sexta-feira, 30 de julho de 2010

Hoje, principalmente, a "Conversa da treta" continua!...

Muito obrigado António...
Até sempre!...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Só posso cheirar muito mal!...

Ontem, enquanto carregava uma considerável quantidade de caixas nas mãos, ia a entrar para um dos edifícios em pleno "Marquês do Pombal", no centro da cidade de Lisboa, quando o sapatinho do menino escorrega na pedra polida do degrau da entrada, e eis que, o menino dá três piruetas e dois mortais, estatelando-se no meio da bela calçada lusitana, rodeado de trinta e seis pequenas caixas de cartão.
Se é certo que efectivamente de modo algum me magoei, também é certo que o máximo que obtive dos vinte ou trinta compatriotas que assistiram ao número de circo, foi umas risadas e uns chutes numas caixas que ficaram a estorvar o esvoaçante andar de uma bela menina. Ninguém, mas rigorosamente ninguém, esboçou o menor gesto de ajuda a levantar-me ou a apanhar as ditas caixas!...
Isto só pode querer dizer uma coisa... Só posso cheirar muito mal!...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Para mi niña Lita del Carmo



Já a feiticeira Lua espreitava quando de ventre de mãe "jorraste". Senti-te a chegada no clamor da vitória...

Qual gata independente dengosa exibes teus olhos negros de menina
Águas fartas selvagens caídas, teus negros cabelos, fios de vida e de força

Mi niña...mi niña...

Rio de esperança, irreverência pura
Firmamento de estrela das noites de Sol

Em ti trina cordas de aço às mãos de...um alegre cigano
Não deixes que de teus olhos saia a alegria

Rosto pleno, toque veludo, morena cor
Não deixes que de teu corpo saia a primavera

Não deixes que jamais me não lembre o que sentia

Mi niña...mi niña mia...
Mi niña...mi vida...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Voavam vindos...do sul...

Voavam vindos...do sul...ou talvez mesmo de norte ou do leste...
Voavam; companheiros, guerreiros e amantes...
Voavam por entre brisas que os acariciavam como mãos "voludas" de mãe mulher... Terna fúria de ventre quente...de mãe querida e desejosa!
Voavam, voavam...voavam...voavam...
Tão perto, ao longe; terra imensa doçura plena no coração uma estrela fez brilhar...
...juntos num só encarnaram num novo voar!
Rebelde e audaz de rompantes enérgicos que em picados voos aterrorizava os pedaços de terra saltados no encalço de tal fúria de vida. A vida estava-lhe nos caninos como faca exibida e rosa rubra afrontada...

...Tinham voado até ali... Agora com urgência viam as habilidades exuberantes e perigosas daquele raio de vida... Raio bento de desconhecimento da dor das veredas cravadas no dorso e na alma...

...Mas isso agora nada importa! O raio de vida, por eles encarnado num novo voar...voava, voava, voava...voava...

© Mário Rodrigues - 2010

domingo, 18 de julho de 2010

Resposta de Cybe a Aviãozinho de papel...

Este, é um texto publicado pelo meu amigo CybeRider em "O primeiro voo do albatroz", em resposta ao meu anterior. A importância e o valor humano e sentimental dele, exige que eu lhe preste honra, publicando-o aqui no Recanto. Entendo que estes dois textos, o meu e posteriormente o dele, em conjunto formam uma grande interrogação à existência do homem.


"Ao Mário Rodrigues que encontrou um aviãozinho de papel


Um dia peguei nele e deixei-o sozinho no meio do mundo.


Já não havia a minha força a embalá-lo e a subtraí-lo à chuva. Voltei para as coisas, simples, pequenas e fugazes, como penugem, a recordar-me que todo o significado da minha vida estava ali para trás, a cada metro de cada quilómetro que ia somando a noite à distância, se pudesse ter olhado para trás já não o veria, nem conseguiria prosseguir. O caminho árduo que conduzia ao meu destino embaciava-se agora com frequência. Finalmente parei, a uma distância que, por segurança, já tornava difícil o retorno. Parei, esfrangalhado.


Foi assim que ele abriu as asas e voou, pela primeira vez. Foi dos dias mais tristes da minha vida, e no entanto a felicidade teria mais lógica, a irracionalidade é por definição inexplicável. Ainda sinto que fui eu quem o empurrou do penhasco, embora todos me digam que não, que aquele acto de pura loucura foi o que havia a fazer, que isso era o bem, a norma, afinal . As asas, essas, eram só dele. A fé no seu voo terá sido minha, minha... Que nem sou um homem de fé. Onde arranjei a coragem? E se ele, a meus olhos implume, não tivesse conseguido? Que tremenda imprudência! A única, a fundamental. Todas as outras são brincadeiras a comparar com aquela cedência que cumpri sem reflectir. Se reflectisse ele não voaria, talvez nunca, e um dia já não saberia voar sozinho.


Mudou-se o centro do universo, que antes via agarrado ao meu umbigo, mas agora só posso imaginar. As primaveras deixaram de ser só uma vez por ano, mas os invernos também. No entanto recordo que também eu abri um dia as minhas asas frágeis e me atirei desse penhasco, esfrangalhando, como compreendo agora, tudo e todos.


É a sina de quem não conseguiu transformar o mundo num lugar seu, de quem se limitou a construir um pequeno quadrado inóspito e dependente. Culpei-me, naquela paragem forçada, por cada passo mais imprudente e por cada decisão mais conformista e inerte. Se, se, se... Tantos ses que me davam a possibilidade daquela partida precoce poder ter sido adiada, e todos a colocarem-me no cerne daquela consequência. Nenhum sofrimento por antecipação que me tenha ocorrido me aliviou sequer um pouco do peso que, embora não se compreenda, acaba por se carregar, porque deriva de termos falhado na conquista suficiente do reino onde a nossa lei seria a medida da protecção que queremos para o nosso clã, que entregamos assim aos verdadeiros senhores do universo, e às suas questionáveis leis, que nos submetem também a nós.


Compreendo que é essa vassalagem que me consome, como nem consumiu Abraão ao entregar o seu filho a um deus. É uma troca injusta porque nada tenho a pedir que me sirva, nem protecção divina que houvesse, porque toda a que quero é só para ele, nada justifica tamanho desequilíbrio. Naquele momento entreguei ao incerto o somatório de tudo o que fui e a continuidade que justificará, para o bem ou para o mal, o pó em que me tornarei.


Passa um ano e outro, cada um não me apazigua a saudade que sinto de cada vez que ele inicia um novo percurso, ainda no momento da partida; nem o temor do momento em que o vejo tentar cada nova aterragem por que anseio, ainda bambaleante, depois de cada longa permanência perscrutando o céu infinito, que apenas adivinho.


Voltando ao ponto de partida, é a penugem que já não consigo olhar. Tudo permanece como que a aguardar que o tempo se inverta e que ele volte para brincar com as quinquilharias desvalidas que para mim são autênticos tesouros, fechados naquela arca, que chegou a ser um quarto, agora mero poleiro, de onde desejo, com frequência, perder a chave de vez.


A esperança que resta é de que a sua liberdade, que muito me apraz, lhe dê, a ele ou aos descendentes, a possibilidade de zelar melhor pelos seus e pelo seu universo, para que não tenha de abandonar um dia no meio do mundo alguém que seja parte integrante de si. Mas sei que peço o inexequível.


Sendo essa provação absoluta e incontornável, sei que no dia da dele, esteja eu morto ou vivo, também assim me realizo.


© CybeRider - 2010"

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Uma grande festa, nas terras destes lados...


Nas terras destes lados, foi organizado um festim com o intuito de me imolarem.
No entanto, esqueceram que o candidato a carcaça teria de estar presente.
Toda esta cerimónia foi preparada há já alguns tempos, mesmo antes de eu nascer. Incauto transeunte, fui rematado por poucos cobres e nem uma vénia me fizeram.
Não me ofereceram o cachimbo da paz, ainda que cianeto houvesse na fornalha.
Com escárnio me foram entregando as charretes para que gentilmente as arrumasse.
Em todas as nomeações fiquei a ver de fora, das mesas nem as migalhas me tocaram e só sou escutado no fio da faca.
Escroques mostrem os vossos rostos, digam quem são os responsáveis por nós vivermos assim!
Déspotas, escancarem as vossas tramas expliquem as vossas manhas e os que com elas beneficiam!
Nas terras destes lados, dancei na mesa nu e na liga não obtive notas.
A mim não me subornaram, nem em troca de traição no terreiro fui aclamado.
Pelo preço do pão dos meus filhos querem que como um cão marioneta, abane a cabeça que sim.
Quem são vocês, os filhos de mães gentis criadas, que das entranhas tais merdas pariram.
Pois então podem-se preparar para no festim a carniça disputarem com olhos que nunca viram.
Não esqueçam no entanto, que muito antes do meu pranto, já os vossos companheiros com os olhos cravados nos vossos lombos, o vosso couro pedirão.
Escroques mostrem os vossos rostos, digam quem são os responsáveis por nós vivermos assim!
Déspotas, escancarem as vossas tramas expliquem as vossas manhas e os que com elas beneficiam!

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Aviãozinho de papel...


