Hoje, sem compreender exatamente porquê, acordei!
Acordei muito antes do despertador, que normalmente já costuma tocar depois de eu acordar. O dia ainda não tinha nascido. Olhei em redor e, com a pouca luz que existia no quarto, reparei na minha companheira de guerra, observando-a de um modo de que não me lembro de alguma vez ter feito, meramente biológico. Realmente, a vida é uma grande maravilha!
Dormia suave e silenciosamente. Um complexo bioquímico, organizado numa verdadeira prova de mestria inimitável de complexidade.
Levantei-me e fui até uma janela, que abri...
Um ar fresco e rico em oxigénio inundou-me os pulmões de assalto, de um modo que quase me provocou dor.
O silêncio da manhã e o espetáculo de ver um dia nascer são-me muito agradáveis. Mesmo muito. Uso-os muitas vezes como refúgio após dias menos fáceis. Interrogo-me acerca da sorte que tenho em assistir a um espetáculo que, apesar de se repetir diariamente, raramente reparo em como é belo — e tão raramente usufruo da energia inigualável que me proporciona. Apesar da minha existência ser completamente indiferente a ele, o nascer do dia.
Ao sair de casa, vi uma minúscula flor violeta de quatro pétalas. Era capaz de jurar que não existia ali, naquela pequena racha do muro de pedra... Aliás, nem tinha reparado bem que o muro era feito daquelas pedras grandes.
Aquele muro é um enorme habitat, um cosmos de vida e de seres de importância idêntica à minha.
Aquele muro é a casa de muitos seres...
Como será o muro que alberga o habitat dos seres dos quais eu faço parte, visto pelos olhos do transeunte que acorda cedo e repara num mero muro de pedra?
© Mário Rodrigues - 2020