quinta-feira, 1 de julho de 2010
Anúncio: "Precisa de pena"
- Deixem-me passar! Quero entrar! Vá lá, cheguem-se para o lado! Vão falar para mim e eu tenho de ouvir!...
Alguém, no alto da tribuna, tosse e prepara a garganta para falar. Beberica um pouco de água e alinha o casaco. Segura algumas folhas de papel que nada tinham escrito e bate com elas de topo...
- Atenção!...
...
- Atenção! Venho hoje aqui para solicitar que tenhamos pena! Pena de nós próprios e também, não esquecer, de nós mesmos!
...
- Nós, deploráveis desprezados do cosmos, fruto dos grãos de trigo que caíram no meio dos áridos seixos, germinando em forma de fracasso, que muito lutamos para nada almejar, a menos que de mesquinhas estupidezes se trate ou de uma ou outra inveja tacanha. Nós que não mudamos nem quando morremos, não nos desperdiçámos com amores porque os felizes contra nós conspiram, e esvoaçamos como melgas e borboletas da traça, em redor de uma lâmpada à noite... De nós ninguém se lembra!... Teremos todos de, em lamuriosos brados, afirmar que somos coitados e pedir que tenham pena de nós!...
A plateia, completamente envolvida por aquelas palavras sábias, sem vacilar um instante que seja, grita em uníssono:
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
...
- Atenção!...
...
- Vêm-nos dizer para nos deixarmos de ser ignóbeis e traiçoeiros! Pedem-nos para abandonarmos a cobardia e a mediocridade! Dizem!... Atrevem-se a dizer que deveríamos procurar ter magnificência, bravura e audácia! Que deveríamos substituir as "naftalinas" por brisas do mar!... Do mar!... Vejam só! De em vez de nos lamentar deveríamos sonhar e trabalhar!... A loucura é tal, que nos pedem para lutarmos por um mundo melhor!... Ahahahaha!!!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
TENHAM PENA DE NÓS!...
...
© Mário Rodrigues - 2010
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Etiquetas:
Sarcasmos,
Surrealismos
8 comentários:
…Escrevo, principalmente, por falta de espaço dentro de mim para tantas emoções e tão grandes, para mim. Nos comentários, fico com a sensação de que os pingos de emoção que transbordo, caiem em "terras fecundas" e coadjuvam o nascimento de novas emoções, produzem opiniões, contra pontos e desafios… E isso, isso é “geleia real”, para as nossas vidas…
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ResponderEliminarbem... esta passo adiante, porque se há coisa que detesto é penas.
quem tem penas são as galinhas e eu além de não ser galinha sou alérgica a penas de aves e omeleta eu só faço com ovos mas quando não tenho também não fico com fome... cozinho outra coisa que me tire a fome
Olá escarlate,
ResponderEliminarSede bem vinda...menina sem penas...;))
Beijo
Bem, pena(s), não é algo que aprecie.
ResponderEliminarJá te tinha dito que as penas que dizes tuas são afinal do corvo... Olha, haja saúde! Esse "estado transitório que não augura nada de bom" como diz o Eduardo Barroso. No fim dela acabam por nos nascer as nossas penas, e no último dia também, essas ninguém nos tira, e ainda que as tenhamos, é delas que nos vem o frio e nada podemos fazer para aquecer a alma. Até lá as penas que temos também são as que não nos deixam esquecer da fé, porque acreditamos que há um último dia, uma última vez, e um último relance. É essa a pior fé de todas. Vou tentando não acreditar, nem sequer que o bem é culpa de todo o mal, mas esta negação requer preserverança, as tentações são imensas.
ResponderEliminarAbraço
Sugere alguma tristeza este texto. Decerto , quis transpor uma síntesse da melancolia Portuguesa? andamos sofridos por não termos as mesmas glórias passadas?
ResponderEliminarAinda ando a tentar compreender os seus pensamentos.
Algumas vezes me sugere isolamento interior; outras, uma emoção por um pensamento que se possa a vir concretizar no futuro.
Li o texto, confesso, por ir bem na sintaxe.
Cumprimentos e viva a literatura que aprimora o gosto do pensar humano.
Lanterna
Olá Lanterna,
ResponderEliminarAntes de mais, quero dizer que bem sei que uma lanterna ilumina...