Apesar de muitas vezes o procurar no meio dos outros discos para ouvir, não era o caso de hoje. A Jukebox estava em modo aleatório e a música anterior tinha sido Led Zeppelin. Estava a cantar Antony and the Johnsons e eu estava a arrumar um monte de papeis que pediam organização há já alguns tempos... No meio da papelada, apareceu-me um aviãozinho de papel. Uma folha de caderno pintada com lápis de cera às riscas e quadrados de muitas cores... Peguei nele e abri-lhe as asas, no interior tem escrito...
"FELIZ DIA DO PAI"
Suou-me como se fosse um grito...
...Sem qualquer controle saltam-me lágrimas dos olhos! Choro quase compulsivamente! Penso que...parece que sou parvo!... Tenho os meus filhos na sala do lado, autores desse mesmo avião, saudáveis e felizes e choro porquê?... Depressa descubro que choro só porque gosto deles e sei que um dia terei saudades deles, por qualquer razão normal das nossas existências. Nesse dia, decerto que lamentaria não ter guardado este aviãozinho de papel feito de uma velha folha de caderno e pintada a lápis de cera... Assalta-me a mente um pensamento! Os meus pais, saudáveis e felizes que estão, terão com eles algum aviãozinho de papel que um dia eu tenha feito? Porque saudades eu sei que eles têm, seja por horas ou dias como eu, mas...
...está a cantar a Lina Avellaneda; um belo tango...como a vida...

© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 10 de julho de 2010

Nas viagens desconhecidas...


Nas viagens desconhecidas, pergunto-me como será por lá enquanto estou cá. Ansiaria eu que um abraço apertado me esperasse à chegada. Ir sem saber para onde, tem tanto de tentador como de...fio de lâmina fria em dorso hirto. A possibilidade de me ser permitido arrepender e voltar para trás poder-me-ia acalmar. Todos os dias no cais de um porto de mares conturbados, o ciclo ininterrupto da vida não pára com pessoas a chegar para ficar e outras a partir para não mais voltar. Alguns embarcam mas queriam ficar, outros queriam ir mas cá terão de estar. Alguns acabados de chegar, com medo querem se ir, são recebidos por outros a sorrir. Alguns estão só a observar, outros limitam-se a, no cais em círculos, caminhar. Há mesmo alguns que ninguém os recebe e ficam a chorar. Vejo neste cais a azáfama de chegar e partir como pontas de uma mesma viagem que muitas chegadas tende, como tantas partidas terá. A barcaça que está a chegar é a mesma que vejo já no horizonte de partida. O momento em que a prancha a liga ao cais alia as chegadas às partidas, os risos aos choros e as euforias às despedidas. Eu sou só mais um destes viajantes, sem saber o ponto em que me encontro. Quero ter acabado de chegar estando pronto para a partida...

© Mário Rodrigues - 2010

A dama de... veio ao BO...


Esta madrugada a cena repete-se... Não! Não é a segunda, nem terceira, nem...
Volto a dar um pontapé no puzzle que se vai montando muito lentamente e por em causa coisas que nestas alturas doem de um modo profundo e prolongado...
No entanto desta...algo foi diferente!...

Tudo corria na aparente normalidade rotineira, bom clima, bom texto, escrita porreira... Ouvia-se “Ana Moura”…… 45 minutos. Paragem. Rea.30 minutos. Paragem. Rea, e,e,e…….Instala-se o caos sincronizado e normal para o caso, pressinto uma presença!... Já vi este filme!... Sinto-me estranho e procuro a "dama de negro flutuando…" os movimentos tornam-se perpétuos, e estranhamente retardados. Vejo um rosto, entubado, esboçar uma impossível expressão sorridente!?...

Sem qualquer pudor arranca-nos das mãos o seu tributo…

Mas não foi a "dama de negro"!... Fosse o que fosse era branco! Muito branco! Equacionei a possibilidade de se estar a ver alguém a chegar! Alguém de quem se tinha muitas saudades e se estava muito feliz por voltar a ver!...
Hoje não sei o que lhe chamar…depois; a cruel trova do…”hora do óbito: quatro horas e dezoito minutos do dia………..” Hoje vim para casa e não fiquei a andar pela cidade vazia com as janelas abertas…outra vez.

Estes anos...

© Mário Rodrigues - 2010

A outra dama: http://recantodossuricates.blogspot.com/2009/07/dama-desceu-ao-bloco.html

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Mas... O que eu gosto mesmo é...


Mas... O que eu gosto mesmo é de Dodó!...

Principalmente se poder contar com a companhia do Anthony Hopkins e assentados debaixo de uma alfarrobeira conversarmos de temas que nos são queridos como a constituição fecal dos ornitorrincos dois meses após o cio... Já sei que Santo Anselmo vai argumentar que duvida que esses bichos tenham tal coisa... Ainda se fosse um desejo inexplicável e incontrolável que os impulsionasse a perpetuar a espécie!...

Epá!... Está bem!...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Os que da escrita se enamorarem...


Tal não poderia continuar! Tigre e Eufrates eram testemunhas de que algo teria de mudar... A primordial idade Suméria exigia que por terras da Mesopotâmia uma nova aurora aparecesse...

Enlil, senhor dos ares, ainda sem esposa, um dia vislumbra a beleza sedutora de um corpo de mulher. A deusa Sud.
Os seus longos cabelos e formas belas logo despertaram em Enlil o desejo de a desposar. Ao pedido de que o seguisse, Sud responde prontamente que não.
Enlil compreende então que Sud não prescindiria de um pedido público e formal de casamento, em que todos os Suméris fossem testemunha.
Nusko, obediente e dedicado pajem de Enlil, sai em busca da mãe da jovem deusa com o objectivo de lhe transmitir o desejo de seu amo.

- Pois sabei, senhora, que meu amo o grande deus Enlil, pretende desposar sua filha a deusa Sud. Se assim acontecer, ela viverá com ele no palácio, sendo que a ela pertencerá o poder sobre o destino dos homens e distribuirá os poderes pelos deuses. Terá o nome de Ninlil e o amor por ela será entregue.

Tendo a mãe de Sud consentido o casamento, Enlil, felicíssimo, envia centenas de presentes à sua noiva Sud.
Elefantes, ursos, e cervos, vacas, ovelhas e macacos, gazelas, carneiros e auroques, atravessam a cidade num desfile interminável até às mão de Sud, que terna via chegar frutas, mel e queijos bem como ouro, prata e pedras preciosas...
Consumado o casamento e a noite de núpcias passada, Enlil, encantado resolve mais e novos poder à sua esposa dar...

- No dia de hoje começará nova era. Tu, Ninlil, minha esposa passarás a ser a deusa do amor e dos nascimentos, observarás o trabalho de parteiras, cuidarás que nos campos os grãos germinem e de igual modo iluminarás os que da escrita se enamorarem...


© Mário Rodrigues - 2010

Centelhas cintilantes de luz gelada...


Gotas, gotas, gotas; muitas gotas de cristal...

Ontem, sem esforço e pela acção da brisa, acordarei... Acordarei de um sono que nem pesadelos nem sonhos terá. Acordarei suavemente, precedido de uma expiração demorada que culminaria com a inspiração de centelhas de luz branca...no acto de em nada actuar.
Ontem, quando eu despertar chegar-me-ei à beira da pétala única da flor do jarro e de lá, com os olhos fechados, veria o ponto infinito de onde "desconvergem" as centelhas cintilantes de luz gelada. Elas dirigir-se-iam a mim em movimentos cónicos e de trajectória indefinida. Inspiraria, daí, dessa beira, nada porque nada haveria à partida...

Amanhã, quando terminou a noite que não começou, apesar do aparecimento do segundo sol que permitiu o alinhamento aleatório, fruto das regras inaplicáveis, dos astros, eu que era muitas pessoas teria tido a oportunidade de em pequenos actos microcósmicos, prever que um dia assim será!...
As centelhas virão até nós e perguntar-nos-ão se o vácuo das nossas vidas teve alguma cor...
...perguntar-nos-iam se está na hora de acordarmos!...

© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

Aviso à navegação...


Este blog é um local que metamorfoseia linhas transversais com outras paralelas das minhas vidas... Assim, sinto necessidade e dever, de dar algumas satisfações às pessoas que me vão lendo neste recanto. As já centenas de post's que aqui vão sendo publicados são geralmente fruto de reflexões minhas, quando assim não é, estão identificados com os respectivos autores. Por hábito e não só, muitos dos meus textos são escritos, estando eu a "tentar" simular uma reflexão de outrem acerca do assunto. Assim, muitas vezes, afirmo, defendo e declaro coisas em textos, que na realidade estão muito longe das minhas opiniões e convicções... Se isso em si já não constituísse um suficiente grau de ambiguidade, também por hábito e não só, o sarcasmo e a ironia proliferam com muita abundância... Chamo a atenção para as etiquetas que em geral dão alguma introdução aos textos. Se objectivo há nos meus textos, ele é sempre interpelar consciências e interrogar, nunca ofender ou desrespeitar quem quer que seja.

Muito obrigado. Mário Rodrigues

sábado, 3 de julho de 2010

O problema é que...


O problema é que tu sorris-me e eu gosto!

