sábado, 8 de maio de 2010

...Tinha uma pequena cerca...




...Tinha uma pequena cerca. Feita com alguns pequenos troncos espetados no chão e com umas varas mais compridas...presas com arames apodrecidos...
Nos pequenos troncos, havia fungos brancos que, silenciosamente, os iam decompondo.
Havia um pequeno prado que mais não tinha que o tamanho de um olhar...uma tília perto da estrada, um esguio choupo branco e...
...Aos pés, o prado tinha um riacho por onde escorriam as lágrimas de um menino. Por entre seixos do leito do riacho cresciam, pequenas e frescas bétulas, cujos troncos delgados serviam de esconderijo às pequenas trutas...o guarda-rios tinha pequeninos que reclamavam algo nos biquinhos...mas...
...O menino estava sentado com as suas pernitas cruzadas na erva molhada do prado. Encostara-se ao tronco de um freixo que...aquele freixo já muito lhe sabia das tristezas. Muitas vezes corria para junto dele. Abraçava-se-lhe ao tronco enquanto lhe escorria a dor e alimentava as águas frescas e saltitantes do riacho...deixava-se escorregar pelo tronco até prostrado nas ervas verdes e molhadas...
O menino gostava de um dia ter na sua mão um guarda-rios. Um guarda-rios em todo o seu esplendoroso azul e laranja de bico longo...vivaz...belo...
Ultimamente ia vendo apenas melros...grandes melros do tamanho de corvos, com os bicos negros como os corvos e que berravam como os corvos e a que todos chamavam corvos...mas o menino tinha esperança que eles fossem melros...melros que por capricho, não lhe queriam assobiar, nem saltar à frente com os seus bicos vermelhos...
Um dia destes o menino apanhou amoras, cerejas e framboesas que deixou numa covinha delicada no prado junto do riacho para que os seus melros as comessem... Mas os melros, depois de espezinharem os belos frutos, em frenesim esfarraparam a carniça apodrecida de um coelho que, velho, ali abandonou a vida...
Os guarda-rios... A cada mergulho renasciam das águas, como pequenos espíritos de vida das águas correntes...
O menino imaginava aventuras que formigas embarcadas nas pequenas folhas de bétula caídas nas águas, seguiam na direcção do longínquo oceano...

"Como será o oceano? Dizem que é muito largo! Mas eu, que já sou grande, de certeza que lhe vejo a outra margem..."

Por agora, o menino pouco mais via que os borrões de cor escorrida a cada lágrima caída nas asas de uma borboleta...


© Mário Rodrigues - 2010

2 comentários:

  1. Gosto de melros, gosto de guarda-rios. Os corvos serão de toda a passarada os meus favoritos. Há ali "algo mais" dentro daqueles olhinhos que não te sei dizer o que é, mas que quase parece que nos lêem o pensamento. E também pela maneira altiva como nos enfrentam quando já deixámos de ser estranhos. Havia um na baixa lisboeta que era muito famoso... Mas isso é outro conto, não tão belo como o teu.

    Abraço!

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  2. Olá Cybe,

    Curioso! Agora que me falas disso, realmente reconheço um carácter forte no dito animal. Já reparei que mesmo em posição eventualmente desfavorável, o comportamento deles é...digamos que..."manhoso", claro está, proveniente de manha, o que lhes dá isso de que falas de nos olharem e verem-nos... Hum! Sim senhor! Belo animal.
    No entanto, na história, eles representam uma certa camada de...

    Um abraço

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…Escrevo, principalmente, por falta de espaço dentro de mim para tantas emoções e tão grandes, para mim. Nos comentários, fico com a sensação de que os pingos de emoção que transbordo, caiem em "terras fecundas" e coadjuvam o nascimento de novas emoções, produzem opiniões, contra pontos e desafios… E isso, isso é “geleia real”, para as nossas vidas…

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