quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Eu não sou doutor!..."


Existem "experiências" que tal como as "realidades", nos "arrojam" a alma por veredas cortantes que nos lavram a existência.

Cheirava mal! Tinha um odor que disparou as minhas ligações neurais como no primeiro dia que tive contacto com a drenagem urgente de um quisto dermóide...
Mas não! Não tinha qualquer coisa do género. Duas fracturas e laceração de tecidos...

"Onze ou doze..." pensei eu, enquanto imaginava a abordagem de preparação do campo para a cirurgia...

"Mas porque razão cheiras tão mal?!..."

Não consigo, apesar de algum esforço, imaginar o meu filho, que terá eventualmente a mesma idade, naquela situação...
Sinto-me responsável por aquela situação que desconheço completamente... Não sei de que modo, mas sinto-me...
Bem! Já conheço demais...

"O que se passou?..."
"Foi um doutor, no parque, que depois de "coiso" me deu um pontapé..."
"Um pontapé?..."
"...atirou-me a merda do carro para cima..., ...e fodeu-me o guito..."
"...dass! Como é que te metes nessas merdas?..."
"Oh! Doutor!..."
"Eu não sou doutor! ouviste?..."
"Yap, desculpe doutor!..."
"Eu não sou doutor..."
" Yap, enganei-me."
"Sim e então?..."
"Deu-me uma trancada com o carro e não me deu o guito porque diz que eu estava cheio de medo e não abria o cú..., diz que depois falava com o "Lâmpadas"!..."
"Lâmpadas?..., dass, ca puta de nome?!..."
"Depois da cirurgia temos de ir ter com o agente para ver ali umas fotografias de uns...senhores..."
"Oh! Doutor!... Népia. Eu não quero problemas..., só quero o guito para dar ao "Boss" para ele me orientar o coiso...!..."

Saltam-me gotas de suor da cabeça, quando me assalta a imagem de ver o meu filho ali naquela cena... Imagino-me a...

"Escuta puto! Vais ver as fotografias e vais te recordar de uns senhores doutores que vais ver...certo?"
"Népia doutor!..."
"Eu não sou doutor..."


© Mário Rodrigues - 2010

4 comentários:

  1. ...dass! Mário...

    As melhoras para o mundo pá.


    A braços

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  2. Olá Mário

    Ao ler este teu post até me parecias eu. Sempre me reconheci como alguém cheio de força, capaz de derrubar qualquer um ou qualquer uma, mas depois de ter tido o meu filho, fui acometida por uma fragilidade que me exasperava, (só nos últimos tempos senti que recuperei algum desse meu antigo fulgor). Qualquer coisa que acontecesse a um puto da idade do meu filho,e, imediatamente, eu via ali representado o meu próprio filho, facto que me fazia sofrer desmesuradamente. Há uns anos, na Inglaterra, dois miúdos levaram uma menino que encontraram num centro comercial, para um baldio qualquer, tenho a ideia que foi próximo de uma antiga linha de comboios e mataram-no à tijolada que lhe atiravam à cabeça, um deles foi capaz de confessar que a pequena criança sempre que era atingida levanta-se, ainda assim, do chão. Não imaginas a minha aflição quando assisti a este relato na televisão, agarrava-me ao meu pequenino de cinco anos e abraçava-o a chorar, porque não conseguia conceber tamanho horror. O que pensa uma criança num momento daqueles?

    Quando a Casa Pia andou na berra também se falou muito dos miúdos que se prostituíam e, por conseguinte, dos adultos que os procuravam. Na verdade, falava-se que eram doutores, advogados e coisas assim, mas também se falava que alguns tinham filhos, provavelmente da idade dos miúdos que procuravam. E, mais do que tudo, era esse facto que me espantava, porque entendo, que seria como se estivesse a abusar dos seus próprios filhos. Isto não é gente, são bichos. Como tantas vezes diz a minha mãe, " quem vê caras, não vê corações", sabe-se lá, quantas vezes não estamos perante canalha desta, que se aproveita da miséria dos outros, enquanto pensamos que se trata de uma boa pessoa, isto é, de um verdadeiro senhor.
    Um beijinho

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  3. Estou como o Cybe. Dass!!

    Assustador, Mário. Verdadeiramente assustador!

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  4. O meu sentido abarço para vós meus bons amigos Cybe, Milu e Nirvana...
    Que eu, revolto-me muito para conseguir seguir estes outros amigos...

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…Escrevo, principalmente, por falta de espaço dentro de mim para tantas emoções e tão grandes, para mim. Nos comentários, fico com a sensação de que os pingos de emoção que transbordo, caiem em "terras fecundas" e coadjuvam o nascimento de novas emoções, produzem opiniões, contra pontos e desafios… E isso, isso é “geleia real”, para as nossas vidas…

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