Realmente, barbeei-me antes do duche, perfumei-me e vesti uma roupita "janota", preparei-me e saí quando o cão me veio "cumprimentar", e sujou-me todo e deixou-me cheio de pelo e "smell"!
Realmente, encravei-me no meio do trânsito e cheguei atrasado!
Realmente, perdi o "post-it" onde escrevi o local do encontro!
Realmente, quando cheguei ao carro tinha dois pneus furados!
Realmente, está um gelo e parece que as unhas me vão cair!
Realmente, a fazer a barba cortei-me, já sujei duas camisas e ainda está a sangrar!
Realmente, não "engoli o sapo" e por um murro na mesa perdi um bom negócio!
...
O problema é que tu sorris-me e eu gosto!
Vamos ser felizes e ter um pequeno rebanho!... Eu aposto!

Realmente, está montes de gente desempregada!
Realmente, o 25 de Abril podia ter sido melhor!
Realmente, as guerras são sempre uma enorme estupidez!
Realmente, o dez de Junho e o cinco de Outubro são relativos!
Realmente, no autocarro roubaram-me a carteira, mas que hei-de eu fazer!
Realmente, desde o dia que nascemos que sabemos que vamos morrer!
Realmente, já nem ligo às calúnias, promessas e pisadelas!
...
O problema é que tu sorris-me e eu gosto!
Vamos ser felizes e ter um belo rebanho!... Eu aposto!

Realmente, armo-me em mau e faço birra, ainda que isso seja parvo!
Realmente, eu sei que hoje vens tarde, mas já estou a olhar para a porta!
Realmente, acho que aquela árvore está no lugar errado porque faz sombra à minha toalha!
Realmente, por vezes acho que tudo o que é chatice cai-me em cima!
Realmente, estas coisas podiam-me chatear, aborrecer e fazer infeliz!
Realmente, não ignoro estas coisas todas que me esbarram no nariz!
...
O problema é que tu sorris-me e eu gosto!
Vamos ser felizes e ter um enorme rebanho!... Eu aposto!


© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Enfim, este é o Deus que me convém!...


Isso?... Isso não é nada!... Aliás, tu nem sabes o que é!
Jamais serás iluminado pela luz plena, inebriante e penetrante que enche inteiramente a tua existência redundante. A do meu Deus!...

Havia vários, no entanto fiquei com este, porque este é o que mais me convêm!

...Este:

Mata os ímpios
Destrói os infames
Castiga os que me incomodam
Devolve-me as riquezas
Abunda-me com deleites
Castiga-me no rancor do remorso
Apascenta a minha ganância
Justifica os meus crimes
Fundamenta a minha crueldade
Justifica a minha estupidez
Castra-me a vida
Alegra-se na minha conspiração
Auxilia na ambição e mais, muito mais...

Se sofro é ele
Se tenho fome é ele
Se meu filho morre é ele
Se corro é ele
Se durmo é ele
Se vilmente me iludo é ele, mas não só...

Quando mato é por ele
Quando usurpo é por ele
Quando castro é por ele
Quando privo é por ele
Quando minto é por ele
Quando desrespeito é por ele
Quando intransijo é por ele
Quando a verdade altero é por ele
Quando da ingenuidade me aproveito é por ele
Quando da boa-fé abuso é por ele...é assim porque está escrito,

Nas palavras que escrevi
Nas verdades que encobri
Nas mentiras que defendi
Nas realidades que alterei
Nos monstros que pari
Nas jugulares que cortei
Nos corações que feri
Nos inocentes que queimei
Nos movimentos que bani
Nos obedientes que mal tratei
Nas virgens que violei
Nos homens que matei...

...Enfim, este é o Deus que me convém!...

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Anúncio: "Precisa de pena"


- Deixem-me passar! Quero entrar! Vá lá, cheguem-se para o lado! Vão falar para mim e eu tenho de ouvir!...

Alguém, no alto da tribuna, tosse e prepara a garganta para falar. Beberica um pouco de água e alinha o casaco. Segura algumas folhas de papel que nada tinham escrito e bate com elas de topo...

- Atenção!...
...
- Atenção! Venho hoje aqui para solicitar que tenhamos pena! Pena de nós próprios e também, não esquecer, de nós mesmos!
...
- Nós, deploráveis desprezados do cosmos, fruto dos grãos de trigo que caíram no meio dos áridos seixos, germinando em forma de fracasso, que muito lutamos para nada almejar, a menos que de mesquinhas estupidezes se trate ou de uma ou outra inveja tacanha. Nós que não mudamos nem quando morremos, não nos desperdiçámos com amores porque os felizes contra nós conspiram, e esvoaçamos como melgas e borboletas da traça, em redor de uma lâmpada à noite... De nós ninguém se lembra!... Teremos todos de, em lamuriosos brados, afirmar que somos coitados e pedir que tenham pena de nós!...

A plateia, completamente envolvida por aquelas palavras sábias, sem vacilar um instante que seja, grita em uníssono:

TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
...
- Atenção!...
...
- Vêm-nos dizer para nos deixarmos de ser ignóbeis e traiçoeiros! Pedem-nos para abandonarmos a cobardia e a mediocridade! Dizem!... Atrevem-se a dizer que deveríamos procurar ter magnificência, bravura e audácia! Que deveríamos substituir as "naftalinas" por brisas do mar!... Do mar!... Vejam só! De em vez de nos lamentar deveríamos sonhar e trabalhar!... A loucura é tal, que nos pedem para lutarmos por um mundo melhor!... Ahahahaha!!!...

TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
...

© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sabeis o que vós quereis da orgia e do sexo?


Dizei-me!... Dizei-me meus filhos...

Pensais que não sois eternos?

Sabeis o que vós quereis da vossa existência?
Sabeis o que vós quereis de vós?
Sabeis o que vós quereis do universo?
Sabeis o que vós quereis da orgia e do sexo?
Sabeis o que vós quereis da gula?
Sabeis o que vós quereis da ambição?
Sabeis o que vós quereis dos narcóticos?
Sabeis o que vós quereis da volúpia e da traição?

Pensais que não sois eternos?

Pois então, com todo o conhecimento e sabedoria, ensinarei e mostrar-vos-ei!

Mostrar-vos-ei como usar a existência!
Mostrar-vos-ei como usar a subjugação!
Mostrar-vos-ei como usar o universo!
Mostrar-vos-ei como usar a orgia o horror e a maldição!
Mostrar-vos-ei como usar a decadência!
Mostrar-vos-ei como usar a exploração!
Mostrar-vos-ei como usar a volúpia!
Mostrar-vos-ei como usar a dependência e a tentação!

Segui-me como uma formiga.
Segui-me como um cordeiro.
Segui-me sem mostrar fadiga.
Segui-me como um escuteiro.

Não sabeis que sois eternos?
Vigiai a cultura do ócio!
Não tenteis compreender!
Apenas segui-me que...
...
...o covil do inferno está próximo!...


© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

Viens ici mon petit four...



...
Anda cá!...
Anda!... Chega-te aqui!...
Põe no mesmo saco a sensatez e a loucura...
Sai para a rua e sorri aos outros porque sim...
Anda cá e expulsa as minhas trevas...
Desarruma-me a biblioteca...
E arranca-me todas as ervas...
Troca-me os caminhos...
Faz que eu já não saiba, qual a direcção da solidão...
Anda cá!...
Anda!... Chega-te aqui!...
Acomoda-te no meu caos...
Aposta com os outros que vens ser feliz...
Despenteia-me a compostura...
Põe-me envergonhado por um triz...
Entra-me na alma com os pés descalços e areia...
Convence-me que sou um sortudo...
E tu és uma sereia...

Anda cá!...
Anda!... Chega-te aqui!...
...

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O meu amigo Tintas... O raposo...


No outro dia, ia eu no vinte cinco, o eléctrico para os Prazeres, quando encontrei o Tintas o raposo. Já havia muito que nos não encontrávamos!...

- Então Tintas? Como estás? A Micas raposa?
- Olá Mário! Vai-se andando!
- O resto da raposada? Pergunto eu.

Enquanto nos sentávamos para que a viagem fosse um pouco mais confortável, junto a uma das janelas, passávamos ali ao "Corpo Santo", e íamos seguindo a nossa conversa...

- Olha Mário...estão bem! Eu é que tenho andado um pouco apreensivo...
- Então? Meu velho amigo canídeo!
- Eu e a minha Micas andamos um pouco "perdidos"!... Sabes os meus raposos já têm as suas idades e já seguiram à vida deles. O Mais novo arranjou uma raposita muito jeitosa e também está a organizar a vida dele... Agora ando mais a minha Micas a aprender a viver um com o outro... Os dois... Sozinhos...

Íamos passando ali pela Rua de São Paulo, na Bica, e o meu amigo Tintas fica a olhar pela janela pensativo...

- Que diabo Tintas! Estás com a Micas há tantos anos e tens de aprender a viver com ela? Agora?
- Mário! Quando me casei com a Micas, também eu saí de casa de meus pais. Agora vou-me apercebendo de que os meus pais, muitas vezes andavam à espreita de um pouco de vida, acorrendo e aturando-nos a nós e aos meus pequenos. Eles bem sabiam que eu e os meus irmãos andávamos furtivos em longas caçadas, mesmo porque essa também tinha sido a sua história. Então sempre que podiam, ou arranjavam umas lebres frescas para reunir a raposada, ou na falta de tal, chamavam os meus pequenos e os dos meus irmãos lá para a toca. Aquela balbúrdia dava-lhes cabo da cabeça, dos nervos e também de algumas carcaças de coelho, mas...também lhes devolvia uma agitação própria de grandes correrias... Por vezes, eu e a minha Micas não acedíamos com facilidade, pois sabíamos que os pequenos todos juntos são o "diabo" e que lhes davam com os focinhos nas paredes até partir. Os meus com os primos comiam este mundo e o outro, para além de chantagearem os avós com as maiores diabruras... Então fui reparando que eles, os meus pais, apesar de cansados, desejavam aquela agitação, desarrumação e balbúrdia toda, por razões especiais... Agora vejo o grande e inocente erro dos meus pais!...