Neste texto tentei, com ou sem êxito, levantar a questão da "pena". Falo acima de tudo de uma piedade auto alimentada, desejada e pedida aos que nos rodeiam. Como dizes aborda a "síntese da melancolia Portuguesa", mas não só e também muito mais que isso. A dita melancolia sinto-a em mim próprio por muitas razões; pelo que vejo, sinto, ouço etc, etc, No entanto, não exactamente disso que falo, mas antes da postura de um certo "coitadismo" que se tem disseminado nas sociedades nomeadamente na Portuguesa. É uma postura que assenta não só inércia para saltar, como numa tentativa de angariar mais indivíduos para a "liga"... Está-se a instalar uma cultura do "...dêem comer, casa, roupa, dinheiro, escola, saúde, etc, etc e acima de tudo tenham pena de mim..."
Este texto tenta ser um alerta para isso mesmo. Não encerra em si nenhuma amargura minha, mas antes uma preocupação pelo que vejo e sinto.
As glorias passadas foram-no e ainda bem. Teremos de fazer as glórias presentes e do futuro, em vez de nos lamuriarmos sobre o "leite derramado"...
Decidi colocar um "manual de instruções" no blog, porque tenho sentido, que existem umas vezes, preocupações outras vezes repulsa e indignação pelo que escrevo. As minhas várias vidas, porque concilio algumas com muito gosto, prazer e algum esforço, impõem-me muitas situações-limite, interrogações e questões que me levam a tentar observar os "lados ocultos das luas", para as melhor compreender e eventualmente ajudar; tirando lições para mim mesmo. Se mais houver a explanar...aqui estarei!...
Um abraço
Cybe,
ResponderEliminarEstas penas não são as minhas... Quando algumas aparecem...arranco-as!...
Um grande abraço
Sim , Mário. De facto pareceu-me que estava antes a salientar um facto da nossa cultura De fado e não uma "pena " sua. É porque, eu não gosto também que me ponham no lugar daquilo que eu escrevo, nem sempre somos nós ali, antes, ou , criamos metáforas da sociedade, ou, personagens que não tem muito a ver conosco. Pareceu-me ser isso: a nossa cultura Portuguesa.
ResponderEliminarEu, creio que, pela má formação geral, nos tornamos pouco patrióticos, e muito pessimistas em relação a nossa vida: creio que, devemos crer e confiar mais em nós do que nos supostos doutores que, por o serem, julgamos nós que dali vem a verdade; esquecemo-nos que ela não pertence a ninguém e vive entre todos nós.
Mário, morei muito tempo em Lisboa. Sabe, encontrei imensa solidão quando estava rodeado de mil pessoas; encontrei mil caras insatisfeitas e mil caras desejosas de se verem livre de quem ocupa um lugar a mais no metro; mil caras que olhavam para nós e nos davam um frio na espinha; mil caras que passam por outros como produtos embalados - todos fechados dentro de si - mil caras impossibilidando qualquer contacto. Isso Mário, não conhecermos, causa tristeza ,e a tristeza faz das pessoas ignorantes, frias, distantes, más e vingativas, e o desejo de matar a própria melancolia será a prórpia "morte".
Ora, estou na terra do meu coração, Alentejo,terra da minha alma, terra da minha existência e do meu campo. E foi aqui, que um amigo meu disse, o que eu pensava no tempo em que aí morava, ou melhor, o que eu pensara no tempo em que aí morara.
- Meu, as vezes, dá-me vontade de me meter no comboio e ir e ir e ir. E dentro, falar com todas as pessoas, se a pessoa me disse-se " obrigado pela sua simpatia e pelo seu humanismo, mas apetece-me ficar sossegada" eu a deixaria. Mas, quantas quantas pessoas não iriam querer falar comigo? mas eu não posso. Porque me arrisco ainda a levar com mace nos olhos ou ela ou ele julgar uma tentativa de assédio. " este gajo deve ser maricas; ou : este gajo deve me querer violar; ou : este gajo deve ser um assaltante; ou: este gajo deve ser um louco saído de uma quarentena qualquer!!
Seja como for, Se nós, Povo Português , nos temos que abrir, é nos abrindo uns aos outros e não guardarmos o sentimento de inferioridade na alma e da impotência por não sermos já, os senhores do mundo como fomos. Mas temos paz. Temos o descanso suficiente para querermos ser melhores e falarmos destas coisas.
Tenho dito. :))))
Abraço.