações,
Surrealismos
4 comentários:
…Escrevo, principalmente, por falta de espaço dentro de mim para tantas emoções e tão grandes, para mim. Nos comentários, fico com a sensação de que os pingos de emoção que transbordo, caiem em "terras fecundas" e coadjuvam o nascimento de novas emoções, produzem opiniões, contra pontos e desafios… E isso, isso é “geleia real”, para as nossas vidas…
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Que bonito! :)
ResponderEliminar(adorei o texto. Parabéns.)
Olá linda!
ResponderEliminarSão os teus olhos que vêem a beleza. Obrigado por me leres.
Um beijo
Eu disse que cá voltava...
ResponderEliminar(Tarde, chegas tarde... Alguém disse um dia...)
Mas sempre fica para a posteridade que achei este um dos melhores textos que tenho lido. (Pronto!)
Como obra de arte que é interioriza-se e provoca sensações pessoais e intransmissíveis. O surrelismo tem a faceta abstracta que nos deixa sempre com vontade de dizer coisas grandiosas. É um erro. Para mim seriam dois, porque não sei falar em grande. Por isso não me vou estatelar nem tecer considerações fastidiosas e torpes.
Abraço!
Tarde...é nunca chegar! E mesmo assim...
ResponderEliminarÉs grande!