A manhã estava um pouco abafada e aquele sol abrasador em "Santos" estava-me a assar os braços! Isto dantes tinha umas persianas...ia eu pensando...

- Ó Tintas! Mas que erro é que os teus pais fizeram?
- Sem qualquer noção disso, nem eu nem a Micas, depois de juntos tínhamos os nossos projectos! Certo?
- Sim! Penso que sim!
- Pois claro que sim! Uma toca em condições, umas peles para os dias frios de inverno, umas pombas e uns coelhos na dispensa, eu construía uns xilofones com os ossos das costelas dos coelhos e tinha uma banda impecável. A Micas, fazia compotas para a feira anual das melhores compotas...bem te recordas que tínhamos sempre mil coisas para fazer e, claro está, namorar...brincávamos um com o outro e fomos tendo dias felizes... Apareceram os pequenos e os dias passaram ainda a ser mais felizes. Só que, com o caminhar dos anos, os projectos da Micas e os meus foram sendo largados, com desculpas de que já não tínhamos tempo, nem paciência, nem idade e que tínhamos a raposada para olhar e criar e mais não sei o quê... Enfim... Reparei nisso, há algum tempo, antes do mais novo se "arranjar"... Ele teve fora uns dias a aprender umas novas maneiras para apanhar os "torcazes". Eu e a Micas dissemos um para o outro:
"Não temos cá o pequeno, vamos gozar umas férias catitas!..."
- Saíste-me cá um raposão!...
- Pois saí!... Fomos a uma toca de rodízio de roedores com frutas, que é um espectáculo...assim que acabamos viemos para a toca!... Começamos a ver um filme de galinhas...a meio, já estávamos fartos e chateados!...e para te ser sincero, começamos a olhar um para o outro e parece que já nem namorar sabíamos... Deixámos de saber o que fazer os dois sozinhos...esquecemos completamente como é que se vive a dois...
- Pois a raposada vai à vida e depois... Esquece-se...
- Ó Mário, mas a raposada nem nunca nos pediu, nem tem a culpa de eu e a minha Micas, termos descuidadamente transformado todos os divertimentos e ideias que tínhamos de coisas que fazíamos e outras que queríamos fazer, numa única coisa, quase obsessiva, que foi cria-los!... Vazamos as nossas cabeças de tudo o que lá tínhamos e enchemo-las exclusivamente com a ninhada e a sua criação... A ninhada depois de criada foi à vida dela e as nossas cabeças... Vácuo! Ficaram vazias! Não fizemos a gestão adequada das nossas prioridades emocionais e intelectuais... Acabámos de criar ninhada e ficámos sem nada para fazer... Pelo menos enquanto desejo e gosto. Um projecto que preencha a vida, o tempo e a vontade de amanhã ter uma serie de coisas para fazer no seguimento de um algo mais que já não seja criar a ninhada...

Já bebia um refresco. Se bem que me está a entrar aqui uma brisa vinda do Jardim da Estrela... Hum! Que fresquinho!...

- Ó Tintas, mas tu queres ser o Manuel de Oliveira...
- Não me importava, mas quero ter netos, quero brincar e divertir-me com eles, sem que eles em si sejam a minha razão de viver. Tenho de ter uma vida composta por várias causas, trabalhos e prazeres, onde a raposada esteja incluída, mas que não seja a minha bolha de ar vital. Por isso te digo, meu amigo, que realmente tenho andado um pouco apreensivo, porque me sinto quase como quando era um jovem raposito e andava aflito a tentar achar uma coisa para ser quando fosse grande...

Cá estamos. Campo de Ourique!... Tenho belas recordações deste bairro desde os tempos da tropa...

- Tintas! Queres beber uma limonada bem fresquinha debaixo daquelas sombras ali do jardim?
- Vamos a ela, caríssimo!...
...
...E sabes uma coisa? A minha Micas, já não é aquela raposa formosa que me flamejava os olhos com o seu passar, tal como eu também não, diga-se em abono da verdade... Mas...aqueles olhos e o seu focinho húmido ainda me deixam... à procura de "lebre"...


© Mário Rodrigues - 2010

A revolta de um Suatrub



Um dia, sem que muita importância tivesse o onde e o como, um Suatrub revoltou-se. Acordou quase revoltado e logo em seguida ficou uniforme e totalmente revoltado!
A revolta devia-se principalmente à fúria de não saber quem era! Não conseguia definir-se e caracterizar-se de uma forma sincera e que em simultâneo também fosse correcta e sua. Que fosse exclusiva, própria!

- Quem sou realmente?

Não conseguia responder sem hesitações e nem mesmo com elas...
Sabia de quem era filho, sabia de quem era pai, sabia de quem era cônjuge, (de uma Acetum belíssima que tinha um feitio péssimo e uma mãe...desprezível), sabia a que nome respondia quando chamado, sabia onde e o que fazia e sabia mais uma série de coisas, mas que na melhor das hipóteses lhe eram periféricas! Gravitavam em redor dele como se fossem electrões em camadas sucessivas em torno do núcleo que era ele. No entanto, nada disso era ele!

A indignação disparou, quando estando a pensar nisto, chega à conclusão que nem nos desejos e nos actos ele se conseguia identificar e rever. Respeitava regras, seguia princípios, enveredava por condutas, apoiava causas, concordava e discordava tendo em conta causas e efeitos terceiros, fazia a vontade, fazendo-a ou contrariando-a, a uma enorme quantidade de Suatrubs e Acetum, e nesta sopa gigantesca de vontades transversais, com benefícios e prejuízos para muitos e outros tantos, ele...não era nada de concreto!

O que serei realmente eu - perguntava-se a si mesmo - se o melhor que consigo é ter uma ideia de um espaço pseudo virtual onde poderá haver hipóteses de eu por ali andar!... Mas isso, por si, não me diz o que sou!... Na realidade, nem onde estou me diz!...

Esperem!... Esperem que estou a ter uma ideia!...

Aquilo que mais sinto ser é...zinco, cálcio, sódio, hidrogénio, estrôncio, lítio, ródio, oxigénio, bromo...

Finalmente!... Sinto-me um pouco mais calmo! Estou a começar a vislumbrar quem sou!...

RAIOS!!!

Tudo o que por aqui há é o mesmo que eu!!!

Se não sou nada em particular, nem mesmo o que penso, porque o que penso não sou eu mas apenas pensamentos!...
...
Só posso ser, na realidade, aquilo que não sou!


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Cardhu...bagaço...álcool etílico...perfumes... (reedição)



Hoje venho aqui reeditar um post já passado, pela única razão de que as coisas melhoraram e um desejo muito profundo de alguém, hoje tornou-se realidade...

Há trabalhos que valem muito, mas mesmo muito os sofrimentos com que nos beijam... Obrigado...

...
"Trinta e seis. Em Lourenço Marques!"
"Sim. Foi uma infância maravilhosa...tinha muitos amigos...e animais...a casa era enorme e tínhamos vários empregados...tínhamos uma divisão muito grande onde nos juntávamos todos à noite, onde havia cabeças de animais que o meu pai caçara...e um aquário...um aquário enorme onde tínhamos Tilápias e Muçambas...lindo..."
"1976. O meu pai veio mais tarde...mas veio...houve quem nunca chegasse..."
"Cedo, muito cedo. Pouco tempo depois de chegar. Os trabalhos piores eram para os "retornados". Um dia, um GNR foi lá a casa levar o recado; tinha-se soltado uma viga e que...talvez no dia seguinte pudéssemos levantar o corpo...no Chile, sim na praça do Chile"
"Não, não parei. Depois fiz mestrado e duas pós-graduações, mas..."
"Bastante bem. Escolhia-os. Nunca ia com homens...menos correctos e desalinhados. Tinham de ter, principalmente, capacidade financeira...percorri uma boa parte da Europa e estive nos melhores hotéis..."
"Um dia bateu-me à porta...outra vez! Iria ser diferente...ia deixar a mulher...mas...antes disso...o teste de gravidez deu positivo e ele...filho da puta...tinha a família dele! Disse-me! Somos sempre muito boas mas já mais se casariam connosco...Vermes!"
"Lindo, claro. Como todas as mães acham os seus bebés..."
"Não! Não nos faltava nada. Aturei clientes que...tinham dinheiro e viajavam muito em negócios e reuniões. Precisavam de uma companhia vistosa e culta para exibir aos outros palhaços nos jantares...indivíduos sexualmente desequilibrados...completamente..."
"Era um SLK. Era muito bonito e não foi completamente oferecido..."
"Não, não eram clientes. Era um grupo de amigos impecáveis...íamos vomitando os nossos fantasmas mutuamente..."
"Sim. Fui para a cama com um deles. Mero sexo animal...era uma pessoa especial...não tinha nada a ver com clientes..."
"Sim, já tínhamos bebido bastante...e uns riscos de branca..."
"Parciais! A esquerda tenho dos terços do fémur e a direita o primeiro terço da tíbia..."
"A principio, do bom e do melhor...depois Martin's, Dimple, Cardhu...bagaço...álcool etílico...perfumes..."
"Só duas vezes por semana! E com a vigilância de uma tipa sempre de olho...lutei muito para lhe dar o melhor...deitei tudo a perder..."
"A assistente social disse-me que se as coisas continuassem a melhorar, falava com o advogado para pedirem uma reapreciação...talvez me deixem voltar a ficar com ele..."
"E...posso contar com a vossa ajuda! Não posso?...pelo menos a tua?!..."

© Mário Rodrigues - 2010

1.830$00


Os "sanjo"... Pois observava-os do lado de fora dos vidros das montras e ia imaginando não só os saltos fabulosos como as velozes corridas que proporcionar-me-iam se nos meus pés estivessem... Mas na verdade nunca por cá passaram...
Não obstante o furor feminino era alcançado com os ténis da "galo"... Um dia vi uns ténis da "galo" numa montra que apesar de não serem exactamente os supremos teriam, com toda a certeza, o poder da sedução, embora menor, mas também eu próprio não era um tipo de "topo"... Tinham no entanto a virtude de serem os menos caros de todos, o que talvez me desse a possibilidade de os almejar...
À questão simples, obtiver da minha mãe uma igualmente simples resposta.

-Junta o dinheiro que logo se vê!

Bem, 1.830$00 era uma fortuna... Mas entre os 100$00 que o meu avô Francisco me dava de quando em vez e mais uns trocos daqui ou dali, mais as gorjas da minha mãe me dava por eu ir a correr serra abaixo, mais ou menos um quilometro e meio, qual "Thomas Sawyer" em busca de uns fechos, de uns botões e de umas entretelas...

Não era de um dia para o outro!
Demorava um bocado!
Demorava bastante!...
Demorou demais...

Realmente, quando cheguei a ter os ditos 1.830$00 fui, com ordens expressas e companhia, à loja...
"Não! Já não tenho nenhuns desses! Tenho ali é..."
Fui a outra loja...
"Não! Já não tenho nenhuns desses! Tenho ali é..."
Fui a outra loja...
"Não meu rapaz! A "Le Coq Sportif " já não produz esse modelo! Tenho ali é..."
...
Bem... Terei de comprar outros... Claro que muito menos fabulosos!...

"O quê? Estás mas é maluco!"

Pois sim! Os 1.830$00 acabaram no mealheiro da conta 9078-4 do MPG...


© Mário Rodrigues - 2010

Cybe ;)

Empalados em arenas.


...Segui pelo corredor até ao fim. O corredor era bastante largo e longo. No chão uma alcatifa vermelha, as paredes forradas a nogueira eram relativamente baixas. Ao longo do corredor, junto das paredes estavam figuras de dezenas de pessoas. Todas eram conhecidas. Cantores, pintores, escritores, cientistas, filósofos, etc... Como se fosse estatuas de cera... No final do corredor depois de descer dois suaves degraus encontro duas enormes portas de madeira muito clara parecia abeto ou faia...

Quando empurrei as portas vejo uma espécie de arena toda forrada de veludos e acolchoados, conferindo um ambiente de absoluto e luxuoso conforto.
Por todo o lado existiam varas de madeira com pontas afiadas espetadas no chão com os bicos para cima... Em todas elas estavam pessoas empaladas que sorriam e conversavam alegremente entre elas. Alguns discutiam negócios, taxas de juro, a beleza de senhoras ali ao lado... Tudo completamente indiferente ao insignificante facto de estarem todos empalados...
Reparei que todas as varas tinham uma inscrição, "sapere - tenere - potere"!

Havia oradores, que também empalados, diziam palavras extraordinárias de ordem, de incentivo, de glória, honra e até mesmo esperança... No entanto ninguém lhes parecia dar grande atenção com excepção dos que aguardavam que eles terminassem para eles próprios começarem as orações deles...

Bastante assustado ia passando entre eles observando aquele espectáculo dantesco. De dentro do ventre de uma mulher um feto coloca a cabeça para fora gritando muito zangado e indignado!... Morde-me voraz. Da ferida causada pelas dentadas no meu braço escorreu... Incompreensão, admiração e um pouco de escárnio...

Reparo também que ali andam alguns animais, também eles um pouco assustados. No entanto não estão empalados. Têm um comportamento normal com excepção do facto de morrerem muitos e sem razão aparente. Passado algum tempo de eu por ali andar ouço uma voz nos altifalantes que dia:

"Informamos o senhor, que terá de escolher o local onde pretende fixar a sua existência. Não poderá manter-se mais tempo a por em risco a ordem."

Estranho, vejo que já todos me olhavam identificando-me como sendo o "senhor" de que se falava no altifalante!

Reparo então, que eu próprio me encontrava trespassado por uma daquelas lanças...


© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

Num jardim de perfumes doídos...


(Ler o post anterior por favor)
...
...
Desta vez o "Musgo Real" não me conseguiu tranquilizar...
...
...
Num banco de pedra, na sombra de uma Olaia... Sinto as palpebras inferiores caírem em linha recta até não sei onde... Do rosto canela da Zilda só vejo os olhos... Uma rede densa de vasos de encarnado expulsivo que rodeia as íris negras constritoradas... Observei-lhe, imóvel e atónito, minuciosamente durante uma vida...os olhos vidrados e paralisados...
Frente a frente, num silêncio absoluto e eterno de brados estridentes de dores sofridas e imaginadas... Tentei lhe calcular o sentir e a dor... Senti-me envergonhado pela tentativa... Não consegui mover uma revolta interior de ódio do homem...

Porque serei eu assim?

O homem também foi uma outra vítima... Ele arrastou a sua morte durante trinta e sete anos...
Vitima... Vitima de quê? Ou de quem?
Vitima, com certeza também foi minha!
Sou só o que faz isto e aquilo? Que gosta de carne quase crua e olha para uma articulação do joelho como se fosse tudo mecânica? Que dá as injecções a si próprio sem a menor hesitação? E que olha para o sangue que lhe sai das veias e imagina-o apressado em correrias levando essências de vida para animar outro corpo algures no mundo?
Também sou o puto que rouba nas lojas porque tem fome ou porque precisa de ser aceite no gang, que lhe também é vital como a comida! Também sou o polícia que lhe dá um tiro à queima-roupa porque na semana passada um dos seus melhores colegas lhe morreu nos braços num tiroteio de rua! Também sou o traficante que matou o polícia que estava a por em risco a sua riqueza e ambição que não é menos passível de protecção que a minha ou a do policia ou a do Sr. Machado, do Presidente, do Ministro ou do Papa!...
Compreendo que nada na vida é um acto isolado! Tudo, mas rigorosamente tudo está interligado...tragicamente interligado...

Jamais teremos capacidades para lidar com os poderes que conhecemos e desconhecemos mas que temos...

Ainda estamos à sombra da Olaia...imóveis e de olhos esbugalhados...

...Curiosamente vem-me à lembrança que as Olaias...também são conhecidas por..."Árvore de Judas"...

"...Se eu quisesse, enlouquecia..."
...sinto dificuldade em manter a postura de opção...


© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sim, latas de conserva com óleo queimado dos carros


"Adeus! Até amanhã!"
"Adeus Mário..."
"O Dr. Ângelo alterou-te a medicação?"
"Não! Diz que estava tudo a ir bem e não era preciso."
...
...
"Olá! Então como vai isso?"
"Olá Mário, bom dia!"
"Dormiste bem?"
"...Sim!..."
"Que sim estranho!..."
"...Tive um pesadelo..."
"Outra vez?"
"Não!... Quer dizer sim mas este foi diferente...acabou bem!..."

"Ai foi? Queres falar disso?"
"Sim! Estava à tua espera porque queria falar-te de...umas coisas..."
"Estou a escutar!..."

"Havia latinhas..."
"Latinhas?"
"Sim, latas de conserva com óleo queimado dos carros. Punha uma em cada pé do beliche para os bichos não me subiram para a esteira. Já me bastava o cabrão de cima que berrava a noite inteira e acabava sempre a mijar-se todo e a mim que estava por baixo. Um dia fudi-lhe um dedo com um...
Numa noite...acho que era de dia mas estava tudo muito escuro e eu não conseguia ver nada. Havia umas coisas ao alto, muito grandes e finas e tinham braços. Os primeiros passos...demorei alguns segundos a dá-los porque não via o chão. Depois corri, corri e cavalguei e galopei e devorei a terra e o mato numa velocidade alucinante até bater numa parede e cair. Levantei-me palpei a parede que tinha cerca de oitenta ou noventa centímetros. Não hesitei pus-lhe a mão de cernelha e saltei-lhe por cima. Tinha muita pressa...

AHAHAHAHAHAHA !!!

Do lado de lá deveria ter uns três metros de altura e eu senti-me cair para o inferno...

Estava tudo negro! Negro muito escuro! Dentro de uma...jaula havia uma merda de uns bichos que se movimentavam muito rápido e gritaram muito... Pareciam umas coisas negras...panteras! Isso, panteras que andavam com as patas da frente no ar. Com a faca rebentei logo com uma e com um arame amarrei-a a um tronco. A outra...atei-lhe a patas da frente no alto. Ela, com as patas rasgou-me a roupa enquanto sangrava não sei porquê! Com o saibro rasguei-lhe a pele, senti-lhe o cheiro e o sabor do sangue... A outra rosnava um rosnar odioso. Implorava cânticos selvagens... A esta senti-lhe vida no ventre...
...existia outro monstro dentro dela... Caí... Vazio... Sem medo nem pavor!
Com a faca abri-lhe as entranhas, arranquei uma cria que deixei no chão a berrar para os outros comerem..."

"Porra!... Meu Deus!...
Queres contar mais?"
...
"Não!... O resto não interessa. Escuta-me outra coisa tens visto a Dra. Zilda?"
"Sim! Ainda há pouco a vi!"
"Gostava de a ver..."
"D. Maria! Pode chamar a Dra. Zilda por favor que o Sr. Machado queria falar com ela, por favor?"
"Sim Mário vou já!"
...
"Mário, ela é uma grande médica! Não é?"
" Sim! Penso que sim! E também tem um lindo rosto canela!... É uma mulher muito bela!"
...
"Olá Mário!"
"Olá Dra. Zilda! Como está?"
"Está tudo bem...vamos andando nos nossos trabalhos!..."
"Então Sr. Machado quer falar comigo?"
"Olá Dra. ...Zilda..."
...
"Sabe Dra. Zilda, contaram-me umas coisas sobre a sua terra e...outras coisas...sobre...
Sinto uma labareda caustica que me corrói e abre buracos por onde não sai nada...só jorra medo e dor...
Perdão! Não vale a pena! Mesmo que o obtivesse de si, de Deus e até do inferno... Nunca o obteria de mim... A sua mãe...era...linda!...nunca pagarei o que fiz..."

Atónitos assistimos a um movimento brusco e calculado há muito, decepou com um pedaço de vidro a carótida interna...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Prelúdio de uma inexistência anunciada...




Assim haja Deus... Na verdade o paraíso existe!...

São sete horas e vinte e três minutos da manhã neste preciso momento. Esta brisa, que deve ter aproximadamente vinte e muitos graus célsius, dada a sensação de conforto que me transmite, passa-me pelo rosto e entra-me por entre os botões da camisa "cru", de linho fresco, já entreabertos, transmitindo-me um bem-estar e uma calma que nunca experimentei!...

Recostado na cadeira de lona e madeira, com o oceano quente que me banha até às canelas, usufruo de uma ténue sombra de palmeira que me deixa repousar, sem qualquer irritação, os olhos num cardume de zebrasoma tang, que por ali petiscam...

À extraordinariamente simpática moça que me perguntava:
-"Do you want some thing? Sir!", eu pedi um...
-"Sorry", mas não sei como se chama! Mas tome nota, "please"!

Num copo grande coloque nata fresca e quase gelada, batida com um pouco de caramelo e uma pitadinha de gengibre fresco... Depois, por cima, coloque com muito cuidado, para que se não misture, duas doses de café arábico aromatizado com canela...finalmente e com idêntico cuidado coloque uma dose de "Napoleon" devidamente saturado com menta... Por favor traga-me também uma palha de três olhais laterais...
O que ela trouxe prontamente e com uma perfeição na elaboração...
Huumm! Mesmo muito, muito bom!...
Como a vida é extraordinária!...
-"Excuse me Sir! One letter for you!"
Uma carta para mim? Aqui?
Com certeza que não passará de um engano!
Pego no envelope e...
O remetente sou eu!...

Parece impossível! Como me fui descobrir aqui! Logo desta vez que fiz tudo com um perfeito rigor e secretismo para jamais ser incomodado e descoberto e logo eu, numa perfeita falta de respeito por mim próprio, tenho o arrojo e a pouca vergonha de me incomodar a mim próprio... Estúpido!...

Bem! Vou pelo menos abrir o envelope e ver o que é que me venho dizer!...


"Aqui, hoje deste mês do ano que antecede o próximo.

Excelentíssimo senhor eu, eu venho através desta comunicar-me que, por razões que se prendem com términos do período de batimentos do meu miocárdio previstos no momento da expansão da não-matéria, também chamado criação primordial do universo, estou morto. Assim, e de acordo com a legislação cujo regulamento prevê o abate de indivíduos fora de prazo, deverei providenciar a emissão e atempada remessa de documentação provatória do meu estado de óbito.
Desde já informo-me de que tais provas terão de ser convincentes, sendo que no sistema têm dado entrada provas sem qualquer teor de veracidade do tipo:

"Não respiro há dois dias.", "A Angelina Jolie convidou-me para beber um copo e eu fiquei imóvel" ou até mesmo "Estou roxo e tenho vermes nas entranhas."... Enfim, faz-se de tudo para nos enganarmos.

Sem outro assunto, apresento-me as condolências pela minha morte.
Atentamente, eu."

Sinto-me enjoado. Mas eu estou-me a dizer que estou morto? Mas que me terá passado pela cabeça? Não me recordo de ter recebido qualquer aviso!

Huumm! Nunca fui de confiança! Com toda a certeza que sabendo que estaria para breve a minha morte estive atento ao correio e antes que eu visse o aviso escondi-o, ou até mesmo era capaz de o queimar na lareira, só para que de tal não tivesse conhecimento apanhando-me de surpresa e desprevenido...

Traí-me!
Nunca esperei ser o meu maior inimigo!
Deveria ter-me acautelado, no que diz respeito às minhas desonestas investidas!
Afinal de contas, poderia ter-me preparado convenientemente, com uma vida que neste momento me orgulhasse e por puro desrespeito e total desprezo condenei-me a uma inexistência virtuosa em que tudo ficou por fazer e dizer...
Se eu tivesse sabido...
As coisas maravilhosas que eu teria feito por aquele mundo!...

Já sei!
Vou-me enviar uma carta de resposta, onde me irei opor à decisão e impugnar o acto...

© Mário Rodrigues - 2010

Expulsa os bolores quando o prazer entrar...


Vem! Arranca esse nó da garganta!
Rasga essa pele negra escura que te aperta!
Tira essas lembranças da alma...
Ordena ao teu corpo que se desmembre...
Grita! Trai a dor na sua essência...
Ludibria o engasgo que se te ostenta...
Espera! Deixa o tempo chegar...
Espera! O tempo arruma as coisas no seu lugar...
O momento será breve! Algum momento chegará de assalto...
Algum momento chegará de manso...
Então, enche bem o peito de ar...
Grita até o firmamento quebrar...
Expulsa os bolores quando o prazer entrar...

...E sorri à vida... Não a deixes chorar...


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A Mulher...


"O que seria do mundo sem a mulher. Dai às paixões todo o ardor que puderes, aos prazeres mil vezes intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertereis o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas prelúdio do tédio."


Autor: Alexandre Herculano (1908)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Chamei-lhe felicidade...


Num olhar descuidado vi...uma pluma pelo ar...ia embalada por uma brisa, numa leveza sublime...quase translúcida, no entanto promete ser breve a sua vida, se os elementos mais brisa não providenciarem...

Chamei-lhe felicidade...

A minha felicidade está agora dançando nos olhos dos meus amores! Meus filhos e sua mãe são como o oceano de estrelas no cosmos da minha existência ansiando pela madrugada em que brotam os botões das flores da alegria...cobrindo-me de beijos de amor!...

A felicidade é servida em pequenas doses!...cumpre-nos a missão de lhe prolongar a duração e o prazer...

No entanto, cautela...seria triste não lhe reconhecer o aroma...


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Today i will be a bomb...


Today i will be a bomb that when burst, i shit myself at the seams...

© Mário Rodrigues - 2010

Manhã (reedição)



Hoje, sem compreender exactamente porquê, acordei!

Acordei muito antes, do despertador que normalmente já costuma tocar depois de eu acordar. O dia ainda não tinha “nascido”. Olhei em redor… com a pouca luz que existia no quarto, observei a minha companheira de “guerra”, de um modo que me não lembro de alguma vez ter feito; meramente biológico. Realmente, a vida é uma grande maravilha. Dormia suave e silenciosamente, aquele complexo bioquímico, organizado numa verdadeira prova de mestria inimitável...
Levantei-me e fui até uma janela que abri… Um ar fresco e rico em oxigénio inundou-me os pulmões de assalto de um modo que quase me provocou dor…
O silêncio da manhã e o espectáculo de ver um dia nascer, é-me muito agradável. Mesmo muito. Utilizo-o muitas vezes na sequência de dias menos fáceis. Pergunto-me a mim mesmo, quanta sorte tenho em estar a assistir a um espectáculo, que apesar de se repetir diariamente, raramente reparo como é belo, e tão raramente usufruo da energia inigualável que ele me proporciona. Apesar da minha existência ser completamente indiferente a ele mesmo, (o nascer do dia).
Ao sair de casa vi uma minúscula flor violeta de quatro pétalas, que seria capaz de jurar que não existia numa pequena racha do muro de pedra. Aliás, nem tinha reparado bem que o muro era daquelas pedras; grandes... Aquele muro é um enorme habitat... Aquele muro… é o universo de muitos seres… Como será o “muro” que alberga o habitat de seres dos quais eu faço parte visto pelos olhos do transeunte que acorda cedo e repara num mero muro de pedra?

© Mário Rodrigues - 2009

terça-feira, 8 de junho de 2010

Mas quem escolhe a vaselina sou eu!...


Há algum tempo vivi uma situação que descrevi em "Eu não sou doutor!...", que me deixou "podre de raiva". Se naquela situação entendi a posição do interveniente, na que se passou hoje não entendo. Um dia destes, depois de a raiva me passar, talvez a descreva já devidamente lixiviada pelo tempo. Agora não. A vida tem feito de mim um homem de causas. A indignação, o inconformismo, a raiva e a vergonha, muitas vezes me têm empurrado para a defesa de posições que me custam etiquetas, cicatrizes e outras coisas...
Mais uma vez voltei a perceber que a maioria das pessoas tem tendência a "arruaçar" sem razão e a acobardar na frente do decisor quando a razão é exclusivamente delas. As pessoas "vendem-se" demasiadamente barato. Um indivíduo pseudo-bem vestido, que vomita uma série de incongruências, previamente seleccionadas para embaraçarem os outros, cala uma multidão que minutos antes na rua tinha jurado que o esfolava vivo; ao qual eu respondia que era preciso dialogar com a pessoa certa e do modo correcto...
Cinco, cinco minutos bastaram para que aquele energúmeno, que desde já declaro como sendo um óptimo cão de fila, tenha conseguido que trinta e duas pessoas ficassem a olhar para mim, com ar raivoso, por eu estar a confrontar, com convicção, o indivíduo com as suas incoerências assumindo uma posição de intransigência com relação às suas pretensões.

"...Então! Se o Sr. Dr. diz! Vamos arriscar!..."

"Escutem lá uma coisa meus amigos! O coiro que eu estou aqui a defender, nem sequer é o meu!..."

Entre amigos, eu costumo dizer:
"Se tiver de ser, desde que me digam, até me podem vir ao cu! Mas quem escolhe a vaselina sou eu!..."

Sim! Estou ligeiramente azedo...

© Mário Rodrigues - 2010

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um acto de ira...


Azuis. De um azul...ganga. Tinham uma sola branca de um plástico rígido...o plástico era tão rijo que comportava-se como se de ferraduras em calçada de paralelepípedos de granito se tratasse. Na minha primeira corrida, com tal coisa enfiada nos pés, para além de não conseguir parar antes da parede da curva da estrada do "Zé Alves" e claro está ter feito frente ao muro com as mãos, pernas, barriga e não sei que mais, as minhas intenções em relação a tal adereço ficaram claras! Um desaparecimento súbito vinha muito a calhar!...
Aquela porcaria tinha custado trezentos sacrificados escudos num feirante da feira de Outubro. Para além do "recadinho" de que teriam de durar até às férias do Natal... Chegado a casa constatei que a unha do dedo grande do pé direito, já tinha escrito o seu testamento e preparava-se para abandonar este "vale de lágrimas".

"MÁRIO JOÃO...", quando a minha mãe me chamava Mário João...lá vem bronca!... "Olha-me estes ténis acabados de comprar...já todos esfolados na biqueira... Tu andaste a jogar à bola?"

Apesar de não jogar à bola pelo simples facto de sempre ter detestado bola, naquele momento, assumir que tinha dado inúmeros pontapés em tudo o que era parede e pedras, claro está com o único e legitimo objectivo de...os destruir rapidamente, poderia ter consequências pouco gratificantes para as minhas nádegas e afins...sendo que, concordar com a sugestão pareceu-me menos punível...

"Foi só um bocadinho!..."

"Ainda por cima és mentiroso! Tu nunca jogas à bola!"

"Porra! Chiça! Que falta de sorte a minha!..."

Pois, pois...foi isso mesmo! Pimba, lá está o Mário João a "enxugar" as calcinhas na zona "sagrada"... Mas agora a coisa mudou completamente de figura!
Ai o tributo já foi pago? Então já vos digo!...

É certo que andei com dores nos dedos dos pés durante mais de um mês, mas aqueles miseráveis ténis, em duas semanas foram queimados na raivosa fogueira da inquisição "mariojoanina"...

© Mário Rodrigues - 2010

Se eu quisesse, enlouquecia...



Hoje...hoje sinto-me um pouco...
Enfim...hoje se eu quisesse...

"Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?"

Autor: Herberto Helder

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Actos em síntese I


A existência de tudo no universo tem a sua proveniência. Devo considerar mesmo que a própria inexistência, também terá a sua proveniência.
Tudo provém de matérias ou ausência delas, de processos ou ausência deles, de discussões ou ausências das mesmas. Enfim, tudo é precedido de causas, sendo que os próprios efeitos, por sua vez, são causas outras de terceiros efeitos.
Posso considerar a possibilidade de a inexistência ter como proveniência uma existência que pela acção do tempo dá lugar a uma outra, sendo que entre ambas existe o nada, ou seja a inexistência. Este conceito, é bastante óbvio e simples de apreender, visto que se trata de coisa nenhuma.
Quando escrevo num papel branco uma letra, por exemplo a letra “A”, desenrola-se um processo em que da conjugação de varias existência: o papel, o lápis, a minha mão, a minha alfabetização, o controlo mecânico dos meus movimentos e muitas outras existências, que em si mesmas provêm de um universo interminável de muitas outras, vai atribuindo “existir” a algo inexistente. Em si, este facto já comprova a proveniência e o fim do nada.
Desmembrando a passagem do tempo em fracções ínfimas das mais pequenas fracções conhecidas do tempo, observo que em cada uma delas existe uma parte de um dos pontos, que em cadeia sucessiva, dão origem à linha que acaba por ficar com a forma, devido à acção das outras existências, da letra “A”. Ora, isto comprova que não existe o presente. Existe sim, o processo de passagem do passado para o futuro, sendo que entre ambos existe a inexistência que tem origem e fim em duas, e nunca a mesma, existências.
A interiorização deste processo permite-me colocar o meu discernimento em níveis de aceitação de realidades que, aparentemente, seriam de difícil compreensão e aceitação. A sensação de estádio primordial de consciência, o que desde já declaro como sendo por mim altamente procurado e desejado, incentiva-me a observar os actos, enquanto processos de acção, como sendo complexas simbioses de existências e inexistências.

© Mário Rodrigues - 2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A propósito da ablação...



A propósito da ablação e das variadas mutilações genitais infligidas nas mulheres e crianças do sexo feminino por esse mundo... Pergunto-me; quando ouvirei que os homens por detrás dessas tradições são alvo de "carinhos" equivalentes e de iguais propósitos...

Submeter uma criança com menos de um ano a "ablação faraónica", com o pretexto de que se o não fizer ela não pára de chorar com comichão... É... uma estupidez de uma dimensão, ela sim, faraónica!

Há vidas mais "caras"! São é muito estúpidas...


© Mário Rodrigues - 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Cinema Paraíso (Reedição)


Cinema Paraíso

Há já muito que tenho a sensação de ser o menino, “cinema paraíso”. Por detrás dos cordames que sustentam os cenários de um palco vital, vou espreitando... Ora curioso, ora envergonhado, ora indignado... De quando em vez, chamam-me ao palco. São necessários aplausos para que se encha um qualquer ego, insaciável... Os actores, esses representam uma comédia trágica que os contem em si mesma. De fora tenho a sensação de ser espectador único! Mas não! Vou encontrando outros...

© Mário Rodrigues - 2009

Tu foste...


Tu foste a merda da esterqueira da minha vida
Tu foste a pessoa que eu gostava nunca ter conhecido
Tu foste o ser asqueroso que me enoja
Tu foste um bajulador repugnante
Tu foste o azar da minha sorte
Tu foste quem jamais quero voltar a ver
Tu foste o tempo que perdi
Tu foste o ser que julga que o universo conspira contra si
Tu foste uma coisa que me fez muito mal...ou não...
Tu foste o chato alojado na pele do testículo do cão que era amigo do cão que conhecia o meu gato
Tu foste o estilhaço de esperma que apodrece no cortinado do quarto depois de saltarem as últimas gotículas provenientes do vigoroso sacudir do pénis
Tu foste uma coisa sem denominação que eu não consigo esquecer só porque me deste muitos problemas...mas com os quais aprendi a ser um homem melhor...

Por isso, meu monte de merda, asqueroso, repugnante e nojento, obrigado...


© Mário Rodrigues - 2010

Vem comer terra, que isso ajuda...


Vem comer terra, que isso ajuda
Vem-te arrastar, que isso arranha
Vem sangrar, que isso purga
Vem-te cortar, que ninguém estranha
Vem chorar, que isso traz uma ruga
Vem copular, que isso emprenha
Vem-te ferir, que isso castiga
Vem obedecer como uma formiga
Vem-te revoltar que isso rasga
Vem gritar que isso abre
Vem-te rir, que isso afronta
Vem-te gabar, que isso é mentira
Vem-te entregar, que isso conta
Vem comer, que isso alimenta
Vem alimentar, que isso mata
Vem admirar, que isso subjuga-te
Vem aprender, que isso inferniza-te
Vem esquecer, que isso anula-te
Vem ser grande, que isso escraviza-te
Vem ser pequeno, que isso mutila-te

Vem comer terra, que isso ajuda...


© Mário Rodrigues - 2010

domingo, 16 de maio de 2010

Pisco


Nestes últimos dias andei pelo bosque. Por lá, cada minuto que passa pelo meu corpo é uma hora perdida que recupero!... E a alma já mo reclamava...

Desta vez, e durante alguns dias, tive um companheiro incessante que sem qualquer receio privou comigo segredos daquela floresta que eu já mais saberia de outra forma. Ter durante várias horas, a distâncias que muitas vezes eram inferiores a dois metros, a presença de tão belo animal, foi para mim, sem qualquer dúvida, um enorme privilégio.

Muito obrigado senhor Pisco

© Mário Rodrigues - 2010

segunda-feira, 10 de maio de 2010

- Nada! Não é nada!...


Hoje, pela manhã vejo alguém, a quem com um olhar pergunto:

- Então como estás?

Esse alguém me responde:

- Por aqui vou estando! Acordei antes do toque do relógio. Esperei um pouco e levantei-me, apesar de ainda cedo e de nada ter para fazer... Saí porque...porque se tivesse algo para fazer, sairia àquela hora. Não corro porque não tenho para onde... Simulo algum trabalho e...regresso já depois de serem reduzidas as hipóteses de perguntas. Perguntas que nunca sei responder de outro modo que não seja...um trejeito de boca acompanhado do respectivo encolher de ombros...o que em simultâneo faz com que sinta um moderado enrugamento do estômago acompanhado de pressão sobre o externo...

Com alguma preocupação pergunto:

- Mas então o que tens tu? Que se passa?

Esse alguém me responde:

- Nada! Não é nada!

Insistindo pergunto:

- Nada? Mas que tens? Que se passa?

Esse alguém me responde:

- Tenho quase tudo o que preciso! Incluindo coisas que não preciso! Há coisas que ainda não tenho, mas tenho tempo, para as ter! Há coisas que sempre ansiei, mas temo que já mais algum dia as tenha! Mas...acima de tudo lamento! Lamento muito as durezas dos corações! Corações que outrora moldados por mãos frias em pedra dura, amputados de quente ternura, não saibam pedir perdão! Que tantas vezes, nem tal careciam! Houvesse simplesmente um pegar de mão na mão... Mas ternura sei eu que têm! Apenas penas tenho, que tal amor e doçura, de paredes grossas seja refém! O que custa a muita gente, não é verdadeiramente o gesto de estender a mão! Fosse ele certamente, para em vez de pedir...conceder o perdão...


© Mário Rodrigues - 2010

sábado, 8 de maio de 2010

...Tinha uma pequena cerca...




...Tinha uma pequena cerca. Feita com alguns pequenos troncos espetados no chão e com umas varas mais compridas...presas com arames apodrecidos...
Nos pequenos troncos, havia fungos brancos que, silenciosamente, os iam decompondo.
Havia um pequeno prado que mais não tinha que o tamanho de um olhar...uma tília perto da estrada, um esguio choupo branco e...
...Aos pés, o prado tinha um riacho por onde escorriam as lágrimas de um menino. Por entre seixos do leito do riacho cresciam, pequenas e frescas bétulas, cujos troncos delgados serviam de esconderijo às pequenas trutas...o guarda-rios tinha pequeninos que reclamavam algo nos biquinhos...mas...
...O menino estava sentado com as suas pernitas cruzadas na erva molhada do prado. Encostara-se ao tronco de um freixo que...aquele freixo já muito lhe sabia das tristezas. Muitas vezes corria para junto dele. Abraçava-se-lhe ao tronco enquanto lhe escorria a dor e alimentava as águas frescas e saltitantes do riacho...deixava-se escorregar pelo tronco até prostrado nas ervas verdes e molhadas...
O menino gostava de um dia ter na sua mão um guarda-rios. Um guarda-rios em todo o seu esplendoroso azul e laranja de bico longo...vivaz...belo...
Ultimamente ia vendo apenas melros...grandes melros do tamanho de corvos, com os bicos negros como os corvos e que berravam como os corvos e a que todos chamavam corvos...mas o menino tinha esperança que eles fossem melros...melros que por capricho, não lhe queriam assobiar, nem saltar à frente com os seus bicos vermelhos...
Um dia destes o menino apanhou amoras, cerejas e framboesas que deixou numa covinha delicada no prado junto do riacho para que os seus melros as comessem... Mas os melros, depois de espezinharem os belos frutos, em frenesim esfarraparam a carniça apodrecida de um coelho que, velho, ali abandonou a vida...
Os guarda-rios... A cada mergulho renasciam das águas, como pequenos espíritos de vida das águas correntes...
O menino imaginava aventuras que formigas embarcadas nas pequenas folhas de bétula caídas nas águas, seguiam na direcção do longínquo oceano...

"Como será o oceano? Dizem que é muito largo! Mas eu, que já sou grande, de certeza que lhe vejo a outra margem..."

Por agora, o menino pouco mais via que os borrões de cor escorrida a cada lágrima caída nas asas de uma borboleta...


© Mário Rodrigues - 2010

Houve um dia...


Houve um dia que quis ser grande...mas caí...
Houve um dia que quis rir...mas chorei...
Houve um dia que quis chorar...mas não consegui...
Houve um dia que quis esquecer...mas enlouqueci...
Houve um dia que quis ser compreendido...mas magoei-me...
Houve um dia que pedi desculpa...mas enfureci...
Houve um dia que quis explicar...mas não quiseram ouvir...
Houve um dia que tive dores...mas um ataque sofri...
Houve um dia que gostei...mas triste me arrependi...
Houve um dia que caí...mas o direito de me levantar me negaram...
Houve um dia que fui feliz...mas com ódio me invejaram...
Houve um dia que quis desaparecer...mas na torre da igreja me colocaram...
Houve um dia que quis ser grande...mas deitado no chão me pisaram...
Houve um dia que achei ser lixo...mas com carinho e uma mão me levantaram...
Houve um dia que nada de bem fiz...mas que alguém me agradeceu...
Houve um dia que não prestei atenção...mas alguém se comoveu...
Houve um dia que nada fiz...mas que tudo me acharam...
Houve um dia que me arrependi...mas ainda assim me crucificaram...
Houve um dia que tudo fiz...mas que com nojo me pontapearam...
Houve um dia que quis viver...mas desprezado morri...

Houve um dia que de morte me apunhalaram...mas para desespero sobrevivi...



© Mário Rodrigues - 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Gyachung Kang ao longe...



A montanha esculpiu-lhes cada detalhe dos rostos. Ela mesma, levara-lhes os progenitores há já vinte invernos, quando tinham apenas doze anos. Irmãs gémeas, ficaram sós e entregues a si mesmas desde então.
O nascer do Sol era o momento em que com as mãos unidas olhavam a Gyachung Kang, de onde a brisa gélida da aurora lhes trazia as recomendações maternais lá dos lados do Nepal. A força que as unia, apesar de invisível, era inquebrável. Ambas eram tudo o que as duas tinham.
A distância da localidade mais próxima era tanta que, de longe a longe, uma delas a fazia numa alternância que doía prantos e clamores à outra.
Numa das viagens, um dia, uma delas por lá encontrou um rapaz bom e lutador. Na dureza das atitudes os gestos se demonstraram, alguns defeitos sem importância e umas tantas virtudes se notaram. Enamorados se amaram e algo se modificou...
Chegada junto da irmã, um pouco atrasada, a pergunta surgiu num olhar de cumplicidade que desde logo tudo explicou. As viagens começaram a ser um pouco mais amiúde, bem como um pouco mais demoradas...
A irmã da irmã enamorada, numa das últimas duras viagens feitas, por lá encontrou um rapaz bom e lutador. Na dureza das atitudes os gestos se demonstraram, alguns defeitos sem importância e umas tantas virtudes se notaram. Enamorados se amaram e algo se modificou...
Chegada junto da irmã, um pouco atrasada, a pergunta surgiu num olhar de cumplicidade que desde logo tudo explicou...
No silêncio de um prolongado olhar decidiram se juntar e desse modo a viagem fazer. Chegadas à localidade, ambas procuram os seus amores para com eles regressarem. Nos locais habituais, ambas encontraram um único, rapaz bom e lutador...
No silêncio de um prolongado olhar, ambas repararam que a vida, mais uma vez as juntara. Sem ciúme nem rancor para as suas terras veio o rapaz bom e lutador.
A partilha da vida e do amor, com o passar dos tempos, nos corações das irmãs provocou dor. Dor silenciosa mas cortante que em menos de um instante farpas agudas entre ambas veio pôr. Os dias foram passando e a força que as unia foi reclamando atitudes e fervor.
Numa manhã ao nascer do Sol, momento em que com as mãos unidas olhavam a Gyachung Kangde onde a brisa gélida da aurora lhes trazia as recomendações maternais lá dos lados do Nepal, num silêncio de um prolongado olhar, um sussurro se ouviu:

"Assim será..."

Então, com ambas envoltas em dor, uma a mão da outra largou e a casa regressou...
A outra estática ali ficou olhando os raios do Sol nascerem. Lágrima não tinha. Antes um tremor no coração.
Um corpo por terra ficou...
Alguns instantes passados atrás de si os passos pressente. Para trás se vira e de frente para a irmã, num silêncio de um prolongado olhar, um sussurro se ouviu:

"...acabou..."

Na manhã seguinte, ambas unidas por uma força que apesar de invisível era inquebrável, a caminho de seu labor passaram pelo monte de pedras e neve onde jazia a vida breve do rapaz bom e lutador...


© Mário Rodrigues - 2010

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